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domingo, 15 de março de 2015

Viagem a Darjeeling de Wes Anderson (the Darjeeling limited, 2007)


Se o cinema de Wes Anderson parecia uma expedição a um universo adolescente, com sua cota especial para a exteriorização daquela imaginação fértil de um mundo perfeito que somente existe dentro da mente de seus personagens, desta vez em Viagem a Darjeenling Anderson se desfaz deste passado para poder ficar seus pés num mundo bem mais complexo. Enquanto Bottle Rocket Rushmore possuem personagens que parecem relutantes em deixar para trás seu imaginário juvenil, A vida marinha de Steve Zissou apresenta aquele personagem que busca o retorno de uma figura muito importante e que permanecera ausente durante sua juventude, seu pai que dá título ao filme. Já em Darjeeling existem três protagonistas em busca da mãe que deixou a família e perguntar o motivo pelo qual ela não tinha ido ao enterro do pai deles.

Wes Anderson dá assim a partida para um filme que já não mergulhará num acerto de contas com a juventude de nenhum dos personagens em tela, mas com seu momento de amadurecimento, o momento em que enxergam sua solidão. Os três irmãos encontram-se num trem na Índia e logo descobrimos que eles não se falavam há pouco mais de um ano. Não sabem exatamente o motivo do distanciamento. Mas este conflito logo será encerrado com esta viagem por um país exótico que os fará juntarem-se. União esta que é construída aos poucos durante o filme.


Para construir esta obra Anderson não se desfaz de seu arsenal estético-estilístico de narrar. Lá estão muitas das características de sua filmografia, e em especial os falsos raccords, que em Godard anunciam a urgência do registro (o filme artesanal, não industrial), certa dinamicidade que é aqui mantida, mas de um modo bem diferente por serem cuidadosamente calculados em que momento devem ser inseridos, ao contrário do que acontece na obra do francês. Este estilo de Anderson é tomado por muitos como sendo cansativo, de que ele se repetiria em todos os filmes. Mas trata-se de uma questão de perspectiva da obra. Vê-la como sendo igual certamente nos levará a tal conclusão. Mas outro modo de observá-la é ver como cada filme adiciona a seu catálogo novas temáticas, novas visões de mundo - o enriquecimento de um arsenal artístico. Se os primeiros filmes de Wes Anderson eram em certo sentido um acerto de contas com a infância/adolescência, Viajem a Darjeeling e também O grande Budapeste hotel são filmes que já escapam desta visão.

A ausência dos pais nas vidas desses três irmãos os faz acreditarem que estão sós, coisa que se acentua com o distanciamento que pautam entre eles. Com a viagem que decidem fazer, este distanciamento diminui, e eles podem enfim se reencontrar. Confiar uns nos outros e ver que, afinal, não estão sós. É muito curioso como a relação entre as músicas e esta narrativa se constrói. Em especial com a escolha de diversas músicas de um mesmo álbum do The Kinks, Lola vs. the powerman. Elas parecem se encaixar como uma luva na obra de Wes Anderson, com todos os significados que elas sugerem para colocar-nos a par do que acontece. "Estranhos nesta rua em que estamos/ nós não somos dois, somos um", diz uma das canções exatamente no funeral de um garoto indiano. O funeral é simbólico aos três personagens que ainda sentem e frequentemente falam de seu pai falecido. E é só neste segundo funeral que eles finalmente compreendem que necessitam um do outro. Esta compreensão não nos é posta por nenhuma fala dos personagens, mas pela música muito bem colocada no momento certo: o personagem de Owen Wilson ganha a confiança de seus irmãos para poder guardar seus passaportes todos juntos, lembrando a música citada.


É necessário que os três irmãos passem seu tempo juntos porque nunca se sabe quando o tigre surgirá e os levará. E é sintomático que aquele trem que os carregava nesta viagem de encontro espiritual os deixe exatamente no meio de um deserto onde encontrarão um rio em que três crianças sofrerão um acidente e uma delas se aforará. Sua viagem não poderia ser feita por completo dentro do conforto do trem, ela devia encontrar seus percalços, muito maiores do que o roubo de um dos sapatos dos irmãos numa feira. É necessário este novo embate com a morte, desta vez vendo-a de perto, para que possam compreender suas vidas e a relações que devem manter. Porque não devem se distanciar dos outros. A morte é algo natural que está em todos os lugares, e para que quando ela venha não fique o gosto amargo do ressentimento como ficou com a morte de seu pai, os três irmãos terão que se unir e permanecer juntos, dando suporte um ao outro, mesmo que fisicamente distantes. E com isto Wes Anderson fez aquele que talvez venha a ser o filme mais adulto de sua carreira, porque fala nele das perdas que o tempo nos impõe.

quarta-feira, 26 de março de 2014

A Vida Marinha com Steve Zissou de Wes Anderson (the life aquatic with Steve Zissou, 2004)


direção: Wes Anderson;
roteiro: Wes Anderson, Noah Baumbach;
direção de fotografia: Robert Yeoman;
estrelando: Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Anjelica Huston.

Há alguns meses atrás, depois de ter visto "Moonrise Kingdom" pela primeira vez, foi que tive vontade de visualizar a filmografia de Wes Anderson, cineasta de quem muito já ouvi falar, mas de cuja obra pouco conhecimento tenho. Já vi três de seus filmes ("Moonrise Kingdom", "Os Excêntricos Tenenbaums" e este que comento aqui), mas ainda não me sentia à vontade para comentar nenhum deles. Eis que aqui está o primeiro comentário acerca de um filme de um cineasta tão peculiar se levarmos em conta o ambiente do qual ele provém.

Sem dúvida existe uma marca no cinema de Wes Anderson. Uma marca que faz dele adorado por muitos e repelido por tantos outros. Devo admitir aqui também, que não me tornei seu admirador a partir da visualização do primeiro filme seu com o qual me deparei - aprendi a gostar de sua obra. Mas vamos ao que interessa, e aqui o que interessa é "A Vida Marinha com Steve Zissou". Esta marca presente em toda a filmografia de Anderson também se apresenta nesta película. No filme, Steve Zissou é um oceanógrafo-cineasta que vive de filmar suas aventuras pelos mares de todo o mundo.


Esta história é uma deixa para que o mundo de fantasia de um homem adulto possa ser apresentada na tela. "A Vida Marinha com Steve Zissou" se apresenta como se fosse uma obra de reminiscências, as reminiscências de um adulto de seus sonhos quando criança. Os sonhos de uma criança cinéfila quando assistia os documentários de Jacques-Yves Costeau e se imaginava vivendo aquelas aventuras. São estas aventuras imaginadas que se apresentam frente à câmera de Anderson. O sonho da criança que somente pode ser posto em um mundo "real" depois que esta criança já cresceu. E mesmo sendo um adulto sonhando como criança, o filme consegue passar o seu desejo aventureiro para o espectador com sucesso.

Assistir este filme é como retornar para a infância, enfrentar piratas armados e não levar nenhum tiro ao confrontá-los sozinho (eles são mais de vinte), bancar o herói quando seus amigos estão todos em perigo e sozinho resolver todos os problemas. Steve Zissou é esta encarnação do herói que toda criança queria ser - o homem que, mesmo já entrando na terceira idade, vive de aventuras. Ele é um herói sem superpoderes e sem grandes equipamentos para ajudá-lo a enfrentar seus problemas, mas que ainda assim é um herói.

Wes Anderson consegue criar esta ambiente imaginário infantil, e sem necessidade de fazer cenários reais para tal empreitada. Trata-se de uma grande brincadeira. Por isso os peixes são inventados e o cachorro que aparece no filme tem três patas. Steve Zissou brinca de fazer filmes como uma criança brinca de ser herói - um herói igual aquele que ele viu num filme e que quer imitar. É neste mundo paralelo, distante do mundo dos adultos, em que "A Vida Marinha com Steve Zissou" se apresenta. Tudo é muito exagerado, caricato, como um sonho infantil.