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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Olney São Paulo

 Considerações sobre a trajetória artística do cineasta baiano

Aproveito a ocasião dos 85 anos de nascimento para fazer uma homenagem ao cineasta Olney São Paulo. Conheço a personagem deste artigo de memória contada, sobrinho que sou do realizador que não cheguei a conhecer. Seu nome sempre esteve presente em meu lar, especialmente quando o cinema ou a história recente do Brasil entravam em questão. O cinema, porque esta foi uma descoberta caseira para mim, sendo introduzido aos clássicos em VHS, depois em DVD, na ausência de uma sala de cinema que mostrasse tais filmes. Os gostos de Olney não passavam batido nas minhas sessões com meu pai, especialmente quando entravam em cena os filmes de faroeste. Difícil para Olney não se identificar com os cenários áridos dos desertos do oeste estadunidense sendo ele próprio filho da caatinga.

Já o lado história do Brasil remete a episódios dolorosos de serem lembrados por quem viveu, recuperados pela lembrança com um misto de indignação e raiva. Isto porque o sertanejo, que deixou o interior para trás querendo encontrar no Rio de Janeiro lugar mais favorável para suas aspirações, viu-se engolido pelo vórtice da crueldade política vigente na época. Seguindo os passos retirantes de gente como Glauber Rocha – que em Revolução do cinema novo dedica um belo capítulo a Olney, chamando-o de “martyr” do cinema brasileiro – e integrando o flanco dos cineastas baianos na cidade maravilhosa, Olney se viu no meio de um processo político-criminoso tão comum à ditadura instaurada em 1964.

Portanto, não se assuste o leitor se estranhar o nome deste realizador baiano, se não conhecer a sua história ou o filme acerca do qual nos deteremos nos parágrafos vindouros. O silêncio em torno da memória do velho baiano foi orquestrado pela malignidade que vilaniza nordestinos e queima filmes.

 

Olney, cineasta

O mais velho de sete irmãos, nascido em 7 de agosto de 1936 na cidade de Riachão do Jacuípe, Olney se mudou com a família ainda criança para Feira de Santana para dar continuidade aos estudos. À época, Feira de Santana tinha o privilégio de abrigar diversas salas de cinema.  Foi em Feira que se deu o encantamento do jovem pela mais faceira das artes.

Um evento particular e curioso aconteceu quando Olney era ainda adolescente e que marcou toda sua vida. Desembarcou em Feira a equipe de Alex Viany para gravar um episódio de Rosa dos Ventos. O filme tinha produção alemã, contando com realizadores de diferentes países assinando cada um dos episódios. O episódio brasileiro era estrelado. Para além do já famoso crítico Alex Viany, protagonizava o episódio Vanja Orico (saída do sucesso O cangaceiro) e assinava o roteiro Jorge Amado. Curioso com as artes, Olney assistiu às filmagens, conseguindo até os dados de Viany e Jorge Amado para troca de cartas.

Depois desse episódio singular, não teve mais jeito. Montou grupos de teatro amador, abriu revistas, até programa na rádio para falar de cinema. Quando, em 1955, um amigo apareceu com uma máquina de filmar 16mm, lá foi Olney experimentar o ofício de direção. Na ausência de recursos para montar a película, decidiram que o filme seria filmado na ordem dos eventos, parando o filme dentro da máquina. Filmavam uma cena, paravam, voltavam a filmar, sem a possibilidade de erros ou de fazer de novo. A obra foi Um crime na rua, reencontrada recentemente por Henrique Dantas em meio às pesquisas para seus filmes sobre o cinema de Olney, Sinais de cinza e Ser tão cinzento.

Da empreitada amadora passou para o cinema profissional, com estilo firme influenciado pelo cinema novo, em particular pelos filmes de Nelson Pereira dos Santos. De Um crime na rua para Grito da terra foram 9 anos. Baseado no romance Caatinga, de Ciro de Carvalho Leite, Grito da terra é um longa-metragem de ficção que lida com temas como a alfabetização do povo sertanejo e a reforma agrária. Em seu elenco, Helena Ignez, Lucy Carvalho e Lídio Silva.

Foi um pontapé de luxo para uma carreira de 14 filmes, ao todo, dentre longas e curtas, ficção e documentário. Mas no meio de uma história sobre um sertanejo curioso e criativo, desejoso de fazer parte de uma arte cara, burguesa, para falar de seu povo, veio o golpe militar. Junto com o golpe, o AI-5, que levou Olney à prisão e resultou na destruição de um de seus filmes, Manhã cinzenta. Este processo singular na história do cinema brasileiro, em que um cineasta foi acusado pela produção de um filme com as cópias de sua obra destruídas, precisa ser melhor documentado e lembrado para que reconheçamos as fragilidades do cinema em meio a golpes contra a democracia e a ascensão do fascismo institucional.

 

Olney e o processo Manhã cinzenta

Olney São Paulo era funcionário do Banco do Brasil. Logo após o lançamento de Grito da terra, consegue transferência para trabalhar no Rio de Janeiro, assim ficando mais próximo de toda movimentação do cinema à época. Já estabelecido no Rio, começa a produção de seu segundo filme Manhã cinzenta. Baseado no conto de mesmo título que abre sua coletânea A antevéspera e o canto do sol, publicada em 1966, o filme acompanha um grupo de estudantes que tentam manter viva a chama da luta contra uma ditadura sanguinária. Nesta distopia, os estudantes presos são interrogados por um robô que serve de juiz, após serem vítimas de tortura no cárcere.

O filme foi realizado ao longo do ano de 1968, sendo finalizado em 1969. Antes de submeter a película à censura, Olney exportou cópias do filme, que foi exibido em festivais no Chile, na Alemanha, na Itália, e na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.

Em 1969, um avião com o embaixador dos EUA no Brasil foi desviado para Cuba. Dentre os guerrilheiros presentes no sequestro estava o coordenador de um cineclube carioca que poucas semanas antes havia pedido a Olney uma cópia de Manhã cinzenta. Em seu recente Nas asas da Pan Am, Silvio Tendler relembra o caso (sem mencionar Olney, uma falha no documentário), sendo ele amigo do guerrilheiro e procurado pelos militares durante a investigação. Olney não teve tanta sorte quanto Tendler. Acusaram-no de ter participado do sequestro, uma vez que seu filme teria sido, supostamente, exibido a bordo.

À altura do incidente, Olney encontrava-se no Chile fazendo uma exibição de Manhã cinzenta. Quando voltou descobriu que seu nome estava envolvido com um caso estranho. Apresentou-se às autoridades para prestar depoimento de livre e espontânea vontade, lá dizendo que não teve relação com o sequestro. Após uma primeira audição, foi liberado pelas autoridades, que ainda suspeitavam de sua viagem ao Chile durante a mesma data. Quando retornou para a segunda data marcada, ficou detido e levado para local ignorado. Ficou incomunicável, deixando sua esposa com três filhos dependendo de ajuda de amigos para manter-se ao longo dos dias de desaparecimento.

Antes de sua volta ao Chile, as autoridades da ditadura já haviam visitado os laboratórios onde se encontravam cópias de Manhã cinzenta, assim como as cinematecas, para apreensão do material. Com Olney detido, antes de sua partida para local ignorado, escoltaram-no até sua residência e apreenderam mais material, tratado como bandido perante seus filhos, num episódio que deixou marcas em suas memórias.

Na cadeia, Olney foi barbaramente torturado para que informasse outros nomes que teriam participação no sequestro do avião. Vendo que Olney era “apenas” cineasta, forçaram-no a dizer nomes para que a culpa da delação persistisse. Como relatou José Carlos Avellar, que trabalhou como fotógrafo de Manhã cinzenta, a Henrique Dantas em Sinais de cinza, Olney carregava a culpa de ter dito os nomes de seus companheiros de equipe. “Mas os nomes estão todos no filme”, teria replicado Avellar. De toda forma, faz parte do processo perenizar a barbárie em quem a sofre.

Uma cópia sobrevivente do filme, que ficou depois sob a posse de Olney em exibições clandestinas, foi fruto da esperteza do curador da cinemateca do MAM, prestando um grande serviço à memória cinematográfica nacional. Sabendo do interesse dos militares em caçar o filme em questão, trocou a película de lata, permitindo a Manhã cinzenta ganhar sobrevida.

Olney deixa a prisão depois de 12 dias e é internado num hospital. Debilitado, sofre dos pulmões, uma agrura que viria a ser a causa de seu falecimento em 1978.

Ângela José, biógrafa de Olney, parelha o seu julgamento com o processo de Joseph K., no famoso livro de Kafka. Se Olney foi inicialmente preso por um suposto envolvimento com o sequestro do avião, os autos do processo envolvendo Manhã cinzenta mostram a acusação a um realizador por ter feito um filme profundamente subversivo. Olney é obrigado a defender sua obra e a justificar o fato de não ter passado pela censura antes de ter enviado cópias para o exterior. Aponta que as imagens de prisões em processos foram conseguidas junto à TV Globo, e discursa que o filme tem uma vertente comercial e surreal ao utilizar músicas de rock e se valer de um robô.

A penitência duraria até 1971, quando finalmente o tribunal viria a absolvê-lo. O promotor do caso pediu novo julgamento, o que somente seria negado em 1972, quando o caso foi finalmente arquivado. Durante todo esse período, Olney temeu pelo retorno ao cárcere. Seus anos seguintes foram de ativa produção cinematográfica, dedicando-se ao documentário, mas ainda sofrendo com os gritos de seu período de prisão.

 

Manhã cinzenta

Os créditos de abertura mostram uma manhã de céu fechado, as pessoas levando sua vida como mais um dia. Os galopes da história vêm silenciosos, nos lembra Walter Benjamin. Por cima dessas imagens, pulsa o fervor de uma missa crioula, concedendo ao princípio do filme um tom algo épico, ou surreal. Estamos a adentrar num universo diferente, em outra realidade?

O fim dos créditos é marcado pela abrupta mudança de som da missa para o de um rock distorcido, saindo de um rádio. Encontramo-nos numa sala de aula. Uma jovem de cabelos longos, saia acima dos joelhos, dança perante uma comunhão de estudantes sentados prostrados em suas carteiras. A montagem alterna entre a dança da garota e a apatia dos jovens. Alguns deles parecem ser mobilizados pela atitude da garota, ainda que timidamente: batem mãos sobre livros ao ritmo da música e mexem os pés sob as mesas. Ninguém se levanta, ninguém se junta à garota.

Da sala de aula congelada, somos lançados ao futuro. A garota que dançava perante seus companheiros está num estilizado carro de polícia. São prisioneiros. Estamos num país totalitário que prende opositores políticos. A montagem salta do recito (discurso) ficcional para a emulação de um cinejornal em que se noticia uma manifestação de estudantes marcada para dia próximo, segue-se um discurso inflamado. Tal como acontece com Cidadão Kane, há uma construção rítmica em Manhã cinzenta que muito se beneficia da continuidade do som, criando o gancho entre situações discrepantes, entre diferentes eventos, fazendo a conexão entre imagens de cunho documental e outras trabalhadas pelos atores.

Numa união dos dois polos, documental e ficcional, o casal líder estudantil aparece em meio a uma manifestação real, caminhando em meio ao agrupamento. Em certo momento, o namorado sobe a um elevado e começa a simular um discurso. Alternam-se as imagens em que aparecem o casal do filme, imagens de jovens com paus e pedras quebrando carros, de carros incendiados. Na rapidez dinâmica das imagens, vemos estudantes sendo presos, levados até carros da polícia.

A montagem de Manhã cinzenta é acelerada. Como qualquer pesquisador que se detiver por algum tempo lendo a respeito do filme descobrirá, o termo cunhado por Glauber é o mais recorrente para descrevê-la: montagem caleidoscópica. Sua linha do tempo não obedece ao ditame de princípio, meio e fim. Nas idas e vindas vemos imagens ficcionais e imagens documentais se unindo numa história sobre o governo ditatorial de uma terra sem nome. Os estudantes discutem a resistência ao mesmo tempo em que tentam se sacudir da própria apatia. Atuam, mas terminam presos em seu levante contra a autoridade imposta. São julgados por um cérebro eletrônico que possui os discursos do jovem líder estudantil gravados. Não sendo um julgamento justo, o robô compartimenta até mesmo a imagem do que acontecerá, do porvir, com a execução do casal rebelde.

“Progresso” é uma palavra recorrente ao imaginário político brasileiro, vinda a serviço de interesses particulares e não coletivos. A presença do robô na cena do julgamento confere à película ares de ficção-científica. A máquina seria um cérebro avançado, desprovido de preconceitos, mas não é. Vemos ao longo do julgamento a manipulação da máquina para conferir a sentença quista pela acusação. Num de seus melhores momentos, a máquina evoca uma imagem do professor (Lídio Silva) de Grito da terra. O professor alfabetiza os camponeses, aqui aparecendo sob uma fala da garota para seus julgadores. O método de Paulo Freire, sugerido pela garota, é visto como subversivo pelos acusadores. “Sinais chineses, excelência, sinais chineses”, diz um dos fardados ali presente.

Durante o julgamento mostram-se muito fortes os arquétipos criados por Olney para suas personagens, em especial para o casal protagonista. O militar que os prende, e mais tarde participa de seu julgamento, é um aparente defensor da racionalidade, ao mesmo tempo em que diz que “o povo nunca soube pensar”, assim se pondo contra o projeto de alfabetização das massas levantado pela garota. O rapaz líder estudantil é o intelectual, aparece lendo o parágrafo final de A peste, de Camus, em voz alta, e é ele quem discursa nas manifestações. Mas carrega um profundo sentimento de descontentamento, de que sua luta não vingará. Na reunião da sala de aula, ele diz que “todos traíram a si mesmos”. Visto como cérebro das operações, ele sofre a tortura mais severa antes do julgamento, e durante todo seu decorrer permanece prostrado, olhos fechados, sem conseguir permanecer sentado em sua cadeira.

Por outro lado, há a garota que dança. É ela quem conclama para ação. “É preciso fazer alguma coisa”, ela diz para seu parceiro. Durante o julgamento, ela senta provocativamente, colocando uma perna mais alta na cadeira, com cara de desdém contra seus julgadores, respondendo às suas colocações. Ela dança numa tentativa de atiçar os seus companheiros a permanecer de pé. Quando posta contra o paredão para ser fuzilada, novamente ela dança, atordoando seus executores. Morta, o filme volta a vê-la dançar, porque ela será encontrada de pé. Mesmo morta, ela continua de pé.

 

Olney após Manhã cinzenta

Durante o processo judicial de Manhã cinzenta, Olney foi aposentado por invalidez de seu trabalho no Banco do Brasil. O que inicialmente foi recebido como mais um golpe e mais uma vergonha, mais tarde se mostrou como a possibilidade de dedicar seu tempo integral ao cinema. É desse período que nasce a sua fase mais prolífica que inclui a filmagem do longa-metragem O forte, baseado em obra de Adonias Filho, e alguns de seus curtas mais marcantes, dentre eles o belíssimo Sob ditame de rude almajesto: sinais de chuva.

Assim como a garota que dança de Manhã cinzenta, a tentativa da ditadura de impor silêncio a Olney não funcionou. Filmou até mesmo o retorno do político Francisco Pinto, que teve mandato cassado em 1964 quando era prefeito de Feira de Santana. Tinha projetos mais ousados que nunca chegaram a ser gravados, como a revolta dos alfaiates e uma cinebiografia do dissidente Lucas da Feira, uma figura cercada de controvérsias na região de Feira de Santana.

Faleceu no Rio de Janeiro, aos 41 anos, ainda planejando filmes com cada um de seus amigos que iam visitá-lo.

Texto originalmente publicado no site A Terra é Redonda.



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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Seria Cidadão Kane um filme ambíguo?


Bazin defende em alguns textos – em especial A evolução da linguagem cinematográfica – um cinema que mantenha a ambiguidade do mundo. Dentre os filmes que escolhe para a fazer a defesa de sua teoria está Cidadão Kane. Mas seria o debute de Orson Welles um filme ambíguo? Afinal de contas ele não nos apresenta o significado de rosebud ao final, desvendando o mistério que faz os personagens seguirem sua jornada? De fato, Cidadão Kane parece um filme objetivo, num primeiro olhar. Mas ele nunca seria CIDADÃO KANE se se esgotasse na investigação em torno do significado de rosebud, a palavra dita por Charles Foster Kane em seu ultimo momento de vida.

Vejamos a primeira cena do filme. Vemos uma placa que nos diz para não trespassar as grades que cercam Xanadu, e ainda assim conseguimos entrar. Note que neste momento surge quase no centro da tela uma janela iluminada. É por trás desta janela em que está o magnata das comunicações em seus derradeiros momentos. Esta janela persiste na tela no mesmo ponto durante toda a cena, apesar de a câmera trocar de posição ao longo da cena, e mostrar diferentes localidades da enorme propriedade de Kane. E destes diversos lugares se pode ver a janela iluminada que permanece num mesmo ponto da tela. Esta cena é um resumo do filme que se apresentará a seguir. Temos diferentes posicionamentos sobre um homem cuja imagem nunca será desvelada – tal como não sabemos o que há dentro da janela até que a câmera possa aproximar-se dela.


E é assim que se faz Cidadão Kane, constituído de diferentes narrações sobre um mesmo homem na tentativa de desvendar um mistério que o cerca, uma lembrança que tomou conta de sua mente em seu momento de morte. Tudo o que os personagens farão na trama que se desenrola é apresentar Kane a partir de suas perspectivas. Porque tudo o que conhecemos das pessoas com quem convivemos é aquela breve imagem externa que elas nos concedem. E assim será o Magnum opus wellesiano. Um filme que põe um mistério como carro de frente que não define o resto do desfile. Rosebud poderia ser tido como aquilo que Hitchcock define como sendo o macguffin. Segundo a gramática do mestre do suspense o macguffin é um artifício que faz os personagens seguirem em frente na trama, mas que não é o grande interesse do espectador. Na verdade, o espectador se interessa, sim, por rosebud, mas não é este o problema que norteia o filme de Welles – e daí sua escolha estética para este filme.

A trama será apresentada por diversos personagens entrevistados por um grupo de jornalistas contratados para fazer um retrato de Kane. O que Welles faz é o mesmo que os jornalistas: é uma tentativa de montar um retrato de Kane para o espectador que o desconhecia por completo até antes do filme e que agora quer descobrir tudo sobre aquele personagem. Mais do que conhecer o que é rosebud está o problema de conhecer o sujeito que o disse e o motivo que o levaria a ter esta como ultima imagem de sua vida. Cidadão Kane torna-se, assim, um filme sobre como fazer um discurso sobre um homem que já não pode mais desvendar os mistérios de sua vida que se apresentam para os outros. O que resta é uma coletânea de memórias dos outros que podem servir para fazer uma imagem genérica deste sujeito – e que não se assemelhará com a rela.


Aí se põe o grande embate estético de Cidadão Kane e de pensa-lo como um filme ambíguo: se invadimos, com a ajuda da câmera cinematográfica, a mente dos personagens, porque filmar as cenas de modo realista e não adotando a perspectiva de quem conta a história? Poderíamos pensar que seria no intuito de tentar se desvencilhar da memória dos personagens que nada teriam para acrescentar àquele documentário jornalístico-biográfico apresentado no início do filme. O fato é que seguir a perspectiva de tais personagens, por mais que não podemos nos desvencilhar daquilo que eles nos narram, não nos ajudaria na construção subjetiva de um personagem como Kane porque estaríamos presos na imagem criada por tal personagem. Grande parte dos personagens acha Kane um crápula e seria esta a imagem que teríamos dele ao final.

A ambiguidade de Cidadão Kane residiria neste mistério do personagem que não está vivo para poder contar sua história e nos solucionar os mistérios envolvendo sua vida. Daí está o fato de nenhum dos personagens saber o que é rosebud e necessitarmos da câmera imparcial para nos mostrar o significado da misteriosa palavra. Os personagens nos contam a sua versão da história e a câmera de Welles não a aceita por completo, apesar de não poder ir muito além do que eles nos dizem – e em determinado momento do filme ficamos muito próximos de rosebud e nem desconfiamos. Não podemos fazer um discurso real sobre um personagem que não está vivo para poder contar a sua versão da história, dar as significações de determinadas ações suas. Estes espaços em branco ficam por parte do espectador de tapar com seu próprio questionamento acerca do filme. 

sábado, 11 de outubro de 2014

De Kane ao 3D - as revoluções do cinema


O ano é 2009. Surge o boca a boca sobre um filme. Torna-se um dos assuntos mais comentados do ano. Avatar é vendido como sendo uma grande novidade. Revolucionará o cinema. Trará de volta as plateias que se contentaram a assistir filme na tevê. Muita gente compra esta novidade. Eu sou um deles. Admito que não comprei a ideia a ponto de me deslocar à sala de cinema para assistir ao tão falado filme. Espero e compro o DVD. Me desaponto. Não mais do que o desapontamento que tenho hoje quando me lembro das esperanças que nutri naquele tempo. O 3D foi vendido como sendo uma revolução, mas era tudo marketing. Trata-se de uma tecnologia antiga que foi recauchutada.

Pouco tempo depois descubro a existência de outro golpe de marketing: o cinema 4D. Uma bobagem sem tamanho. Aparentemente vibra as cadeiras. A plateia comum gosta destas novidades. Se tivessem eles algum conhecimento de física, saberiam que todos os filmes possuem a “quarta dimensão” que eles evocam, sendo esta nada mais, nada menos do que o tempo. Todo filme tem tempo. Alguns dizem ser movimento, mas não discutirei mais este tópico aqui.

Voltemos ao 3D. A indústria cinematográfica o adora. Claro! É um motivo para cobrar mais caro pelos ingressos por filmes que nada tem a oferecer a não ser esta falsa novidade. O lado positivo é o ato de entrega do espectador ao espetáculo. Muitos que não usam óculos os põe para poder imergir dentro do imaginário fantástico do filme. Outros tantos têm que colocar os óculos por cima daqueles que já usam diariamente – pobres míopes... E os filmes feitos em 3D continuam a ser feitos. Cada vez mais próximos de serem classificados como filmes de animação.


Mas o que tem o 3D de tão especial? A chamada terceira dimensão seria o equivalente à profundidade. Temos dois olhos para que possamos perceber a distância que nos separa dos objetos que se apresentam a nossa frente, para que não nos esbarremos nas portas, nas cadeiras... Mas no cinema clássico não há esta terceira dimensão. A câmera de filmar possui somente uma lente que é o equivalente a um olho. Só que isto nunca impediu a inventividade dos cineastas.

(A encenação em profundidade se dá quando os atores passeiam pelo cenário, quando se relacionam com um espaço cênico similar aquele que testemunhamos em nossa experiência cotidiana. Nós enxergamos os espaços por completo e não pedaços - não vemos mãos, vemos uma pessoa com mãos, não vemos um vaso, vemos um vaso sobre uma mesa numa sala. A exemplo disso, coloquei a imagem acima de Cidadão Kane. Tanto Orson Welles quanto o ator do outro lado da mesa estão em foco e participam da encenação. Nosso olhar percorre todo este cenário e todos os atores que nele se encontram. Nos é dada a possibilidade de escolher quem ou o que queremos ver.*)

A encenação em profundidade existe desde os primórdios do cinema. Data dos primeiros filmes dos irmãos Lumière. Desde aquela película em que o trem avança em direção à câmera, desaparecendo em uma das bordas do quadro. A profundidade de campo surge aqui acidentalmente. A câmera é posta num posicionamento habitual e mais prático, não há qualquer reconhecimento da importância do posicionamento de câmera na construção da narrativa fílmica.

Este reconhecimento surge mais tarde, na década de 1930. Com Orson Welles, John Ford, William Wyler e Jean Renoir, a profundidade de campo ganha um reconhecimento dramático. O filme já não é mais encenado em duas dimensões, mas em três. A presença dos atores no cenário é desenhada de acordo com a intensidade da cena. - Ao fundo do cenário temos um personagem que deseja e em frente à câmera o seu objeto de desejo. Ambos são filmados em foco. Esta imagem transborda toda a dramaticidade uma vez desejada pelo cineasta. Isto é possível pela aproximação que este modelo de representação possui com o modo como nós, espectadores, percebemos o mundo: nas quatro dimensões, incluindo aí o tempo (ou movimento).


O que o cinema 3D tem a ver com isso? Tudo! O modelo de representação cinematográfico seria aquilo tido como novidade nesta nova tecnologia. Mas esta forma de representação já era feita na década de 1930 por cineastas que tinham forte influência da representação teatral. Isto porque o 3D oferece como novidade o deslocamento em profundidade dos personagens. O que hoje é feito pelos grandes filmes lançados semanalmente é o uso do 3D massivamente nas cenas de ação, em que podemos ser inseridos em cena, mas o seu princípio já havia sido posto em prática por Orson Welles em Cidadão Kane (1941) e Jean Renoir em A regra do jogo (1936).

Mais recentemente pude ver Godard lançar um filme em que busca as novidades linguísticas do 3D. Por ser uma novidade haveria muito a ser explorado. Mas esta não é uma novidade tão nova assim. Ainda não vi o trabalho de Godard. Anseio muito em vê-lo. Ainda assim continuo cético quanto ao papel do 3D em dar um novo passo na revolução do cinema. Ele é um efeito óptico curioso, de fato. Mas não se fez como revolução e dificilmente o fará. É uma aposta da indústria cinematográfica hollywoodiana de manter seu poder sobre os cinemas de todo mundo enquanto perdem espaço para a tevê e internet. Enquanto isso o cinema de arte continuará. Porque este, sim, é quem trás as verdadeiras revoluções. 


* para melhor entendimento deste tópico ler: Cidadão Kane é um clássico, você sabe por quê?

sábado, 23 de agosto de 2014

Cidadão Kane é um clássico, você sabe por quê?


Provocativo esse título, não? Ele parte de um fato cada vez mais comum no mundo atual. As informações são tantas que quase se torna impossível digeri-las devidamente. No meio desta velocidade encontra-se o cinema. Ser cinéfilo nunca foi tão fácil como agora. Os filmes chegam a nós, e não nós que vamos até eles. As tecnologias avançaram a tal ponto que posso ter uma sala de cinema em casa. Mas em meio a tudo isso surge um problema: a discussão sobre cinema perdeu seu valor. Seu valor no sentido do conteúdo do debate. A pergunta-título refere-se a isto. Quando vasculhamos a internet em busca de um bom texto analítico sobre o filme que acabamos de assistir, o que em grande parte encontramos são leituras que tratam filmes não como cinema, mas como literatura. Sim, literatura. Porque discutir a narrativa, tão somente, é uma questão para a arte das letras. Para o cinema cabe o seguinte questionamento: como mostrar tal narrativa? Por que o cineasta prefere mostrar isto ao invés daquilo outro?

Por que Cidadão Kane é um clássico?, pergunto. Certamente não pelo uso do flash-back, recurso muitíssimo conhecido, mesmo na época do lançamento do filme. Para que cheguemos ao clássico filme de Welles, façamos antes um breve percurso pela história do cinema:


No princípio, a câmera de cinema permanecia fixa em frente ao cenário como uma mera observadora distante. Ela ficava numa posição privilegiada, que lhe possibilitava enxergar diversas ações a um mesmo momento. O olhar do espectador passeava pelo cenário observando a ação que mais lhe desse prazer. Este posicionamento é usualmente chamado de "regente de orquestra", porque tal como um regente de orquestra, a câmera fica a frente de seus atores (os músicos) indicando-lhes o espaço que devem percorrer.

Mas logo foi deixada de lado quando foi descoberto que melhor que deixar a câmera distante dos atores, seria colocá-la no meio da cena. Surgem os diversos posicionamentos de câmera. O cinema deixa de ser um teatro filmado para ganhar a sua forma própria. O espectador, que num primeiro momento direcionava sua atenção para o que mais lhe desse interesse dentro do quadro, agora tem sua atenção direcionada. A câmera não filma uma sala inteira, mas a moça que está sentada no sofá.

Passam-se anos sendo aprimoradas as técnicas de direcionamento do olhar, até que na década de 1930, com o desenvolvimento de novas lentes que possibilitavam trabalhar com foco curto e longo ao mesmo tempo - ou seja, o ator poderia aproximar-se e distanciar-se da câmera sem sais de foco - o cinema retorna para o seu princípio. Mas a câmera não é mais passiva frente às ações que se lhe apresentam. Agora ela faz parte da encenação, ou como dizem os franceses: a mise-en-scène.


Cineastas como Jean Renoir e John Ford descobrem as maravilhas de se utilizar este novo sistema de lentes e passam a filmar planos gerais em que o tempo do plano dura mais tempo do que antes. A grande revolução estética proporcionada por esta estética será notada na década seguinte por André Bazin. Por meio do plano-sequência encontra-se a duração.

O que é a duração? - Influenciado pela filosofia de Henri Bergson, Bazin procura no cinema aquilo que converse diretamente com o fluxo com o qual as coisas se apresentam na realidade - uma propriedade essencial das coisas e dos fatos, como diz Ismail Xavier. Esta propriedade essencial das coisas e dos fatos somente será encontrada no cinema por meio do plano-sequência, esta técnica que permite a captação da realidade em seu fluxo original.


Cidadão Kane entra no meio de tudo isto como o filme que consegue se fazer bem sucedido nesta empreitada "moderna". Welles filma sua história valendo-se da profundidade de campo, distribuindo seus personagens nos cenários sem a necessidade de corte para que possa mostrá-lo em cena. Esta revitalização da profundidade de campo produzida pela obra de debute de Welles é sem dúvida uma das marcas centrais que transformam este filme num clássico. O diretor adapta o dispositivo cinematográfico a seu favor, a seu olhar de diretor teatral, para que possa buscar a dramaticidade das cenas nas relações entre atores e não da fragmentação do espaço cênico pela montagem. Por meio do plano-sequência encontra-se o fluxo de uma realidade. Valoriza-se o espaço por sua natureza, não o fragmentando. Com a revitalização da profundidade de campo, tem-se um melhor aproveitamento do plano-sequência.

O plano-sequência apresenta, assim, a comunhão entre tempo e espaço tão cara à representação cinematográfica. Mas num cinema que se diz moderno, é essencial que esta comunhão seja mais precisa. O espaço deve se juntar com a duração. Com o plano-sequência há finalmente a expressão da duração, que segundo Marcel Martin, em A linguagem cinematográfica, é o verdadeiro tempo estético. A duração impressa no filme pelo plano-sequência encontra no mundo o fluxo essencial das coisas e as reflete no espectador. Consegue-se, assim, a expressão da duração filmando-a em sua completude.

É somente um breve comentário acerca de Cidadão Kane, filme tão rico que merece muitas e muitas páginas de estudos detalhados sobre cada um dos planos. Mas o que deve ser apreendido deste texto é o modo de como deve se efetuar o julgamento de um filme. Não se julga um filme por sua trama, tão somente. Esta é um problema dos literatos. Foi devido a julgamentos que levavam em conta somente o enredo do filme que, durante anos, Alfred Hitchcock fora visto como um cineasta menor: sabemos que ele não é porque nos foi mostrado, com argumentos que levam em conta a forma do filme, o grande diretor que ele é. 

[obs.: Este texto não se volta para o espectador comum de cinema, mas para o espectador comentador de filmes (como críticos de revista, e blogs). Este deve prestar atenção aos seus comentários para que eles não se baseiem em preconceitos para com uma obra. O espectador comum não tem o intuito de formar ou apresentar ao público uma obra, sendo este papel o papel que cabe o espectador comentador. Diferencia-se, entretanto, o espectador comentador daquele espectador comum que escreve as suas impressões pessoais acerca de uma obra. Espera-se do crítico o conhecimento teórico no momento de análise de um filme, o mesmo já não se espera de um espectador comum que escreve sobre cinema. Este último pode ser acompanhado por leitores que se identificam com os gostos do escritor e daí a não se esperar uma análise aprofundada do filme.]

[as imagens:
1 - Assalto ao trem Robbery (1903) de Edwin Porter exemplificando a câmera "regente de orquestra";
2 - Cidadão Kane: Welles em primeiro plano em foco e, ao fundo, um personagem a falar com ele também em foco;
3 - Cidadão Kane: novamente temos Welles (Kane) em primeiro plano e outro personagem que conversa com ele em segundo plano, também em foco.]

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O Grande Golpe de Stanley Kubrick (the killing, 1956)


direção: Stanley Kubrick;
roteiro: Stanley Kubrick, Jim Thompson, Lionel White (baseado em seu livro);
fotografia: Lucien Ballard;
edição: Betty Steinberg;
estrelando: Sterling Hayden, Coleen Gray, Vince Edwards, Jay C. Flippen, Marie Windsor.

Depois que A morte passou perto ficou pronto, Stanley Kubrick conseguiu uma reunião com a United Artists para conseguir um acordo de distribuição de seu filme. O contrato fora feito e Kubrick ainda conseguiu um acordo: o estúdio pagaria cem mil dólares para financiar seu próximo filme. A quantia era mais que o dobro daquela que o jovem diretor havia utilizado em seu filme anterior. Enquanto buscava uma história para transformar em seu próximo longa-metragem, o cineasta - que então contava com 26 anos - conhece James Harris, um jovem e ambicioso produtor de cinema. Ambos se interessam por um romance sobre o roubo de um hipódromo. Sua competição pelos direitos da obra são grandes: Frank Sinatra também estava interessado em transformar o livro em filme. Quando Sinatra declinou da ideia de filmá-lo, Kubrick e Harris partiram para ação, e conquistaram o filme que selaria sua primeira colaboração e o nascimento da produtora que fundaram juntos.

O grande golpe foi o segundo filme de Kubrick distribuído pela United Artists. Foi o filme que lhe mostrou para o mundo. A revista Times, quando do lançamento do filme, comparou esta obra a Cidadão Kane e Kubrick a Welles. Não é para tanto quanto comparar O grande golpe a Cidadão Kane, exagero que foi repetido a exaustão nas décadas seguintes nos EUA enquanto os críticos e entendidos de cinema buscavam uma obra tão inovadora quanto a obra de estreia de Orson Welles. Mas da perspectiva inovadora, O grande golpe se apresenta como um filme que nos trás uma construção incomum para a época em que fora feito. O filme não se centra em uma narrativa que obedeça uma sequência temporal dos fatos. São muitos os personagens envolvidos no já citado roubo ao hipódromo e a narrativa não se furta de voltar no tempo para mostrar o que o personagem fazia horas antes.


É um filme que obedece a diversas regras do cinema noir incluindo-se aí a sua femme fatale loira. Trata-se de um filme que segue um grupo de pessoas que se juntam para roubar o dinheiro de um hipódromo em um dia em que as apostas serão altas. São muitos os membros do grupo e a narrativa tem que dar atenção a todos. Mas atenção especial é dada ao caixa do hipódromo cuja esposa (a loira femme fatale) infiel será o ponto principal do motivo pelo qual o plano poderá não dar certo e para o idealizador do plano Johnny Clay (Sterling Hayden). Um narrador que não participa da história nos conta o desenrolar da ação, dando-nos detalhes e sempre começando seus relatos com o horário das ações dos envolvidos do roubo. É importante prestar atenção no horário dado pelo narrador porque será ele por meio dele que veremos o ponto inovador do filme.

Em Cidadão Kane a inovação estava por conta do uso da profundidade de campo permitida pelas lentes utilizadas no filme. Com a profundidade de campo é permitido ao cineasta poder filmar sem pausas, fazer seus personagens passearem pelos cenários sem necessidade de corte porque o foco não seria perdido. Embora esta técnica já tivesse sido utilizada por Jean Renoir, por exemplo, em A regra do jogo, foi com Welles que ela alcançou seu maior sucesso, sendo mostrado pelo cineasta estadunidense tudo aquilo que poderia ser feito com o uso de tal técnica. Embora Stanley Kubrick se valha de uma construção narrativa não tão comum quanto a narrativa não linear, ela não fora utilizada em sua forma mais brilhante. Aqui já se apresentava um cineasta que começava a esboçar um trabalho com o tempo cinematográfico que mais tarde chegaria ao seu ápice com 2001: uma odisseia no espaço.


Aqui se encontra outra grande qualidade de Kubrick, que já havia sido notada em seu filme anterior, que é o seu trabalho com a luz. Em especial o jogo entre luz e sombras. Este jogo entre luz e sombras tão caro a um filme noir - o mal que se esconde na escuridão dos quadros e que contamina os personagens da trama - se apresenta com maestria neste O grande golpe. Desta vez Kubrick já não assinou a direção de fotografia, mas desde este momento já se percebia sua exigência técnica referente aos enquadramentos, movimentos e câmera, e como iluminar as cenas partindo destes posicionamentos (é conhecida a história de que em seu filme anterior o cineasta desistira de gravar o som direto nas gravações porque o microfone atrapalhava a iluminação).

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Da estética cinematográfica 4


(continuação)
Talvez nem “Cidadão Kane” nem “Roma Cidade Aberta”, filme que inaugurou o neorrealismo, tenham provocado um impacto tão grande para o cinema como foi “Acossado”. O jovem Jean-Luc Godard, ex-crítico de cinema da Cahiers du Cinema, resolveu mostrar para o mundo que não era somente um jovem de palavras, que tinha criatividade o suficiente para fazer uma revolução em uma arte que parecia ter parado no tempo. Godard abandona o fazer cinematográfico dito acadêmico (pegar a formula pronta desenvolvida por Griffith, Eisenstein e Welles), e resolve mostrar para o mundo que um filme pode ser feito do jeito que o realizador quiser.

Godard é sem dúvida o cineasta mais ousado da nouvelle vague. O movimento em si não trouxe nenhuma mudança radical para a estética cinematográfica. Truffaut e Rohmer, por exemplo, filmavam de maneira muito acadêmica, com suas influências muito bem definidas. Godard se torna, então, um autor no melhor sentido do termo cunhado por André Bazin. Ele pega a sua forma de pensar e a coloca em seu cinema. Sua forma de pensar é diferente dos demais. Ele não pensa como Griffith, como Eisenstein nem como Welles, embora os admire.

Esta forma de pensar de Godard termina por fazer com que cada filme seu seja uma nova surpresa. Em “Acossado”, Godard nos mostra os diálogos de seus protagonistas, mas não os mostra por completo, mostra apenas o que importa. Caminhando em um sentido contrário ao de Tarkovsky, o cineasta francês, neste seu filme de estreia, abandona os formalismos para ser o autor impaciente. Mas é uma impaciência que fez o seu filme dar certo.

Esta ousadia somente seria alcançada depois com cineastas independentes que fazem seus experimentos, mas que ninguém mais parece aprovar e que parecem desaparecer junto com seu autor (muitos são muito interessantes, e talvez feitos em épocas erradas), e com outro francês, Alain Resnais, um experimentador do tempo no cinema.

Assim como a montagem de Griffith e Eisenstein, a montagem de Godard de mostrar somente o que interessa (para que ver um personagem andar por todo um corredor quando o que interessa é vê-lo abrir a porta?), é comumente utilizada, não somente no cinema, mas também na televisão.

sábado, 20 de abril de 2013

Da estética cinematográfica 3


(continuação)
No mesmo caminho anda Serguei Eisenstein, o grande cineasta soviético, que foi o maior defensor da montagem de atrações. Eisenstein, em seu primeiro filme, tenta pôr em prática sua teoria de que quanto mais detalhes de uma cena forem exibidas, mais real ela se tornará. Esta montagem não é tão bem executada em seu primeiro filme, “Greve”, mas é magistralmente conduzida no segundo, a grande obra-prima do cineasta (e talvez do cinema) soviético: “Encouraçado Potemkin”.

A montagem desenvolvida por Griffith e Einsenstein até hoje podem ser vistas nas obras cinematográficas. A de Eisenstein em menor escala, tendo maior presença em cenas de ação. Os blockbusters hollywoodianos utilizam a montagem eisensteiniana, assim como o clássico mor do cinema nacional “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. No filme de Glauber Rocha, estão presentes as influências da montagem, não só de Eisenstein, como de Griffith.

Logo após a revolução provocada por Eisenstein o cinema tem um abalo provocado pelo advento do cinema falado. Depois do advento do som no cinema, as revoluções foram diminuindo, se tornando muito mais questões de avanço tecnológico, ou social, do que uma teoria que viesse a modificar a estética do cinema. Somente em 1941 vem um sopro de renovação com “Cidadão Kane” onde temos a exploração da profundidade de campo, onde o ator adquire certa liberdade de andar pelo cenário, e do diretor de filmar mais tempo sem se preocupar com o foco. Este passo dado por Orson Welles em seu clássico fez com que muitos dos movimentos cinematográficos vindos em seguida passassem a utilizá-lo, como é o caso do neorrealismo italiano. 


Numa Itália destruída pela guerra, o desejo de alguns de fazer cinema era imenso que ultrapassava qualquer dificuldade. Utilizando câmeras desenvolvidas especialmente para a guerra – pequenas e leves, para filmas as batalhas – os neorrealistas foram os primeiros a deixar os estúdios e ir para as ruas, mostrar as histórias onde elas acontecem. Utilizando o método desenvolvido em “Cidadão Kane”, os neorrealistas podiam fazer enormes percursos pelas paisagens acidentadas das cidades, e acompanhar de perto a trajetória daqueles personagens sofridos.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Cidadão Kane

este texto faz parte da série Lendo as Imagens do Cinema publicado neste blog

O grande filme do garoto prodígio Orson Welles, o jovem que se destacava em Nova York por suas adaptações de textos clássicos para o teatro e para a rádio (como a famosa transmissão de "Guerra dos Mundos" de H. G. Wells). Foi contratado pela RKO com um contrato invejável que lhe dava carta branca. O até então megalomaníaco diretor de teatro tinha agora liberdade e orçamento para fazer o filme que quisesse. E foi assim que nasceu "Cidadão Kane", o filme perfeito.
"Cidadão Kane" começa com uma cena simples, onde os detalhes que são apresentados contam toda a história que virá a seguir.
Aos pouco avançamos as grades da propriedade do magnata da comunicação Charles Foster Kane (Welles). Uma vez dentro da propriedade vemos o castelo de diferentes posições, mas algo permanece no mesmo lugar, a janela do quarto de Kane. Mas é antes de entrarmos no quarto que Welles mostra o que realmente quer com esta abertura. Ele corta para a neve de dentro do globo que quebrará após a morte do empresário.
A análise:
Aos poucos, durante toda a película, entramos na vida de Charles Kane (daí aos poucos passarmos pelas grades que cercam a propriedade) e conhecemos a vida deste personagem marcante. Mas será o que dizem sobre Kane está certo? Afinal de contas, cada um conta a vida do indivíduo a partir de sua convivência com ele. Cada um dará sua versão de quem foi Charles Foster Kane (a visão do castelo com a janela sempre na mesma posição são os diferentes pontos de vista sobre um mesmo aspecto, uma mesma figura).
Por isso, antes de entrarmos no quarto onde Kane morrerá, Welles corta e mostra a neve dentro do globo de vidro. A partir deste momento o cineasta munido de seu super-olho irá mostrar o que mais ninguém poderá ver e desvendar o segredo de Rosebud.

domingo, 13 de março de 2011

A Montagem no Cinema Clássico de Hollywood

por: Yves São Paulo

Os filmes produzidos em Hollywood em sua época de ouro possuem algo em comum, a sua
montagem. Que fique claro que o cinema clássico de Hollywood vai até meados de 1965 quando os grandes diretores já não conseguiam emplacar grandes sucessos como em tempos passados*. No cinema clássico as histórias eram, em geral, narradas de forma linear, quando isso não acontecia era pelo fato de a película ser narrada através de flashbacks, como no maravilhoso "Cidadão Kane" de Orson Welles (citizen kane, 1941), onde a história começa com o falecimento de Charles Foster Kane, magnata da indústria jornalística que antes de morrer fala uma palavra que dá inicio à uma correria de repórteres de um jornal cinematográfico para descobrir o que ela significa, desta forma eles vão até personagens que passaram pela vida do empresário e viajamos em suas memórias.
O artifício utilizado por Welles em sua obra prima é, ainda hoje, muito copiada. Junto com "Cidadão Kane" outra obra do cinema clássico hollywoodiano que inovou em sua maneira de montar foi "Crepúsculo dos Deuses" de Billy Wilder (sunset boulebard, 1950), mais um filme onde começamos pelo personagem principal morto, mas desta vez viajamos pelas memórias do
falecido até o ponto em que o encontramos boiando na piscina. Fora isso o filme corre linear, sem mais nenhuma ousadia de seu autor.
A terceira obra a ser citada também tem o seu começo marcada com a morte de seu protagonista, "Lawrence da Arábia" de David Lean (Lawrence of arabia, 1962) onde vemos a sua morte por um acidente de moto e vamos direto para o seu funeral onde os presentes se perguntam quem ele foi, e como se respondesse a pergunta dos personagens o diretor retorna para os fatos acontecidos anteriormente ao acidente de moto.
As três obras tem em comum a morte do personagem no inicio da história, e todos os três filmes se tornaram clássicos. Talvez os dois últimos não tivessem esta estrutura se não fosse pela ousadia do então jovem diretor que resolveu renovar e criar um filme bem diferente da maioria das outras películas que circulavam naqueles tempos. Ainda hoje não é comum encontrar filmes estruturados em uma linha não linear, mas é mais fácil de encontrá-los do que na época em questão.
A facilidade para o espectador que vai ao cinema se divertir é sempre levada em conta, já que uma montagem que não possui a famosa linha começo, meio e fim leva sempre um tempo para ser entendida, já que o autor quer que o espectador fique a discutir o assunto abordado, ou que a película fique viva na mente daquele que assistiu durante um longo tempo.

*ler "Easy Riders, Raging Bulls, como a geração sexo, drogas e rock n roll salvou Hollywood"

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Preto e Branco, Cor e 3D

por: Yves São Paulo

O Preto e Branco
No inicio, como todos sabem, os filmes eram em preto e branco. Não eram vinte e quatro fotos por segundo como muitos crêem que era, já que o filme era movido manualmente por uma especie de manivela (isso pode ser visto no filme King Kong de Peter Jackson que fez questão de reproduzir a câmera), só depois de algum tempo que os famosos 24 quadros por segundo se tornaram um padrão para filmagem e exibição. Foi com o cinema em preto e branco que algumas das mais importantes introduções cinematográfcas foram colocadas, como o som e é em preto e branco que foram feitas algumas das obras mais importantes da história da sétima arte, como por exemplo: "Cidadão Kane" e "Encouraçado Potemkin".
Foi com estas duas cores que algumas das maiores personalidades do mundo da arte em movimento apareceram como: os próprios Orson Welles, Serguei Eisenstein,(diretores dos filmes acima citados como exemplo) Charles Chaplin e diversos outros grandes personagens.

Cor
A maioria dos filmes que conhecemos são em cores, mas no inicio eram, em sua maioria, filmes para crianças como: "O Mágico de Oz", "Branca de Neve e os Sete Anões". A prática de filmes coloridos começou a se popularizar na década de 1950 quando foram feitos belos filmes como: "Cantando na Chuva", "Sinfonia em Paris" e "Alice no País das Maravilhas". Apesar de "E O Vento Levou" ter feito um enorme sucesso não conseguiu levar muitos produtores a quererem fazer filme coloridos, o que deveria ter um enorme custo como hoje tem o 3D. Os filmes coloridos fizeram sucesso pelo fato de serem simples de serem assistidos, mais aceitáveis aos olhos, já que nós enxergamos tudo com diversas cores.

O 3D
Hoje, com toda esta "falação" sobre James Cameron e seu filme em 3D ninguém parece lembrar de como ele (o cinema em 3 dimensões) era antes. Vou lembrar então. O espectador assistia ao filme com um óculos que normalmente eram de papelão e que possuía uma lente vermelha e a outra azul. Era quase difícil assistir ao filme, e o mais emocionante de tudo é que as pessoas não conseguiam ficar com esta maravilha no rosto, já que ela provocava dores de cabeça.
O que muita gente realmente não sabe é que Alfred Hitchcock fez um filme com esta tecnologia. o filme foi "Dique M Para Matar"(dial m for murder, 1955) e não gostando do resultado o 3D foi jogado de lado por muito tempo. Não existe mais nenhuma cópia deste filme em 3 dimensões. Mas hoje parece que esta tecnologia é a próxima inovação permanente a ser utilizada no cinema para que as próximas gerações tenham vontade de ir ao cinema apreciar uma obra cinematográfica.