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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A música no cinema - Fred Astaire e Ginger Rogers


Quando surge a possibilidade de se fazer um cinema falado a linguagem cinematográfica já havia se ajustado muito bem a este detalhe faltante da composição fílmica. Alguns cineastas conseguiam se sair muito bem sem seu uso – característica que marcou a obra de alguns cineastas mesmo depois do advento do cinema falado. Mas quando esta se torna uma ideia de valor econômico, já que levaria mais gente aos cinemas – de início curiosos em descobrirem aquela engenhosa invenção – os estúdios estadunidenses iniciam uma corrida contra o tempo para se adaptarem a este salto dado na linguagem cinematográfica.

Este foi um passo dado primeiramente pela Warner Brothers que encontraram no cinema falado um meio de fugir de sua iminente falência. Forma bem sucedidos, pelo que podemos notar hoje separados quase 100 anos desde aqueles tempos. Notamos tanto pela manutenção do cinema falado quanto pela permanência dos estúdios em questão no cenário cinematográfico mundial.

Um dos primeiros desafios deste novo modo de se expressar seria encontrar um meio de justificar o uso da fala nos filmes. Como já colocado mais acima, alguns cineastas já conseguiam driblar o problema do não uso das palavras com uma boa dose de criatividade. Mas o cinema mudo impedia a existência da música ou da relação da música dentro dos filmes. Os cineastas ainda tentavam colocar alguns instrumentos, mas a representação imagética da música nunca será o mesmo que ouvir uma música. Abel Gance em seu magnífico A roda (la roue, 1923) chega a colocar alguns personagens tocando violino. Qual não seria a sensação de tais cenas se pudéssemos escutar os personagens a tocar?


É verdade que alguns cineastas, tais como Chaplin, compunham peças musicais que acompanhavam os rolos de películas que chegavam às salas de cinema para que a banda que fazia o acompanhamento dos filmes pudesse tocar aquilo que fora pensada especialmente para o filme. Mas é diferente. Primeiro que são bandas diferentes, com formações diferentes. O espetáculo terminava por não ser o mesmo para todos os espectadores ao redor do globo tal como o é hoje. (Isso se levarmos ainda em conta que nas pequenas salas somente um pianista sozinho fazia o acompanhamento do filme).

Assim quando a Warner Brothers lança O cantor de jazz seu sucesso se torna também uma questão estética não somente financeira ou tecnológica. E a escolha de fazer um musical como primeiro filme falado foi acertada. Porque nunca antes as plateias de cinema puderam ouvir as sombras dançantes na tela prateada. E pela primeira vez que as escutam, elas podem as ouvir cantar! O cantor de jazz ainda não era uma peça inteiramente falada, mas em seus momentos grandes quando surgia a cantoria se estabelecia ali seu impacto: a música finalmente faz parte do espetáculo cinematográfico.

Chegamos, assim, ao ponto que mais desejava quando comecei a escrever este texto: os filmes de Fred Astaire e Ginger Rogers. Sim, porque este foi o casal mais popular do cinema musical desta primeira década do cinema falado, e talvez de toda a história do cinema até aqui. É curioso este tenha sido o melhor gênero do cinema hollywoodiano a se encaixar neste novo formato de cinema. Era o modo de o cinema poder afirmar esta inovação técnica que era olhada com olhares tortos pelos grandes mestres e apreciadores da arte do filme mudo.


Quão ridículo não seria se tivessem escalado Fred Astaire para estrelar um filme mudo em que ele tivesse que apresentar sua habilidade de dançarino? Não teríamos os sons de seu sapateado ou das músicas que canta – e que acompanham seu bailado. E é aí que entre a genialidade da dupla Astaire-Rogers nesta primeira década. Porque sua dança não possui a mesma efetividade sem a música. E sem o cinema falado não há música. E sem a música não há momentos inesquecíveis da história do cinema como Fred Astaire cantando para Ginger Rogers Cheek to cheek no alto momento de O picolino (top hat, 1935).

Um de seus filmes que mais admiro por deixar mais explícita esta relação música-cinema é Vamos dançar? (shall we dance, 1937) dirigido pelo velho parceiro da dupla, Mark Sandrich. Logo no início da película, Fred Astaire coloca uma música num gramofone e começa a sapatear seguindo o ritmo da composição que toca. Mas o disco está arranhado e permanece numa repetição, forçando-o a continuar um mesmo passo. Ele interrompe seu alegre dançar para retornar à máquina e adiantar a agulha do disco, que tem mais arranhões que produzem o mesmo efeito. É uma cena que não existiria sem a capacidade sonora do cinema.

Tal como em Ritmo louco (swing time, 1936) em que Fred Astaire surge no apartamento de Ginger Rogers enquanto esta se prepara para sair. Estão em diferentes cômodos da casa, e ainda assim são capazes de conversarem. Ele finge deixar a sala fazendo seus passos se distanciarem, ainda que permaneça parado no mesmo lugar. Aproveita que ela acredita que ele não está mais em seu apartamento para sentar-se ao piano e cantar The way you look tonight. Ela para sua arrumação e passa a escutá-lo. Estão em cômodos diferentes, mas a música ecoa pelas paredes.


Seguindo o pensamento do trio de postagens Apalavra no cinema temos algumas cenas que podem ser compreendidas sem a necessidade da fala. Mas algo falta à cena se lhe suprimimos o som: a emoção. O cinema não é uma produção científica, mas artística. O som, mesmo não sendo das mais importantes, é uma das suas características e isto significa que não deve ser abandonada de imediato. Compreendemos o que Fred Astaire faz ao fingir que deixa o apartamento de Ginger Rogers sem a música? Sim. Compreendemos que ela se emociona com o seu canto? Sim. Mas a compreensão não assegura a emoção do espectador frente à cena apresentada.

Assim, quando em A alegre divorciada (the gay divorcee, 1934) Fred Astaire começa a cantar Night and day a comoção que surge na expressão de Ginger Rogers somente pode ser interpretada uma vez compreendamos a música que é cantada. Tal como depois que começam a dançar, ela tenta lhe escapar, mas ele continua sua insistência até que se inicia o número de dança. Este é efetuado também partindo da compreensão da canção: ele está apaixonado por ela e não consegue imaginar sua vida sem ela. A todo momento pensa nela. E assim a envolve na dança – esta que nunca é gratuita nos filmes de Astaire-Rogers, sempre sendo o ponto alto da expressão emocional de seus personagens.


É o cinema musical que finalmente liga a imagem ao som, sendo o melhor exemplo da capacidade inventiva dos cineastas do período sonoro. Porque a música justifica o uso do som. A música trás um algo a mais para a película. A música complementa – fazendo parte (d) – a imagem. Os personagens dos musicais necessitam da música. Esta é a sua grande expressão. E os números musicais saltam seu lado subjetivo, seus desejos e angústias, suas hesitações e alegrias para fora de seus corpos sendo expressa por meio de seu canto e de suas danças. É esta a significação que tem muitos dos números de Fred Astaire e Ginger Rogers enquanto parceiros. Ele tenta conquista-la, guia-la. Ela se entrega à paixão e o segue. Eles bailam. Hesitam e se separam. Voltam a ficar juntos e se envolvem. E parecem encontrar a felicidade que procuram quando dançam juntos. Este é o tipo de construção que somente poderia ser feita por um cinema falado.

sábado, 23 de agosto de 2014

Cidadão Kane é um clássico, você sabe por quê?


Provocativo esse título, não? Ele parte de um fato cada vez mais comum no mundo atual. As informações são tantas que quase se torna impossível digeri-las devidamente. No meio desta velocidade encontra-se o cinema. Ser cinéfilo nunca foi tão fácil como agora. Os filmes chegam a nós, e não nós que vamos até eles. As tecnologias avançaram a tal ponto que posso ter uma sala de cinema em casa. Mas em meio a tudo isso surge um problema: a discussão sobre cinema perdeu seu valor. Seu valor no sentido do conteúdo do debate. A pergunta-título refere-se a isto. Quando vasculhamos a internet em busca de um bom texto analítico sobre o filme que acabamos de assistir, o que em grande parte encontramos são leituras que tratam filmes não como cinema, mas como literatura. Sim, literatura. Porque discutir a narrativa, tão somente, é uma questão para a arte das letras. Para o cinema cabe o seguinte questionamento: como mostrar tal narrativa? Por que o cineasta prefere mostrar isto ao invés daquilo outro?

Por que Cidadão Kane é um clássico?, pergunto. Certamente não pelo uso do flash-back, recurso muitíssimo conhecido, mesmo na época do lançamento do filme. Para que cheguemos ao clássico filme de Welles, façamos antes um breve percurso pela história do cinema:


No princípio, a câmera de cinema permanecia fixa em frente ao cenário como uma mera observadora distante. Ela ficava numa posição privilegiada, que lhe possibilitava enxergar diversas ações a um mesmo momento. O olhar do espectador passeava pelo cenário observando a ação que mais lhe desse prazer. Este posicionamento é usualmente chamado de "regente de orquestra", porque tal como um regente de orquestra, a câmera fica a frente de seus atores (os músicos) indicando-lhes o espaço que devem percorrer.

Mas logo foi deixada de lado quando foi descoberto que melhor que deixar a câmera distante dos atores, seria colocá-la no meio da cena. Surgem os diversos posicionamentos de câmera. O cinema deixa de ser um teatro filmado para ganhar a sua forma própria. O espectador, que num primeiro momento direcionava sua atenção para o que mais lhe desse interesse dentro do quadro, agora tem sua atenção direcionada. A câmera não filma uma sala inteira, mas a moça que está sentada no sofá.

Passam-se anos sendo aprimoradas as técnicas de direcionamento do olhar, até que na década de 1930, com o desenvolvimento de novas lentes que possibilitavam trabalhar com foco curto e longo ao mesmo tempo - ou seja, o ator poderia aproximar-se e distanciar-se da câmera sem sais de foco - o cinema retorna para o seu princípio. Mas a câmera não é mais passiva frente às ações que se lhe apresentam. Agora ela faz parte da encenação, ou como dizem os franceses: a mise-en-scène.


Cineastas como Jean Renoir e John Ford descobrem as maravilhas de se utilizar este novo sistema de lentes e passam a filmar planos gerais em que o tempo do plano dura mais tempo do que antes. A grande revolução estética proporcionada por esta estética será notada na década seguinte por André Bazin. Por meio do plano-sequência encontra-se a duração.

O que é a duração? - Influenciado pela filosofia de Henri Bergson, Bazin procura no cinema aquilo que converse diretamente com o fluxo com o qual as coisas se apresentam na realidade - uma propriedade essencial das coisas e dos fatos, como diz Ismail Xavier. Esta propriedade essencial das coisas e dos fatos somente será encontrada no cinema por meio do plano-sequência, esta técnica que permite a captação da realidade em seu fluxo original.


Cidadão Kane entra no meio de tudo isto como o filme que consegue se fazer bem sucedido nesta empreitada "moderna". Welles filma sua história valendo-se da profundidade de campo, distribuindo seus personagens nos cenários sem a necessidade de corte para que possa mostrá-lo em cena. Esta revitalização da profundidade de campo produzida pela obra de debute de Welles é sem dúvida uma das marcas centrais que transformam este filme num clássico. O diretor adapta o dispositivo cinematográfico a seu favor, a seu olhar de diretor teatral, para que possa buscar a dramaticidade das cenas nas relações entre atores e não da fragmentação do espaço cênico pela montagem. Por meio do plano-sequência encontra-se o fluxo de uma realidade. Valoriza-se o espaço por sua natureza, não o fragmentando. Com a revitalização da profundidade de campo, tem-se um melhor aproveitamento do plano-sequência.

O plano-sequência apresenta, assim, a comunhão entre tempo e espaço tão cara à representação cinematográfica. Mas num cinema que se diz moderno, é essencial que esta comunhão seja mais precisa. O espaço deve se juntar com a duração. Com o plano-sequência há finalmente a expressão da duração, que segundo Marcel Martin, em A linguagem cinematográfica, é o verdadeiro tempo estético. A duração impressa no filme pelo plano-sequência encontra no mundo o fluxo essencial das coisas e as reflete no espectador. Consegue-se, assim, a expressão da duração filmando-a em sua completude.

É somente um breve comentário acerca de Cidadão Kane, filme tão rico que merece muitas e muitas páginas de estudos detalhados sobre cada um dos planos. Mas o que deve ser apreendido deste texto é o modo de como deve se efetuar o julgamento de um filme. Não se julga um filme por sua trama, tão somente. Esta é um problema dos literatos. Foi devido a julgamentos que levavam em conta somente o enredo do filme que, durante anos, Alfred Hitchcock fora visto como um cineasta menor: sabemos que ele não é porque nos foi mostrado, com argumentos que levam em conta a forma do filme, o grande diretor que ele é. 

[obs.: Este texto não se volta para o espectador comum de cinema, mas para o espectador comentador de filmes (como críticos de revista, e blogs). Este deve prestar atenção aos seus comentários para que eles não se baseiem em preconceitos para com uma obra. O espectador comum não tem o intuito de formar ou apresentar ao público uma obra, sendo este papel o papel que cabe o espectador comentador. Diferencia-se, entretanto, o espectador comentador daquele espectador comum que escreve as suas impressões pessoais acerca de uma obra. Espera-se do crítico o conhecimento teórico no momento de análise de um filme, o mesmo já não se espera de um espectador comum que escreve sobre cinema. Este último pode ser acompanhado por leitores que se identificam com os gostos do escritor e daí a não se esperar uma análise aprofundada do filme.]

[as imagens:
1 - Assalto ao trem Robbery (1903) de Edwin Porter exemplificando a câmera "regente de orquestra";
2 - Cidadão Kane: Welles em primeiro plano em foco e, ao fundo, um personagem a falar com ele também em foco;
3 - Cidadão Kane: novamente temos Welles (Kane) em primeiro plano e outro personagem que conversa com ele em segundo plano, também em foco.]

terça-feira, 17 de junho de 2014

Lírio Partido de D. W. Griffith (broken blossoms or the yellow man and the girl, 1919)


direção: D. W. Griffith;
roteiro: D. W. Griffith, Thomas Burke (baseado em sua obra);
fotografia: G. W. Bitzer;
estrelando: Lilian Gish, Richard Barthelmess, Donald Crisp.

Em sua série sobre a história do cinema, Mark Cousins coloca o cineasta D. W. Griffith em seu devido lugar no mundo do cinema. O cineasta estadunidense normalmente é tido como o criador da linguagem cinematográfica, quando na verdade ele foi quem conseguiu, em seus épicos mudos, juntar a terminologia do cinema (diferentes planos em uma cena, a forma da montagem...) em um mesmo filme. Isto foi feito em Nascimento de uma nação e Intolerância, dois filmes que contam com algo em torno de três horas de duração nas quais o cineasta consegue estruturar todas as formulações da linguagem cinematográfica e sua montagem que possibilitava uma continuidade da narrativa apresentada não necessitando permanecer em um mesmo plano ou em um mesmo ambiente.

Mas não é nenhum destes dois filmes clássicos que é considerado por grande parte da crítica como sendo o melhor filme do cineasta, mas sim Lírio partido, um filme sentimental em que o melhor de Griffith se apresenta de maneira poética, casando com uma apresentação magnífica de sua colaboradora corrente: Lilian Gish. É neste filme em que todo o poder da câmera pode ser demonstrado já que, por saber até onde era capaz de ir seguindo a gramática cinematográfica, Griffith sabia como conseguir o resultado esperado. E a escolha por filmar um melodrama é mais do que simbólica, porque é no melodrama em que reside a linha mais tênue de todos os gêneros a serem trabalhados no cinema. O risco que um cineasta corre ao filmar um melodrama é enorme, de ter como produto final um filme enfadonho e cansativo com pessoas chorosas. O risco de o público não conseguir se identificar com as personagens apresentadas e de, até mesmo, repudiá-las é maior do que em qualquer outro gênero. Passar pelo desafio de filmar um melodrama é um risco que Griffith aceita e do qual obtém êxito.


Um dos trunfos de Griffith ao saber utilizar a linguagem cinematográfica (sendo melhor termo para defini-lo não de criador, mas o sistematizador da linguagem cinematográfica) é a sua capacidade de contar história se valendo de caracteres fílmicos para poder contar o seu drama e criar toda a atmosfera emocional exigida pala história contada. Saber pontuar os momentos em que seria inseridos os close-ups em um filme é a sua marca registrada. É conhecida a história de que o filme era inicialmente montado e, depois de assistir a esta primeira versão do filme o diretor pontuava em quais momentos necessitaria incluir os close-ups. Os close-ups no cinema de Griffith servem, assim, como sinais de pontuação que exclamam um determinado sentimento que o protagonista da história está a sentir e, por conseguinte, o espectador.

Quando Lucy (Lilian Gish) está encurralada no armário para se proteger de seu pai abusivo, o diretor se vale de um close-up não apenas para mostrar mais nitidamente para o espectador como está o personagem, mas para que este possa sentir como está aquele personagem que ele vem acompanhando há pouco mais de uma hora. O close-up serve como uma ponte entre o emocional do espectador e do personagem, e aquele sentimento que é representado arrebata a quem assiste ao filme tal como se estivesse a viver a história. É o momento em que sentimos pena de Lucy, queremos salvar, queremos gritar para alguém salvá-la, mas somos impotentes. O close-up nos aproxima de uma realidade que não existe, nos mergulha nela. 


Interessante nesta aspecto podermos fazer a comparação entre dois cineastas contemporâneo (na verdade até mesmo sócios de um mesmo estúdio): D. W. Griffith e Charles Chaplin. Enquanto Griffith se vale de close-ups para criar esta pontuação do sentimento que a cena apresentada expressa, Chaplin não se utiliza desta técnica em seus filmes, mesmo em um filme tão sentimental como O garoto. Talvez o único close-up da obra chapliniana seja o close final no rosto de Carlitos quando ele reencontra a garota cega e ela o reconhece. Mas para Chaplin a movimentação do ator em cena poderia dizer muito mais do que a proximidade da câmera de seu rosto poderia mostrar. Chaplin por possuir uma formação do teatro passou grande parte de sua obra em construções como esta, ao passo que Griffith exercitou seu fazer cinematográfico apenas por trás da câmera. 

E o que seria de Lírio partido sem Lilian Gish? A atriz, quando da filmagem tinha 22 anos, mas interpretava uma adolescente de 14 ou 15 anos, consegue arrebatar a atenção do espectador se destacando frente a todos os demais atores que com ela contracenam. É belíssima as imagens que Griffith faz dela, seu rosto sofrido, seu caminhar penoso, seu olhar sem esperanças e sempre guardando algumas lágrimas no canto. Não é a toa que o cineasta sempre esteja pronto para fazer um close-up dela. De um rosto frágil como o de Gish, Griffith conseguiu extrair o significado do que foi, é e será o cinema de melodrama, e a beleza que pode ser extraída da tragédia humana.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Neorrealismo Italiano


Muito se fala sobre as características sociais presentes no cinema neorrealista italiano, servindo em diversas ocasiões como definição do movimento. Mas enquanto arte, necessita-se de uma definição estética para que o movimento possa ser considerado um movimento artístico. É partindo desta necessidade de busca de uma
 característica que estivesse presente em todos os filmes do movimento, que se encontra o caráter realista dos planos sequência. Quando nota-se o poder do plano-sequência (unido à liberdade da câmera na mão), nota-se também seu grande valor artístico, o poder que trás à obra. Nele está presente uma veracidade perante dos fatos que parece velada quando outros planos nos são apresentados. Eles possuem um caráter documental. Parecem mais reais para o espectador porque com eles o cinema já não parece tão distante, afinal de contas nossas vidas são vividas em longos planos sequência. Assim como o olhar do indivíduo - que anda por sua cidade e, por mais que tente, não pode deixar de notar o movimento ao seu redor - funciona a câmera neorrealista. Daí surge a afirmação de Deleuze em Imagem-Tempo: "o real não era representado ou reproduzido, mas 'visado'". 


Mas não tão somente de planos-sequência são feitos os filmes neorrealistas. Exemplo disto é "A Estrada da Vida", de Federico Fellini, que não possui muitos planos-sequência, mas que tem esta realidade visada em cada plano. O poder do filme reside em outra técnica muito conhecida, o travelling. Em diversas cenas a câmera mostra a relação entre Gelsomina e Zampano, as agressões que ele inflige a ela, e ao fim das cenas temos o olhar triste de Giulietta Masina (intérprete de Gelsomina) a olhar para Anthony Quinn - sempre fora de quadro - enquanto a câmera se aproxima dela, trazendo neste movimento a afeição do espectador pela protagonista sofredora do filme.
O mesmo pode ser dito da grandiosa cena que mostrou para o mundo o poder de Anna Magnani, de Roberto Rossellini e deste novo cinema italiano, quando o marido de Pina (Magnani) é levado preso por uma tropa da Alemanha Nazista e Anna Magnani passa a corre atrás do carro em que está a levando seu marido e de repente ela é asssassinada na frente de seu marido, seu filho e seus amigos, no meio da rua, caindo no chão enquanto corre. Esta cena é feita com diversos cortes que fazem com que o poder da cena cresça enquanto a ação ocorre.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Da estética cinematográfica 4


(continuação)
Talvez nem “Cidadão Kane” nem “Roma Cidade Aberta”, filme que inaugurou o neorrealismo, tenham provocado um impacto tão grande para o cinema como foi “Acossado”. O jovem Jean-Luc Godard, ex-crítico de cinema da Cahiers du Cinema, resolveu mostrar para o mundo que não era somente um jovem de palavras, que tinha criatividade o suficiente para fazer uma revolução em uma arte que parecia ter parado no tempo. Godard abandona o fazer cinematográfico dito acadêmico (pegar a formula pronta desenvolvida por Griffith, Eisenstein e Welles), e resolve mostrar para o mundo que um filme pode ser feito do jeito que o realizador quiser.

Godard é sem dúvida o cineasta mais ousado da nouvelle vague. O movimento em si não trouxe nenhuma mudança radical para a estética cinematográfica. Truffaut e Rohmer, por exemplo, filmavam de maneira muito acadêmica, com suas influências muito bem definidas. Godard se torna, então, um autor no melhor sentido do termo cunhado por André Bazin. Ele pega a sua forma de pensar e a coloca em seu cinema. Sua forma de pensar é diferente dos demais. Ele não pensa como Griffith, como Eisenstein nem como Welles, embora os admire.

Esta forma de pensar de Godard termina por fazer com que cada filme seu seja uma nova surpresa. Em “Acossado”, Godard nos mostra os diálogos de seus protagonistas, mas não os mostra por completo, mostra apenas o que importa. Caminhando em um sentido contrário ao de Tarkovsky, o cineasta francês, neste seu filme de estreia, abandona os formalismos para ser o autor impaciente. Mas é uma impaciência que fez o seu filme dar certo.

Esta ousadia somente seria alcançada depois com cineastas independentes que fazem seus experimentos, mas que ninguém mais parece aprovar e que parecem desaparecer junto com seu autor (muitos são muito interessantes, e talvez feitos em épocas erradas), e com outro francês, Alain Resnais, um experimentador do tempo no cinema.

Assim como a montagem de Griffith e Eisenstein, a montagem de Godard de mostrar somente o que interessa (para que ver um personagem andar por todo um corredor quando o que interessa é vê-lo abrir a porta?), é comumente utilizada, não somente no cinema, mas também na televisão.

sábado, 20 de abril de 2013

Da estética cinematográfica 3


(continuação)
No mesmo caminho anda Serguei Eisenstein, o grande cineasta soviético, que foi o maior defensor da montagem de atrações. Eisenstein, em seu primeiro filme, tenta pôr em prática sua teoria de que quanto mais detalhes de uma cena forem exibidas, mais real ela se tornará. Esta montagem não é tão bem executada em seu primeiro filme, “Greve”, mas é magistralmente conduzida no segundo, a grande obra-prima do cineasta (e talvez do cinema) soviético: “Encouraçado Potemkin”.

A montagem desenvolvida por Griffith e Einsenstein até hoje podem ser vistas nas obras cinematográficas. A de Eisenstein em menor escala, tendo maior presença em cenas de ação. Os blockbusters hollywoodianos utilizam a montagem eisensteiniana, assim como o clássico mor do cinema nacional “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. No filme de Glauber Rocha, estão presentes as influências da montagem, não só de Eisenstein, como de Griffith.

Logo após a revolução provocada por Eisenstein o cinema tem um abalo provocado pelo advento do cinema falado. Depois do advento do som no cinema, as revoluções foram diminuindo, se tornando muito mais questões de avanço tecnológico, ou social, do que uma teoria que viesse a modificar a estética do cinema. Somente em 1941 vem um sopro de renovação com “Cidadão Kane” onde temos a exploração da profundidade de campo, onde o ator adquire certa liberdade de andar pelo cenário, e do diretor de filmar mais tempo sem se preocupar com o foco. Este passo dado por Orson Welles em seu clássico fez com que muitos dos movimentos cinematográficos vindos em seguida passassem a utilizá-lo, como é o caso do neorrealismo italiano. 


Numa Itália destruída pela guerra, o desejo de alguns de fazer cinema era imenso que ultrapassava qualquer dificuldade. Utilizando câmeras desenvolvidas especialmente para a guerra – pequenas e leves, para filmas as batalhas – os neorrealistas foram os primeiros a deixar os estúdios e ir para as ruas, mostrar as histórias onde elas acontecem. Utilizando o método desenvolvido em “Cidadão Kane”, os neorrealistas podiam fazer enormes percursos pelas paisagens acidentadas das cidades, e acompanhar de perto a trajetória daqueles personagens sofridos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Da estética cinematográfica 2


(continuação)
Méliès foi um pouco mais além. Foi talvez o primeiro a encontrar no método de edição do filme um grande potencial. Ao se filmar um cenário com um personagem, parar a filmagem, depois filmá-lo vazio, e depois juntar os dois filmes, dará a impressão de que o personagem desapareceu diante de nossos olhos! Foi o recurso mais utilizado por Méliès ao longo de seus mais de quinhentos filmes. Era utilizado sempre para espantar seus espectadores, em meio a seus filmes cheios de efeitos especiais. Foi usado no seu primeiro filme de terror para colocar o diabo aparecendo e desaparecendo para assustar o protagonista do filme, e também em seu grande clássico, adaptado do texto de Júlio Verne “A Viagem à Lua” para mostra a fragilidade dos habitantes da lua.

Com o tempo, o estranhamento passou a se tornar quase uma questão de teoria do conhecimento. D.W. Griffith, o grande criador da gramática cinematográfica, foi o responsável pelo desenvolvimento da montagem no cinema. Mas não era algo simples que os espectadores aceitaram logo de cara. Era complexo. Se em um plano Griffith apresentava um homem com uma espingarda atirando, e no plano seguinte um homem com uma expressão de dor e a mão no peito, não seriam todos os seus espectadores que aceitariam que o primeiro homem deu um tiro no segundo.

Mas nem sempre a montagem griffitiana era clara. Na verdade, grande parte das inovações do cinema sofreu com este processo. Era uma nova descoberta que teria que ser testada com o tempo. Nesta época (década de 1910), os estúdios estadunidenses faziam dezenas de filmes por semana. Griffith chegava a filmar, montar e estrear cerca de vinte a trinta filmes por ano, antes de seus grandes clássicos e da criação da United Artists. Ele não tinha muito tempo para conseguir pensar o processo de montagem de um filme da maneira desejada.

sábado, 13 de abril de 2013

Da estética cinematográfica



No dia 28 de dezembro de 1895 foi realizada a primeira seção de cinema. Os irmãos George e Louis Lumière, donos de uma fábrica de filmes fotográficos, conseguiram a façanha de produzir a primeira maquina de filmar. Os primeiros filmes, exibidos nesta seção de 1895, eram simples documentos históricos, extratos do cotidiano apreendidas pelas câmeras dos Lumière; operários deixando a fábrica dos inventores do cinematógrafo, pessoas andando pelas ruas... George e Louis acreditavam que sua invenção não era para ser utilizada como um divertimento, mas com um propósito maior. Era uma conquista científica.

Não tardou muito para a invenção ganhar o mundo. Seis meses depois ela já desembarcava em solo brasileiro. Na mesma época eram inauguradas as primeiras empresas de produção cinematográfica. Os primeiros estúdios de cinema produziam filmes curtos. Dentro do cinema existiam duas vertentes, os que seguiam os inventores do cinematógrafo e aqueles que caminhavam lado a lado com Georges Méliès. Méliès foi um dos grandes nomes do cinema fantástico, o primeiro a descobrir o potencial da câmera de filmar para contar histórias fantásticas.

Mas mesmo apresentando o comum, o banal, os filmes dos Lumière apresentavam suas surpresas. Apresentado em 1896, “A Chegada do Trem à Estação”, causou rebuliço e estranhamento na plateia ao mostrar um trem se movendo em direção ao espectador. As pessoas, assustadas, acreditavam que o trem iria sair da tela e atropelá-las. Diz à lenda que o filme causava correria dentro da sala de cinema. O mesmo acontecia com o famoso filme de Edwin Porter, “Assalto ao Trem Robbery”, o primeiro faroeste do cinema (feito por estadunidenses, claro!), onde, ao final do filme, o próprio Porter surgia, virado para a plateia com revolver em punho e atirava em direção à plateia (este filme tendo sido lançado sete anos depois do filme dos Lumière).