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segunda-feira, 3 de maio de 2021

10 filmes sobre cinefilia

 Em ocasião do lançamento de meu livro, A metafísica da cinefilia, onde busco compreender filosoficamente a cinefilia como uma emoção, trago aos leitores deste blog uma lista com 10 filmes sobre a cinefilia (para além de Cinema paradiso).

            O critério do que seria um filme sobre a cinefilia é apresentar personagens apaixonados pelo cinema em uma relação espectatorial contínua, ou seja, não encerrando em apenas uma cena de ida ao cinema. Descartamos igualmente os filmes sobre produção e filmagem, nosso interesse é particularmente por filmes focando a experiência do espectador (o que nos leva a não incluir alguns dos filmes dos cinéfilos da Nouvelle Vague).

            A lista procura ser o mais democrática possível, trazendo indicações que levantem a curiosidade do leitor, quiçá atiçando a assistir as obras desta lista. Convidamos também a abertura de sugestões nos comentários.

1.      Sherlock Jr., 1924, dir. Buster Keaton


Neste clássico de Buster Keaton, um jovem projecionista altamente sugestionável pelos filmes que assiste, tenta solucionar o mistério de quem haveria roubado o relógio de bolso do pai de sua namorada. Caindo no sono durante a projeção de um filme, o jovem se vê transportado para dentro da tela, transformando-se em personagem. Esta é uma das cenas mais fantásticas do cinema, utilizando diversos recursos técnicos para criar gags cômicas que levam a personagem de um cenário a outro num piscar de olhos, sem qualquer aviso prévio de mudança.

Filme de 1924, Sherlock Jr. (disponível no Youtube) apresenta como subtexto uma juventude que forma seu caráter assistindo a filmes, imitando os gestos das personagens da tela.


2.      Eu, você, e a garota que vai morrer, 2015, dir. Alfonso Gomes-Rejon

A cinefilia dos adolescentes de Eu, você e a garota que vai morrer reflete a de muita gente que vive em cidades do interior, sem acesso às salas de cinema. Ela se passa na sala de casa, assistindo filmes em DVD (ou Blu-ray, ou streaming, ou download) e vivendo no choque posterior que cada um desses filmes causa. Greg e seu amigo Earl assistem clássicos do cinema mundial, mais tarde fazendo vídeos parodiando estes mesmos filmes partindo apenas de um trocadilho engraçadinho.

São muitas as referências aos clássicos que todos cinéfilo já devem ter assistido ao menos uma vez ao longo da vida. O bonito desta obra é como ela demonstra o papel algo terapêutico do cinema em acomodar nossas crises pessoais, em mostrar também o papel agregador da cinefilia ao unir pessoas de inaptidão social.


3.      As poltronas do cine Alcazar, 1989, Luc Moullet

Feito por um cinéfilo profissional, ou seja, um crítico de cinema da mítica revista francesa Cahiers du cinema, este filme acompanha um crítico de cinema da mesma publicação assistindo sessões de filmes do cineasta italiano Vittorio Cottafavi. Um dia, ele nota a presença de uma mulher nas cadeiras do cinema, uma crítica para uma revista rival, a Positif.

Esta obra é como uma grande piada interna para um grupo seleto de cinéfilos conhecedores dos anos de ouro da cinefilia francesa dos anos 1950-60, quando autores como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, André Bazin, Éric Rohmer, escreviam para os Cahiers tendo como preferidos autores que eram menosprezados pelos críticos da Positif. Para além disso, ainda são dados alguns detalhes de como estes cinéfilos acompanhavam os filmes, buscando as cadeiras da primeira fila do cinema (reservada para as crianças) para ser o primeiro a receber as imagens.


4.      A rosa púrpura do Cairo, 1985, dir. Woody Allen

Sem dúvida uma das maiores obras de Woody Allen, A rosa púrpura do Cairo apresenta uma dona de casa que sofre com os abusos de seu marido, buscando refúgio nas fantasias da sala de cinema. Inspirado em peça de Luigi Pirandello, o filme apresenta Cecilia, que de tanto assistir ao mesmo filme já chegou a decorar as falas, o que desperta a curiosidade... dos personagens do filme! Então Tom Baxter, personagem da obra, transpõe os limites entre os dois mundos e salta para o outro lado da tela, passando a fazer parte do mundo de Cecilia.

Muito próximo do tema de Sherlock Jr., A rosa púrpura do Cairo imagina o aspecto escapista da fantasia, quando a espectadora imerge a tal ponto no mundo da ficção que já não consegue distinguir o real do não real. O processo de reconhecimento do real por parte de Cecilia é um dos momentos mais tocantes da filmografia de Woody Allen.


5.      Adeus, Dragon Inn, 2003, dir. Tsai Ming-Liang

Um gigantesco cinema de Taiwan está para fechar as portas. Como última sessão, exibem um filme de artes marciais antigo. São muitas as cadeiras vazias, preenchidas por personagens que parecem pouco se importar com o filme e mais uns com os outros. Adeus, Dragon Inn é um filme sobre a decadência do ir ao cinema, quando as salas fora de shoppings ou museus passam a ser frequentadas por figuras em busca de encontros sexuais.

Um filme silencioso, onde o olhar das personagens é o que mais fala, Dragon Inn tem apenas quatro falas ao final, quando o filme já encerrou, no devido respeito cinéfilo ao filme sendo exibido. Não surpreende que as falas sejam feitas por dois senhores acompanhando o filme com seus netos. Ao que parece, fizeram parte da produção daquele filme que vemos em partes quando a câmera se volta para a tela. É um filme de adeus, mas que pode também ser um novo começo – os avôs levando seus netos é a formação de novo público, renovando interesse pela arte do cinema.


6.      Close-up, 1990 / Shirin, 2008, dir. Abbas Kiarostami

Temos aqui dois filmes do mestre iraniano Abbas Kiarostami. O primeiro, Close-up, é um misto de documentário e ficção. Atraído pela história de um cinéfilo, Hossain Sabzian, que fingiu ser o cineasta Mohsen Makhmalbaf para convencer uma família de que eles iriam atuar em seu novo filme, Kiarostami vai até a prisão onde está o homem para entrevistá-lo e propor que façam um filme recontando a própria história. Para quem tem curiosidade de conhecer um cinema profundamente humanista, o primeiro passo é conhecer os filmes de Kiarostami e como ele filma suas personagens.

O segundo filme aqui apresentado é Shirin, uma obra bem diferente do tradicional. Kiarostami convida algumas das atrizes mais famosas do Irã para a sala de cinema que tem em sua casa. Elas assistirão a um filme contando uma antiga história persa a respeito de Shirin. Enquanto escutamos a história, tudo que Kiarostami nos oferece são as feições das atrizes, ou seja, das espectadoras assistindo a história daquela mulher numa tela que não vemos. O interesse volta-se da ação na tela para as emoções que surgem nos espectadores. Porque também nós construímos o nosso próprio filme a medida em que assistimos.


7.      Rebobine, por favor, 2008, dir. Michel Gondry

Filme de Michel Gondry (diretor de Brilho eterno de uma mente sem lembranças), guarda algumas semelhanças com Eu, você e a garota que vai morrer, ainda que não seja tão comovente quanto. Aqui, a cinefilia envolve o aluguel de filmes em VHS, e a sua eventual queda. De fato, o tempo de glória do VHS não foi duradouro. Quando a personagem de Jack Black inadvertidamente apaga todo o conteúdo dos filmes, ele e o atendente da locadora se veem obrigados a preencher o conteúdo das fitas. O que fazem é filmar ao seu próprio estilo, com os recursos disponíveis à mão, alguns dos filmes mais famosos dos anos 1980 – Robocop, Os Caça-fantasmas...


8.      Os sonhadores, 2003, dir. Bernardo Bertolucci

Bernardo Bertolucci relembra a cinefilia formada em torno da Cinemateca Francesa, responsável pela criação de muitos intelectuais. Iniciando com as manifestações contra a deposição de Henri Langlois de seu cargo de presidente da Cinemateca pelo governo De Gaulle, o filme mostra o papel do cinema no desenvolvimento intelectual da juventude, e a fomentação do sentimento de mudar os rumos da história. A obra acompanha não somente as manifestações em apoio a Langlois, como também o maior de 1968 na capital francesa.


9.      Pornográphico, 2008, dir. Paula Gomes, Haroldo Borges

Estava dividido entre Lisbela e o prisioneiro e Cine Holiúdi, quando a memória me trouxe esta pérola do curta-metragem brasileiro. Acompanhando um projecionista de cinema pornográfico, que noite após noite acompanha a chegada de homens em busca de sexo fácil e de prostitutas. Numa noite chuvosa, a única espectadora do cinema é uma deslumbrante prostituta num vestido vermelho, algo como uma aparição de algum filme que o projecionista teria assistido anos antes. Aproveitando a solidão da moça, ele aproveita e saca outra película que tem guardada em seu estoque: Cantando na chuva. A moça, surpresa, rasga um sorriso com a poesia do momento.


10.  Splendor, 1989, dir. Ettore Scola

Marcelo Mastroiani é dono de um cinema numa cidadezinha italiana, o Splendor. Como há muito tempo os espectadores dos filmes que traz para assistir não são suficientes para pagar as dívidas, ele se vê obrigado a vender o prédio para construção de uma loja de departamentos. Nesta obra, Ettore Scola passeia pela história do cinema na Itália, desde os tempos do cinema itinerante, montando uma tela em praça pública para exibir filmes silenciosos para comunidades de moradores em vilarejos, contando com a ajuda local para apagar os candeeiros das praças para diminuir a luz e ajudar na projeção. Vale ainda apontar para a presença da personagem Luigi, o ajudante do Splendor, cinéfilo que conhece tudo de cinema e tem nomes de filmes, estrelas e diretores na ponta da língua.


sábado, 12 de dezembro de 2015

Eu nasci, mas... (meninos de Tóquio) de Yasujiro Ozu (Umarete wa mita keredo, 1932)


A infância, para muitos autores de cinema, se constitui de um período de anarquia em que o sujeito em formação adota em seu comportamento atitudes que não são cabíveis dentro da sociedade em que se encontra inserido. A rebelião de Zero de conduta, de Jean Vigo, serve de exemplo a esta afirmação. As crianças são enquadradas, com o tempo, nos moldes sociais construídos pelos adultos, como se isso fosse o meio mais correto de convivência uns com os outros - sabemos pelo cotidiano que não é, ainda assim insistimos nesta fórmula por agradar alguns. Crescendo, aceitamos tais ditames por um misto de conformismo e comodidade - lutar contra tudo isso não é fácil. Vigo, em seu filme, põe as crianças para gritarem contra estes moldes sociais que lhes tiram a imaginação e a capacidade de serem pensantes para que se tornem somente parte do gado humano. Mas este é um lado bem próprio do pensamento anarquista famoso de Jean Vigo.

Por outro lado temos um filme como Eu nasci, mas..., de Yasujiro Ozu. O cineasta japonês não é um famoso anarquista. Muito pelo contrário, seu posicionamento político nunca ficou muito claro. Será que Ozu defendia alguma bandeira ideológica? É possível que sim. O que sabemos é que seus filmes apresentam sempre a transição na vida das pessoas. Como bem captura Wim Wenders em Tokyo-Ga, a imagem recorrente dos trens nos filmes de Ozu é esta metáfora. O trem é o que nos leva de um espaço a outro, o filme de um momento a outro da vida de um personagem. Neste Eu nasci, mas... temos uma obra ainda do período mudo do cineasta.


Dois irmãos, acompanhando o movimento dos pais, se mudam para Tóquio e chegam a uma nova vizinhança. As crianças da vizinhança já estão bem dispostos em um grupo hierárquico que toma como figura central um garoto brigão, que nem todos querem encarar por ser maior do que todos eles. Um dos dois irmãos, comendo um pão e brincando com um aparelho, tem seu primeiro contato com este grupo. Ameaça entrar numa briga com o garoto mandão, mas sai chorando assim que leva o primeiro golpe. Dá-se aquilo que parece ser o modelo mais primitivo de vida em sociedade: a violência. O mais forte é quem comanda, e os outros, por medo, obedecem.

O garoto chama seu irmão, não muito mais velho, não muito maior que ele, mas um tanto mais corajoso. O menino enfrenta o manda-chuva local, mas não vai muito mais longe do que isso. No dia seguinte, os dois recuam e não entram na escola ao ver, no pátio, o garoto que os ameaçou. Este medo que as crianças sentem deste garoto mais forte que estuda na mesma turma que eles fomenta uma admiração tardia. Na sala de aula, em meio a um ditado do professor, o manda-chuva quebra um ovo de pardal na mesa e come o seu conteúdo ainda cru. Os meninos fazem a sua caça na mesma tarde imaginando ser aquele o segredo que deixa o brigão, forte.


Os meninos pensam em seguir os seus passos. Seu pai lhes diz para serem importantes, e quando criança para ser importante é ser forte. É ter a capacidade de brigar com aquele garoto que os chama para briga e derrotá-lo. Mas eles somente conseguem tirar este garoto de lado quando surge um menino mais velho e maior que desfaz este comportamento do garoto brigão.

Estudam para tirar boas notas, e até fingem as boas notas para agradar os pais. Principalmente o pai que os acompanha por boa parte do caminho falando o quão bom aluno era, de como tirava sempre boas notas, e de como é importante estudar para se tornar alguém importante. Frente a esta propaganda, as crianças veem em seu pai uma figura impressionante. Mas, assim como nos mostra Ladrões de bicicleta, chega o dia fatídico em que encaramos nosso pai como ele realmente é, não como o ser perfeito que idealizamos em nossos primeiros anos, e sim enquanto o ser falho que ele realmente é. Numa exibição de um filme da companhia em que o pai trabalha, os meninos têm a grande revelação de que a fala de seu pai não queria dizer a verdade. Nas imagens projetadas na tela, os meninos veem que o pai é um puxa-saco dos chefes.


As crianças descobrem a grande injustiça da sociedade dividida em classes, e como é realmente estar por baixo. Viam-se por baixo do garoto mais forte, mas ainda assim alimentavam a ideia de poder estar por cima por meio dos estudos. O que escutam do pai lhes joga um balde de água fria. Mesmo que estudem, pode ser que não venham a ser alguém importante. Transformarem-se num simples funcionário como o pai é para o pai de um de seus amigos. É a primeira visão da criança do mundo em que vivem, e o viver um dia após o outro não é outra coisa senão o conformar.

O pai encontra no caminho da escola o chefe que também leva seu filho. Envergonhado, o pai para na estrada na tentativa de evitar o confronto com o homem. Os filhos, já tendo compreendido a situação do pai, insistem para que ele vá falar com o homem. As crianças pautam a sua relação com o menino filho do chefe. Com ele, tratam de manter a sua superioridade numa brincadeira que obriga seu parceiro a deitar no chão de terra. Mas enquanto criança, vai tudo bem, e assim eles se abraçam. A organização da vida em sociedade é injusta, pondo uns sobre os outros. A uma primeira visão o filme, Ozu pode nos parecer conformista, colocando os meninos filhos do empregado junto ao filho do patrão, quando na verdade ele foge daquele final de 1900, de Bertolucci. Ao invés de permanecer nesta luta eterna, por que não juntarem-se todos? Mais uma vez é por meio do olhar da criança que o cinema encontra a resposta para o mundo dos adultos. E teimamos em acreditar que é só coisa de criança.


Mas será que Ozu coloca este final em seu filme ou somos nós quem o inserimos no filme? Se analisarmo a mise-en-scène de Ozu, vemos um cineasta preocupado filmar determinadas personagens. A câmera fixa não invade o espaço de seus personagens, não insere naquela realidade uma visão bem perspectivista que nos provocaria a produção de uma conclusão fácil, como os filmes tese de Eisenstein. Ao manter sua câmera fixa, Ozu simplesmente diz à realidade para que ela se sobressaia de toda aquela encenação fictícia. Numa formulação mais filosófica, de que a duração do mundo seja desvelada pela câmera de filmar. Ao fim, o que podemos afirmar de seu filme é o retrato de uma passagem dentro da infância. Em Eu nasci, mas... não há o fim da infância, mas de uma fase da infância, um momento da infância em que o mundo é fantasiado. As crianças, assim como a câmera de Ozu, deixa de enxergar a fantasia para ver a realidade, mas com a esperança de que eles possam fazer diferente.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A Morte (La Commare Secca) de Bernardo Bertolucci (1962)


direção: Bernardo Bertolucci;
roteiro: Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Sergio Citti;
direção de fotografia: Giovanni Narzisi;
estrelando: Francesco Ruiu, Giancarlo De Rosa, Vincenzo Ciccora.

"A Morte" abre com uma ponte vista de baixo. Não vemos toda a extensão da ponte, nem os carros que passam sobre ela. De repente diversos pedaços de papel são lançados para o ar, descendo em direção à parte de baixo da ponte. Alguns destes papeis, picotados de revistas, ficam presos no concreto, outros no mato alto que se apresenta às margens do rio. Aqueles que conseguem manter sua caminhada nos revelam o corpo de uma mulher. Ela está deitada, virada para o chão, morta.


Assim como são necessários os pedaços de papel para fazer-nos enxergar o corpo da mulher morta debaixo da ponte, Bernardo Bertolucci necessita de alguns personagens para nos contarem o que aconteceu na noite anterior e assim chegar ao assassino da mulher. O diretor nos apresenta uma investigação, portanto. Em outros grandes filmes em que seguimos um personagem que nos conta a história, nada além daquilo que ele percebeu durante a ação nos é mostrado. Talvez possa ser neste ponto em que possamos enxergar uma falha, talvez proveniente da inexperiência do estreante (que antes deste filme não havia atuado como diretor nem mesmo em curta-metragem). Se a narrativa nos é guiada por alguém que dela participou, como podemos ter acesso à algo que ele não notou, que ele não viu? Será que a câmera de Bertolucci seria uma câmera que não teria qualquer participação nas ações, faria o simples trabalho de documentação dos fatos? Não parece ser este o ponto trabalhado pelo diretor, uma vez que a câmera está sempre a segui-los frente aos seus depoimentos ao investigador da polícia. 

Mas não podemos dizer que o trabalho é de todo ruim. Bertolucci sabe apresentar a história e sabe como filmá-la, por mais inadequada que possa parecer a forma como ele apresenta seus personagens. Aqui nós temos um cineasta que no auge de sua juventude e imaturidade frente ao seu estilo estético, se deixa levar pelas construções ideais de terceiros de como deveria ser feito um filme para que seja considerado um "filme de arte". A influência do cinema neorrealista é inegável, uma vez que o cineasta vai à periferia filmar estes personagens marginais (no sentido de serem personagens à margem da sociedade), em cenários reais, exibindo as mazelas que afligem seu povo. E para completar esta influência neorrealista temos os não-atores contratados para interpretarem os suspeitos.


Vale deixar aqui também o belo trabalho que Giovanni Narzisi, o fotógrafo do filme, faz ao lado de Bertolucci. São diversos os planos sequência que formam o filme, e todos eles acontecem debaixo de iluminação natural. A película é filmada com a câmera na mão que segue os personagens como se estes vivessem em uma guerra. A guerra do cotidiano. A guerra dos miseráveis em um país que lutava para sair de sua miséria causada por uma grande guerra. A guerra travada pelos mais pobres para poder sobreviver. E, como em toda guerra, alguém tem que morrer. Mas desta vez, o assassino terá que ser punido. É em busca desta punição que a câmera de Bertolucci e Narzisi corre atrás. E como a câmera consegue desnudar a verdade quando filma as pessoas, logo no interrogatório, antes que um dos interrogados nos conte sua história, já sabemos que é o culpado.

Trata-se de um ensaio de um grande artista em formação, de um artista em busca de uma visão própria acerca de seu veículo representativo.