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sábado, 13 de setembro de 2014

Charles Chaplin - Em Busca do Ouro (the gold rush, 1925)

Charles Chaplin entre a comédia e a tragédia

Se o personagem do vagabundo nos filmes de Charles Chaplin sofreu bastante, foi porque seu criador também sofreu. Mas todo este sofrimento não era visto da forma como poderia ser enxergada por grande parte das pessoas que por eles passam. Chaplin reverteu este sofrimento em um poço de criatividade de onde poderia retirar um sorriso. A tristeza das situações impressas na película de um filme do comediante não vai além do riso em frente à condição miserável de nossas vidas. Porque para sobreviver nós temos que comer, para que possamos comer na sociedade atual temos que ter dinheiro, então os ricos se fartam enquanto os mais pobres passam fome. Temos que trabalhar para poder sobreviver. Neste quesito, em Vida de cachorro (a dog's life, 1918) Chaplin leva este sonho para um extremo. O vagabundo e sua paixão vão morar em uma fazendo própria em que podem comer do fruto de seu próprio trabalho, não precisam comprar a comida.

Chaplin, que durante sua infância turbulenta passou fome, sabe como poucos transportar este sentimento para tela. É a falta de algo essencial para a vida e do qual de repente ele se vê privado. Mas em mente tenho Em busca do ouro, um filme que está no limite entre as experiências reais do seu autor e das histórias que ele escutara. A cena em que o Vagabundo está numa cabana no meio de uma tempestade de neve, preso com outro minerador, e ambos estão com fome é um exemplo desta frágil separação entre a comédia e a tragédia com a qual Chaplin tão bem sabia trabalhar. Eles estão com fome e podem vir a morrer se não comer. Então o Big Jim começa a enxergar seu companheiro como uma galinha. E irá comê-lo. O que ninguém poderia imaginar que renderia uma situação cômica, se transforma em uma comédia que até hoje faz plateias gargalharem. O mais interessante é saber que o diretor tomou esta ideia de uma tragédia que ocorreu com mineradores que ficaram presos em uma montanha. Ele conseguiu ver o riso nas lágrimas. - Retomo aqui, para título de comparação, a sequência do sonho em Os esquecidos (los olvidados, 1950) de Luis Buñuel. É uma cena que, assim como a citada, trata a fome de forma onírica. Durante um sonho, um dos garotos retratados no filme se vê de volta a sua casa com sua mãe recebendo-o de braços abertos e dando-lhe comida. Ele está com fome e esta fome o atormenta até mesmo em seus sonhos.

Para continuarmos esta separação entre a comédia a tragédia nos filmes de Chaplin nos lembremos da cena da tempestade que assola a cabana em que o Vagabundo se encontra. O vento e o gelo efetuam diversas agressões a cabana a ponto de vermos as madeiras que servem de parede se curvarem com a força do vento. É um exagero que leva à comicidade. Mas um mesmo exagero é empregado em outro filme, mas que desta vez serve como ponto decisivo para a criação do drama da personagem. O filme é Vento e areia de Victor Sjostrom com Lilian Gish (the wind, 1928) que se passa em uma localidade no meio do deserto em que o vento está sempre a soprar de forma agressiva, como se quisesse expulsar os homens daquele lugar. Neste aspecto se assemelha à composição chapliniana, mas o tom dado a esta tempestade constante não é o de comicidade, mas o de desespero. Ficamos desesperados e atordoados junto com a protagonista devido a todo aquele vento que levanta a areia do deserto. O vento está sempre batendo nas paredes de seu casebre, quebrando janelas, desenterrando corpos do chão...

Um terceiro ponto que poderíamos fazer entre a comédia chapliniana e o suspense hithcockiano. Logo no início do filme temos o Vagabundo caminhando pela beirada de um precipício e seguido de perto por um urso que está à espreita. É o exemplo típico do que seria uma cena de suspense em um filme de Alfred Hitchcock. O espectador sabe o que vem, o perigo pelo qual está passando seu querido herói, e quer preveni-lo, mas não pode. No caso do filme de Chaplin, ninguém terá esta reação de prevenir o Vagabundo do risco que ele corre porque todos nós queremos ver o que poderá acontecer caso o urso o pegue, qual seria sua reação. Mas no caso de um filme de Hitchcock, este urso representaria um real risco para a vida de seu personagem e por isso nós, espectadores, teríamos uma reação completamente diferente.

O que podemos tirar de tudo isso? Que Chaplin é um sujeito sem coração que ri do que não deveria ser engraçado? Muito pelo contrário! É a habilidade de um artista de poder enxergar o mundo e ver nele beleza, mesmo naquelas situações em que ninguém poderia imaginar que existiria qualquer sinal de beleza. Este é um dos aspectos mais encantadores da filmografia de Charles Chaplin, esta oscilação entre o riso e as lágrimas, entre a alegria e a tristeza. Porque, mesmo fazendo da tragédia uma comédia, Chaplin ainda sabia fazer seus espectadores chorarem, o que mostra que ele sabia muito bem até onde poderia ir para provocar o riso e até onde ir para provocar o choro. Um verdadeiro artista, portanto.

Publicado originalmente no Jornal Fuxico - UEFS.

sábado, 28 de dezembro de 2013

O Nascimento do Cinema



Em 28 de dezembro de 1895 era realizado, no porão de um café em Paris, pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, a primeira exibição de um filme. Na verdade de um conjunto de filmes. Os famosos Irmãos Lumière eram donos de uma fábrica de celuloide para câmeras fotográficas, e foi partindo daí que os dois desenvolveram a máquina que viria a se tornar a marca do século XX, espantando e apaixonando pessoas de todo o mundo. Inicialmente, os Lumière tinham sua invenção como algo que serviria à ciência e não ao entretenimento. A invenção dos irmãos de Lyon chegaria em solo brasileiro seis meses depois, sendo que a primeira filmagem do Brasil apresentava a chegada do cinematógrafo da cidade de Rio de Janeiro (ao que tudo indica, esta gravação mítica está perdida).

Georges Meliès, ilusionista profissional, descobre a invenção dos Lumière e logo consegue uma para si. Seus objetivos são muito diferentes daqueles tidos pelos irmão inventores, uma vez que Meliès é um homem do espetáculo, do entretenimento; ele passa a utilizar a criação para contar histórias. Não muito tempo depois do surgimento do cinema, começam a surgir os primeiros estúdios de cinema. Certo dia, filmando uma rua com alguns de seus assistentes (de seu estúdio recém inaugurado), Meliès descobre a maravilha que pode ser proporcionada por um corte. Um de seus assistentes a filmar, para por um momento e, logo em seguida, retoma a gravação. Quando projetado, o filme apresentava um carro desaparecendo em frente à câmera (infelizmente, este é outro filme perdido). 


Um mundo de fantasia extraordinário seria desenvolvido graças a este descuido de um dos operadores de câmera que trabalhavam ao lado de Meliès. A partir de uma técnica simples, a interrupção da filmagem e depois a retomada da gravação, o cineasta francês pôde contar as mais diversas histórias que não seriam possíveis de serem apresentadas em lugar algum além do cinema. Foi assim que Meliès apresentou ao mundo o diabo, que atormentando alguns jovenzinhos, se teletransportava, deixando apenas uma coluna de fumaça no lugar em que estava. Assim também ele pôde filmar os moradores da lua que, ao serem tocados, explodiam no ar.

O acaso também estava presente na vida dos irmãos criadores do cinema. Relutantes de início a fazer filmes como Meliès, os Lumière se contentavam em filmar cenas do cotidiano (esta visão dos Lumière seria mais tarde abraçada e teorizada por Dziga Vertov): os operários saindo da fábrica, o trem chegando à estação... e foi numa destas filmagens que outra técnica muito famosa nasceu: o travelling. Um assistente dos Lumière, ao filmar os casarões de Veneza em uma gondola desenvolveu aquele famoso movimento em que a câmera passeia pelo cenário saindo do lugar em que inicialmente estava. Mais tarde, os Lumière também passariam a gravar filmes de ficção.


Ao contrário do que normalmente é dito, a narrativa cinematográfica foi criada por Edwin Porter. Porter é o criador daquele que talvez seja o primeiro faroeste do cinema. Com a narrativa cinematográfica poderíamos contar uma história saindo de um cenário para outro, mantendo a continuidade da história. Exemplo disso é o filme em que um grupo de bombeiros chega a uma casa pegando fogo para resgatar as pessoas que ficaram presas à casa em chamas. O filme se estrutura da seguinte maneira: 1) é mostrado o fogo do lado de fora da casa; 2) o morador, dentro do quarto, se desespera quando vê que a casa está pegando fogo e desmaia; 3) os bombeiros chegam, abrem as torneiras, colocam uma escada em direção à uma janela no primeiro andar enquanto outros entram pela porta da frente; 4) um bombeiro entra no quarto em que o morador havia desmaiado, quebra a janela; 5) o bombeiro sai pela janela e desce as escadas com o morador desmaiado nos braços.

Todos estes quatro pioneiros não conseguiram prosperar no cinema. Meliès, por exemplo, teve que vender seus filmes para que fossem derretidos e virassem sola de sapato durante a I guerra mundial, já que seus filmes não mais lhe davam qualquer retorno financeiro. Os quatro morreram no esquecimento, sem dinheiro e sem reconhecimento. O reconhecimento lhes surgiu tardiamente, e hoje lhes é dado com o crescimento do estudo do cinema - que somente foi ser tido como disciplina na França na década de 1950, e aqui no Brasil em 1960.

Neste dia em que o cinema faz aniversário, pensar suas origens o faz mantê-lo vivo.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Neorrealismo Italiano


Muito se fala sobre as características sociais presentes no cinema neorrealista italiano, servindo em diversas ocasiões como definição do movimento. Mas enquanto arte, necessita-se de uma definição estética para que o movimento possa ser considerado um movimento artístico. É partindo desta necessidade de busca de uma
 característica que estivesse presente em todos os filmes do movimento, que se encontra o caráter realista dos planos sequência. Quando nota-se o poder do plano-sequência (unido à liberdade da câmera na mão), nota-se também seu grande valor artístico, o poder que trás à obra. Nele está presente uma veracidade perante dos fatos que parece velada quando outros planos nos são apresentados. Eles possuem um caráter documental. Parecem mais reais para o espectador porque com eles o cinema já não parece tão distante, afinal de contas nossas vidas são vividas em longos planos sequência. Assim como o olhar do indivíduo - que anda por sua cidade e, por mais que tente, não pode deixar de notar o movimento ao seu redor - funciona a câmera neorrealista. Daí surge a afirmação de Deleuze em Imagem-Tempo: "o real não era representado ou reproduzido, mas 'visado'". 


Mas não tão somente de planos-sequência são feitos os filmes neorrealistas. Exemplo disto é "A Estrada da Vida", de Federico Fellini, que não possui muitos planos-sequência, mas que tem esta realidade visada em cada plano. O poder do filme reside em outra técnica muito conhecida, o travelling. Em diversas cenas a câmera mostra a relação entre Gelsomina e Zampano, as agressões que ele inflige a ela, e ao fim das cenas temos o olhar triste de Giulietta Masina (intérprete de Gelsomina) a olhar para Anthony Quinn - sempre fora de quadro - enquanto a câmera se aproxima dela, trazendo neste movimento a afeição do espectador pela protagonista sofredora do filme.
O mesmo pode ser dito da grandiosa cena que mostrou para o mundo o poder de Anna Magnani, de Roberto Rossellini e deste novo cinema italiano, quando o marido de Pina (Magnani) é levado preso por uma tropa da Alemanha Nazista e Anna Magnani passa a corre atrás do carro em que está a levando seu marido e de repente ela é asssassinada na frente de seu marido, seu filho e seus amigos, no meio da rua, caindo no chão enquanto corre. Esta cena é feita com diversos cortes que fazem com que o poder da cena cresça enquanto a ação ocorre.