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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O travelling de Kapò - Serge Daney


Entre os filmes que eu nunca vi, não há somente Outubro, Trágico amanhecer e Bambi. Há também o obscuro Kapò. Filme sobre os campos de concentração, rodado em 1960 pelo cineasta italiano de esquerda Gillo Pontecorvo, Kapò não firmou seu nome da história do cinema. Serei eu o único, nunca o tendo visto, jamais tê-lo esquecido? Porque eu não vi Kapò mas, ao mesmo tempo, vi. Eu vi porque alguém - com palavras - me mostrou. Só conheço esse filme, cujo título, como uma senha, acompanhou minha vida através de um curto texto: a crítica que dele fez Jacques Rivette em junho de 1961 nos Cahiers du Cinéma. Era o número 120, e o seu artigo se chamava "Da abjeção". Rivette tinha trinta e três anos e eu tinha dezessete. Acho que nem tinha pronunciado a palavra "abjeção" em minha vida. Em seu artigo, Rivette não contava o filme. Ele se contentava, em uma frase, em descrever um plano. A frase, que ficou na minha memória, dizia assim: "Vejamos agora, em Kapò, o plano em que Riva se suicida, se jogando sobre o arame farpado eletrificado: o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscreve exatamente a mão levantada num ângulo do enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo desprezo." Dessa forma um simples movimento de câmera poderia ser um movimento a não se fazer. Aquele que era necessário - à evidência - ser abjeto para fazer. Bastava ler essas linhas para saber que seu autor tinha toda a razão.

Abrupto e luminoso, o texto de Rivette me permitiu colocar palavras sobre esse olhar da abjeção. Minha revolta tinha encontrado palavras para se manifestar. Mas tinha mais que isso. Tinha que a revolta estava acompanhada de um sentimento menos claro e sem dúvida menos puro: o reconhecimento consolador de ter adquirido a minha primeira certeza de futuro crítico. Ao passar dos anos, com efeito, o "travelling de Kapò" foi o meu dogma de carteirinha, o axioma que não se discutia, o ponto limite de todo debate. Com qualquer um que não sentisse imediatamente a abjeção do "travelling de Kapò", eu não teria, definitivamente, nada a ver, nada a partilhar. 

Esse tipo de recusa estava, aliás, no ar da época. Pelo estilo irritado e excedido de Rivette, eu sentia que furiosos debates já haviam acontecido e me parecia lógico que o cinema fosse a caixa de ressonância privilegiada de toda polêmica. A guerra da Argélia, por não ter sido filmada, fazia suspeitar de toda representação da História. Qualquer um parecia compreender que pudesse haver - mesmo e sobretudo no cinema - figuras tabus, facilidades criminais e montagens proibidas. A fórmula célebre de Godard vendo nos travellings "uma questão de moral" era aos meus olhos um desses truísmos  sobre os quais não se questionava. Não eu, ao menos.


trecho de "o travelling de Kapò" de Serge Daney.

sábado, 28 de dezembro de 2013

O Nascimento do Cinema



Em 28 de dezembro de 1895 era realizado, no porão de um café em Paris, pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, a primeira exibição de um filme. Na verdade de um conjunto de filmes. Os famosos Irmãos Lumière eram donos de uma fábrica de celuloide para câmeras fotográficas, e foi partindo daí que os dois desenvolveram a máquina que viria a se tornar a marca do século XX, espantando e apaixonando pessoas de todo o mundo. Inicialmente, os Lumière tinham sua invenção como algo que serviria à ciência e não ao entretenimento. A invenção dos irmãos de Lyon chegaria em solo brasileiro seis meses depois, sendo que a primeira filmagem do Brasil apresentava a chegada do cinematógrafo da cidade de Rio de Janeiro (ao que tudo indica, esta gravação mítica está perdida).

Georges Meliès, ilusionista profissional, descobre a invenção dos Lumière e logo consegue uma para si. Seus objetivos são muito diferentes daqueles tidos pelos irmão inventores, uma vez que Meliès é um homem do espetáculo, do entretenimento; ele passa a utilizar a criação para contar histórias. Não muito tempo depois do surgimento do cinema, começam a surgir os primeiros estúdios de cinema. Certo dia, filmando uma rua com alguns de seus assistentes (de seu estúdio recém inaugurado), Meliès descobre a maravilha que pode ser proporcionada por um corte. Um de seus assistentes a filmar, para por um momento e, logo em seguida, retoma a gravação. Quando projetado, o filme apresentava um carro desaparecendo em frente à câmera (infelizmente, este é outro filme perdido). 


Um mundo de fantasia extraordinário seria desenvolvido graças a este descuido de um dos operadores de câmera que trabalhavam ao lado de Meliès. A partir de uma técnica simples, a interrupção da filmagem e depois a retomada da gravação, o cineasta francês pôde contar as mais diversas histórias que não seriam possíveis de serem apresentadas em lugar algum além do cinema. Foi assim que Meliès apresentou ao mundo o diabo, que atormentando alguns jovenzinhos, se teletransportava, deixando apenas uma coluna de fumaça no lugar em que estava. Assim também ele pôde filmar os moradores da lua que, ao serem tocados, explodiam no ar.

O acaso também estava presente na vida dos irmãos criadores do cinema. Relutantes de início a fazer filmes como Meliès, os Lumière se contentavam em filmar cenas do cotidiano (esta visão dos Lumière seria mais tarde abraçada e teorizada por Dziga Vertov): os operários saindo da fábrica, o trem chegando à estação... e foi numa destas filmagens que outra técnica muito famosa nasceu: o travelling. Um assistente dos Lumière, ao filmar os casarões de Veneza em uma gondola desenvolveu aquele famoso movimento em que a câmera passeia pelo cenário saindo do lugar em que inicialmente estava. Mais tarde, os Lumière também passariam a gravar filmes de ficção.


Ao contrário do que normalmente é dito, a narrativa cinematográfica foi criada por Edwin Porter. Porter é o criador daquele que talvez seja o primeiro faroeste do cinema. Com a narrativa cinematográfica poderíamos contar uma história saindo de um cenário para outro, mantendo a continuidade da história. Exemplo disso é o filme em que um grupo de bombeiros chega a uma casa pegando fogo para resgatar as pessoas que ficaram presas à casa em chamas. O filme se estrutura da seguinte maneira: 1) é mostrado o fogo do lado de fora da casa; 2) o morador, dentro do quarto, se desespera quando vê que a casa está pegando fogo e desmaia; 3) os bombeiros chegam, abrem as torneiras, colocam uma escada em direção à uma janela no primeiro andar enquanto outros entram pela porta da frente; 4) um bombeiro entra no quarto em que o morador havia desmaiado, quebra a janela; 5) o bombeiro sai pela janela e desce as escadas com o morador desmaiado nos braços.

Todos estes quatro pioneiros não conseguiram prosperar no cinema. Meliès, por exemplo, teve que vender seus filmes para que fossem derretidos e virassem sola de sapato durante a I guerra mundial, já que seus filmes não mais lhe davam qualquer retorno financeiro. Os quatro morreram no esquecimento, sem dinheiro e sem reconhecimento. O reconhecimento lhes surgiu tardiamente, e hoje lhes é dado com o crescimento do estudo do cinema - que somente foi ser tido como disciplina na França na década de 1950, e aqui no Brasil em 1960.

Neste dia em que o cinema faz aniversário, pensar suas origens o faz mantê-lo vivo.

quarta-feira, 6 de março de 2013

O Cinema em Cores

Se o cinema sonoro não evoluiu tanto (como coloquei em postagem recente), o cinema em cores foi bastante explorado. 

Não que o cinema colorido tenha causado uma grande revolução no cinema, como foi o caso do cinema sonoro. Na verdade não fez quase diferença nenhuma. Mas o modo de explorar as cores foi amplamente trabalhado e estudado. Pode-se, sim, dizer que, no caso do cinema em cores, a evolução foi maior do que a do cinema sonoro. As cores podem não ter feito parte de nenhum grande estudo, mas fazem parte de uma grande revolução na forma de pensar um filme. 

Um bom fotografo junto com um bom diretor irão sentar e pensar juntos nas cores do ambiente onde a história se passa. Dependendo das cores utilizadas, algo pode ser explorado no pensamento, em como aquela mensagem chegará ao espectador. As cores possuem diferentes impactos, e saber usá-las é um ponto a mais que o diretor ganha. Uma cena pode ficar mais impactante do que outras. 

Neste caso podemos lembrar de casos famosos. O primeiro, Psicose de Alfred Hitchcock. Neste filme de 1960, Hitchcock prefere utilizar o preto e branco por, além de ser melhor para os filmes de suspense, iria diminuir o impacto do sangue na famosa cena do chuveiro. O segundo caso também vai na mesma direção. Taxi Driver, de Martin Scorsese, teve a cena do tiroteio escurecida na pós-produção, também devido ao impacto que a cor do sangue exerceria na público. 

As cores dos cenários também servem para o mesmo intuito e quem ficar interessado pode ver o belíssimo "Gritos e Sussurros" de Ingmar Bergman, um verdadeiro estudo acerca da utilização das cores no cinema.


Na imagem "Gritos e Sussurros" de Ingmar Bergman.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O Cinema Sonoro

Durante o período do cinema mudo muitas foram as inovações estéticas e avanços da linguagem cinematográfica. Mas, sem aviso prévio, veio o cinema falado, e todos as conquistas promovidas pelos cineastas do cinema mudo foram postas de lado, e nenhuma grande inovação surgiu para o cinema, fora o próprio fato de passar a ser sonoro.

Passados oitenta anos desde este bum, não se tem visto nenhuma grande revolução, nenhuma grande teoria, ou nenhum grande trabalho que alie o som e as imagens, fazendo do cinema uma arte sonora a parte - algo que mostrasse que o cinema difere do teatro, por exemplo. As peças filmadas, no quesito sonoro, são iguais, ou muito parecidas, com àquelas vistas no teatro. Pouca importância é dada para os ruídos, o que realmente importa é o som que sai da boca dos atores. 

No período do cinema mudo, um filme era considerado perto da perfeição, ou uma obra de arte, pelo número de letreiros que ele apresentava ao decorrer da projeção. Quanto mais se tinha que explicar, mais se mostrava a incapacidade do diretor de demonstrar aquilo que queria através de imagens, logo, sua incapacidade de fazer cinema. Com o advento do cinema sonoro esta "regra" parece ter sido esquecida. O que realmente passa a importar é o texto (para provar o que digo cito o caso de um cineasta extremamente visual que era visto com maus olhos: Alfred Hitchcock). 

Ainda hoje, é muito comum serem vistas críticas de filmes que abordam, exclusivamente, o texto, o enredo. Um filme não deve ser julgado pela história, mas pela eficácia da história. Um filme não deveria ser apreciado por ser bem escrito, mas por ser bem filmado. "Quem quiser ver um belo texto que vá ao teatro!", podem dizer os mais radicais. Não sou totalmente contrário a esta ideia, mas é um fato. Se o cinema possui algo de diferente, por que não explorar esta diferença dele? Por que não fazer cinema ao invés de fazer um teatro filmado?

Na imagem F. W. Murnau.