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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Olney São Paulo por ele mesmo (editora fi, 2024)


 

SOBRE A TRAJETÓRIA DO AUTOR

Em 1953, o crítico de cinema e cineasta Alex Viany aportou em Feira de Santana com uma equipe para filmar "Ana", episódio do filme internacional "Rosa dos ventos". Em seu elenco, trazia a já famosa Vanja Orico, recém-saída do sucesso de "O Cangaceiro".

Olney São Paulo, então com 16 anos, assistiu às filmagens, tentando se integrar à equipe, ao elenco, e aos figurantes. Descobria ali uma paixão: era mais do que um cinéfilo, era um aspirante a cineasta.

Estudava, então, no Colégio Santanópolis. Nas instalações da instituição existia o jornal de mesmo nome. Olney se aproxima dos diretores do periódico, propondo uma coluna de cinema. Nasce, em 1954, a Coluna Cineópolis (presente na coletânea acima), onde o cineasta documentava os filmes lançados na cidade, e seu aval à qualidade (ou não) das obras exibidas.

Ao mesmo tempo, escrevia uma coluna de crítica aos rumos que a alta sociedade feirense tomava. Em Causerie, Olney utiliava um heterônimo, "Conde d'Evey".

As críticas de Olney, em Causerie, incomodavam muitos leitores do Jornal Santanópolis, que em 1955 se transformou em O Coruja. O cronista apontava, com fortes doses de ironia, a emulação kitsch da burguesia feirense em suas tentativas de se aproximar das culturas metropolitanas europeias vistas nos filmes.

Com jogos de linguagem, Olney faz alusões a nomes e lugares da cidade, enquanto mascara o óbvio em suas narrativas divertidas de um Conde vivendo em meio à cidade do sertão. Denuncia a confusão identitária pela qual assava a cidade, a "Princesa do Sertão", que a elite queria transformar numa metrópole ocidental.

Estes conflitos seriam ainda por ele dirigidos no filme "Como nasce uma cidade", de 1973.

Em 1955, munido de uma filmadora 16mm emprestada e apenas um rolo de película comprada num cooperativa entre amigos, Olney se junta ao fotógrafo Elídio Azevedo e a Edson Campos para a gravação daquele que seria o primeiro filme a ser realizado em Feira de Santana, "Um crime na rua".

Com ausência de maquinário para fazer a montagem, as filmagens ocorrem na sequência do roteiro, sem a possibilidade de erro. Assim, Olney e companhia filmam uma história policial de seis minutos de duração se passando nas ruas do centro de Feira de Santana, passando por fachadas famosas como a do Feira Tênis Clube, assim como a famosa feira livre que dá nome à cidade.

"Um crime na rua" se transformou no currículo de Olney pelos anos seguintes. Carregava o rolo do filme junto para exibir aos potenciais produtores e investidores de outras produções. Foi assim que conheceu um adolescente Glauber Rocha, que havia proposto a criação de uma produtora de cinema na Bahia, assim como o mítico produtor Rex Schindler. Em suas colunas Cineópolis e Causerie, Olney faz breves menções sobre os encaminhamentos do filme.

Nesse meio tempo, fundou uma companhia de teatro amador em Feira de Santana, assim como um programa de rádio onde fazia comentário sobre cinema. Infelizmente, quanto a este último, não temos informações.

As aproximações com Rex Schindler dão a Olney esperanças de filmar a história de Lucas da Feira, ex-escravizado bandoleiro que libertava senzalas na região de Feira de Santana. Dado o alto custo de uma produção de época e o não retorno das produções de Schindler, o projeto foi engavetado. A respeito de Lucas da Feira, Olney publicou "ABC do enforcado", conto que compõe o livro "A antevéspera e o canto do sol", de 1969.

Suas relações com cineastas estavam cada vez mais próximas. No começo dos anos 1960, Olney se envolve com diferentes produções de longas-metragens de ficção. Faz assistência de direção do filme "Mandacaru vermelho", de Nelson Pereira dos Santos, abrigando a equipe do pai do Cinema Novo quando ela veio à Bahia durante a primeira tentativa de filmar "Vidas Secas". Em seguida, compõe a equipe de "O Caipora", filme de Oscar Santana.

A experiência com produções de longa-metragem levam Olney a dar um salto radical em suas tentativas. Em 1963, inicia as tratativas para uma produção. Convence o romancista Ciro de Carvalho Leite a produzir um de seus romances para o cinema. O influente escritor consegue as verbas junto a empresários locais para a realização de um longa-metragem de ficção.

Algumas particularidades envolvem este relacionamento. O livro de Ciro de Carvalho Leite a ser adaptado ainda não havia sido publicado, então seu título original é modificado para abrigar o nome do filme, "Grito da terra". Um raro caso em que a obra cinematográfica influencia também a obra de origem.

Olney toma claras liberdades na escrita do roteiro do filme, ampliando algumas personagens, criando novas, e incluindo um debate acerca da reforma agrária, que já podia ser encontrado em alguns de seus contos publicados em jornais e revistas.


para saber mais sobre Olney São Paulo e sua trajetória, adquira "Olney São Paulo por ele mesmo"


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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Lançamento: Olney São Paulo por ele mesmo


 O livro Olney São Paulo por ele mesmo, organizado por Yves São Paulo, foi publicado neste mês de agosto pela Editora Fi e já se encontra disponível para compra nas livrarias. Basta acessar o link abaixo para encontrar a obra em sua versão física.


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Olney São Paulo nasceu em 1936, em Riachão do Jacuípe, e logo cedo se mudou para Feira de Santana. Realizou 14 filmes, dentre curtas e longas-metragens. Seus filmes circularam por festivais ao redor do mundo, a exemplo da Quinzena dos Realizadores, em Cannes, França, o Festival de Oberhausen, na Alemanha, e o Festival Internacional de Cinema de Viña del Mar.

Seus documentários acompanham figuras e localidades marginais da cultura brasileira, a exemplo do sertanejo, (Sob ditame de rude almajesto, sinais de chuva), o cigano (Ciganos do nordeste) e as religiões de matriz africana (Dia de erê). Graças a sua atuação neste campo, foi criado o Dia Nacional do Documentarista, em 7 de agosto, dia de seu aniversário, em sua homenagem.

Nesta coletânea, encontramos as colunas Causerie e Cineópolis, escritas por Olney ainda nos anos 1950, além de artigos diversos e entrevistas concedidas ao longo da carreira. Por meio deles, podemos preencher um quadro mais amplo de pensamento, dos anseios e dos planos deste realizador que nos deixou tão cedo, com apenas 41 anos, em 1978.

Aos fãs da obra de Olney, a coletânea apresenta um conto não incluso em A antevéspera e o canto do sol, publicada em 1969. Trata-se do conto Vingança, uma história de conflitos sertanejos na fronteira norte da Bahia, beirando os estados de Sergipe e Pernambuco, onde coronéis criam suas próprias leis, exercendo poder sobre a população.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Olney São Paulo

 Considerações sobre a trajetória artística do cineasta baiano

Aproveito a ocasião dos 85 anos de nascimento para fazer uma homenagem ao cineasta Olney São Paulo. Conheço a personagem deste artigo de memória contada, sobrinho que sou do realizador que não cheguei a conhecer. Seu nome sempre esteve presente em meu lar, especialmente quando o cinema ou a história recente do Brasil entravam em questão. O cinema, porque esta foi uma descoberta caseira para mim, sendo introduzido aos clássicos em VHS, depois em DVD, na ausência de uma sala de cinema que mostrasse tais filmes. Os gostos de Olney não passavam batido nas minhas sessões com meu pai, especialmente quando entravam em cena os filmes de faroeste. Difícil para Olney não se identificar com os cenários áridos dos desertos do oeste estadunidense sendo ele próprio filho da caatinga.

Já o lado história do Brasil remete a episódios dolorosos de serem lembrados por quem viveu, recuperados pela lembrança com um misto de indignação e raiva. Isto porque o sertanejo, que deixou o interior para trás querendo encontrar no Rio de Janeiro lugar mais favorável para suas aspirações, viu-se engolido pelo vórtice da crueldade política vigente na época. Seguindo os passos retirantes de gente como Glauber Rocha – que em Revolução do cinema novo dedica um belo capítulo a Olney, chamando-o de “martyr” do cinema brasileiro – e integrando o flanco dos cineastas baianos na cidade maravilhosa, Olney se viu no meio de um processo político-criminoso tão comum à ditadura instaurada em 1964.

Portanto, não se assuste o leitor se estranhar o nome deste realizador baiano, se não conhecer a sua história ou o filme acerca do qual nos deteremos nos parágrafos vindouros. O silêncio em torno da memória do velho baiano foi orquestrado pela malignidade que vilaniza nordestinos e queima filmes.

 

Olney, cineasta

O mais velho de sete irmãos, nascido em 7 de agosto de 1936 na cidade de Riachão do Jacuípe, Olney se mudou com a família ainda criança para Feira de Santana para dar continuidade aos estudos. À época, Feira de Santana tinha o privilégio de abrigar diversas salas de cinema.  Foi em Feira que se deu o encantamento do jovem pela mais faceira das artes.

Um evento particular e curioso aconteceu quando Olney era ainda adolescente e que marcou toda sua vida. Desembarcou em Feira a equipe de Alex Viany para gravar um episódio de Rosa dos Ventos. O filme tinha produção alemã, contando com realizadores de diferentes países assinando cada um dos episódios. O episódio brasileiro era estrelado. Para além do já famoso crítico Alex Viany, protagonizava o episódio Vanja Orico (saída do sucesso O cangaceiro) e assinava o roteiro Jorge Amado. Curioso com as artes, Olney assistiu às filmagens, conseguindo até os dados de Viany e Jorge Amado para troca de cartas.

Depois desse episódio singular, não teve mais jeito. Montou grupos de teatro amador, abriu revistas, até programa na rádio para falar de cinema. Quando, em 1955, um amigo apareceu com uma máquina de filmar 16mm, lá foi Olney experimentar o ofício de direção. Na ausência de recursos para montar a película, decidiram que o filme seria filmado na ordem dos eventos, parando o filme dentro da máquina. Filmavam uma cena, paravam, voltavam a filmar, sem a possibilidade de erros ou de fazer de novo. A obra foi Um crime na rua, reencontrada recentemente por Henrique Dantas em meio às pesquisas para seus filmes sobre o cinema de Olney, Sinais de cinza e Ser tão cinzento.

Da empreitada amadora passou para o cinema profissional, com estilo firme influenciado pelo cinema novo, em particular pelos filmes de Nelson Pereira dos Santos. De Um crime na rua para Grito da terra foram 9 anos. Baseado no romance Caatinga, de Ciro de Carvalho Leite, Grito da terra é um longa-metragem de ficção que lida com temas como a alfabetização do povo sertanejo e a reforma agrária. Em seu elenco, Helena Ignez, Lucy Carvalho e Lídio Silva.

Foi um pontapé de luxo para uma carreira de 14 filmes, ao todo, dentre longas e curtas, ficção e documentário. Mas no meio de uma história sobre um sertanejo curioso e criativo, desejoso de fazer parte de uma arte cara, burguesa, para falar de seu povo, veio o golpe militar. Junto com o golpe, o AI-5, que levou Olney à prisão e resultou na destruição de um de seus filmes, Manhã cinzenta. Este processo singular na história do cinema brasileiro, em que um cineasta foi acusado pela produção de um filme com as cópias de sua obra destruídas, precisa ser melhor documentado e lembrado para que reconheçamos as fragilidades do cinema em meio a golpes contra a democracia e a ascensão do fascismo institucional.

 

Olney e o processo Manhã cinzenta

Olney São Paulo era funcionário do Banco do Brasil. Logo após o lançamento de Grito da terra, consegue transferência para trabalhar no Rio de Janeiro, assim ficando mais próximo de toda movimentação do cinema à época. Já estabelecido no Rio, começa a produção de seu segundo filme Manhã cinzenta. Baseado no conto de mesmo título que abre sua coletânea A antevéspera e o canto do sol, publicada em 1966, o filme acompanha um grupo de estudantes que tentam manter viva a chama da luta contra uma ditadura sanguinária. Nesta distopia, os estudantes presos são interrogados por um robô que serve de juiz, após serem vítimas de tortura no cárcere.

O filme foi realizado ao longo do ano de 1968, sendo finalizado em 1969. Antes de submeter a película à censura, Olney exportou cópias do filme, que foi exibido em festivais no Chile, na Alemanha, na Itália, e na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.

Em 1969, um avião com o embaixador dos EUA no Brasil foi desviado para Cuba. Dentre os guerrilheiros presentes no sequestro estava o coordenador de um cineclube carioca que poucas semanas antes havia pedido a Olney uma cópia de Manhã cinzenta. Em seu recente Nas asas da Pan Am, Silvio Tendler relembra o caso (sem mencionar Olney, uma falha no documentário), sendo ele amigo do guerrilheiro e procurado pelos militares durante a investigação. Olney não teve tanta sorte quanto Tendler. Acusaram-no de ter participado do sequestro, uma vez que seu filme teria sido, supostamente, exibido a bordo.

À altura do incidente, Olney encontrava-se no Chile fazendo uma exibição de Manhã cinzenta. Quando voltou descobriu que seu nome estava envolvido com um caso estranho. Apresentou-se às autoridades para prestar depoimento de livre e espontânea vontade, lá dizendo que não teve relação com o sequestro. Após uma primeira audição, foi liberado pelas autoridades, que ainda suspeitavam de sua viagem ao Chile durante a mesma data. Quando retornou para a segunda data marcada, ficou detido e levado para local ignorado. Ficou incomunicável, deixando sua esposa com três filhos dependendo de ajuda de amigos para manter-se ao longo dos dias de desaparecimento.

Antes de sua volta ao Chile, as autoridades da ditadura já haviam visitado os laboratórios onde se encontravam cópias de Manhã cinzenta, assim como as cinematecas, para apreensão do material. Com Olney detido, antes de sua partida para local ignorado, escoltaram-no até sua residência e apreenderam mais material, tratado como bandido perante seus filhos, num episódio que deixou marcas em suas memórias.

Na cadeia, Olney foi barbaramente torturado para que informasse outros nomes que teriam participação no sequestro do avião. Vendo que Olney era “apenas” cineasta, forçaram-no a dizer nomes para que a culpa da delação persistisse. Como relatou José Carlos Avellar, que trabalhou como fotógrafo de Manhã cinzenta, a Henrique Dantas em Sinais de cinza, Olney carregava a culpa de ter dito os nomes de seus companheiros de equipe. “Mas os nomes estão todos no filme”, teria replicado Avellar. De toda forma, faz parte do processo perenizar a barbárie em quem a sofre.

Uma cópia sobrevivente do filme, que ficou depois sob a posse de Olney em exibições clandestinas, foi fruto da esperteza do curador da cinemateca do MAM, prestando um grande serviço à memória cinematográfica nacional. Sabendo do interesse dos militares em caçar o filme em questão, trocou a película de lata, permitindo a Manhã cinzenta ganhar sobrevida.

Olney deixa a prisão depois de 12 dias e é internado num hospital. Debilitado, sofre dos pulmões, uma agrura que viria a ser a causa de seu falecimento em 1978.

Ângela José, biógrafa de Olney, parelha o seu julgamento com o processo de Joseph K., no famoso livro de Kafka. Se Olney foi inicialmente preso por um suposto envolvimento com o sequestro do avião, os autos do processo envolvendo Manhã cinzenta mostram a acusação a um realizador por ter feito um filme profundamente subversivo. Olney é obrigado a defender sua obra e a justificar o fato de não ter passado pela censura antes de ter enviado cópias para o exterior. Aponta que as imagens de prisões em processos foram conseguidas junto à TV Globo, e discursa que o filme tem uma vertente comercial e surreal ao utilizar músicas de rock e se valer de um robô.

A penitência duraria até 1971, quando finalmente o tribunal viria a absolvê-lo. O promotor do caso pediu novo julgamento, o que somente seria negado em 1972, quando o caso foi finalmente arquivado. Durante todo esse período, Olney temeu pelo retorno ao cárcere. Seus anos seguintes foram de ativa produção cinematográfica, dedicando-se ao documentário, mas ainda sofrendo com os gritos de seu período de prisão.

 

Manhã cinzenta

Os créditos de abertura mostram uma manhã de céu fechado, as pessoas levando sua vida como mais um dia. Os galopes da história vêm silenciosos, nos lembra Walter Benjamin. Por cima dessas imagens, pulsa o fervor de uma missa crioula, concedendo ao princípio do filme um tom algo épico, ou surreal. Estamos a adentrar num universo diferente, em outra realidade?

O fim dos créditos é marcado pela abrupta mudança de som da missa para o de um rock distorcido, saindo de um rádio. Encontramo-nos numa sala de aula. Uma jovem de cabelos longos, saia acima dos joelhos, dança perante uma comunhão de estudantes sentados prostrados em suas carteiras. A montagem alterna entre a dança da garota e a apatia dos jovens. Alguns deles parecem ser mobilizados pela atitude da garota, ainda que timidamente: batem mãos sobre livros ao ritmo da música e mexem os pés sob as mesas. Ninguém se levanta, ninguém se junta à garota.

Da sala de aula congelada, somos lançados ao futuro. A garota que dançava perante seus companheiros está num estilizado carro de polícia. São prisioneiros. Estamos num país totalitário que prende opositores políticos. A montagem salta do recito (discurso) ficcional para a emulação de um cinejornal em que se noticia uma manifestação de estudantes marcada para dia próximo, segue-se um discurso inflamado. Tal como acontece com Cidadão Kane, há uma construção rítmica em Manhã cinzenta que muito se beneficia da continuidade do som, criando o gancho entre situações discrepantes, entre diferentes eventos, fazendo a conexão entre imagens de cunho documental e outras trabalhadas pelos atores.

Numa união dos dois polos, documental e ficcional, o casal líder estudantil aparece em meio a uma manifestação real, caminhando em meio ao agrupamento. Em certo momento, o namorado sobe a um elevado e começa a simular um discurso. Alternam-se as imagens em que aparecem o casal do filme, imagens de jovens com paus e pedras quebrando carros, de carros incendiados. Na rapidez dinâmica das imagens, vemos estudantes sendo presos, levados até carros da polícia.

A montagem de Manhã cinzenta é acelerada. Como qualquer pesquisador que se detiver por algum tempo lendo a respeito do filme descobrirá, o termo cunhado por Glauber é o mais recorrente para descrevê-la: montagem caleidoscópica. Sua linha do tempo não obedece ao ditame de princípio, meio e fim. Nas idas e vindas vemos imagens ficcionais e imagens documentais se unindo numa história sobre o governo ditatorial de uma terra sem nome. Os estudantes discutem a resistência ao mesmo tempo em que tentam se sacudir da própria apatia. Atuam, mas terminam presos em seu levante contra a autoridade imposta. São julgados por um cérebro eletrônico que possui os discursos do jovem líder estudantil gravados. Não sendo um julgamento justo, o robô compartimenta até mesmo a imagem do que acontecerá, do porvir, com a execução do casal rebelde.

“Progresso” é uma palavra recorrente ao imaginário político brasileiro, vinda a serviço de interesses particulares e não coletivos. A presença do robô na cena do julgamento confere à película ares de ficção-científica. A máquina seria um cérebro avançado, desprovido de preconceitos, mas não é. Vemos ao longo do julgamento a manipulação da máquina para conferir a sentença quista pela acusação. Num de seus melhores momentos, a máquina evoca uma imagem do professor (Lídio Silva) de Grito da terra. O professor alfabetiza os camponeses, aqui aparecendo sob uma fala da garota para seus julgadores. O método de Paulo Freire, sugerido pela garota, é visto como subversivo pelos acusadores. “Sinais chineses, excelência, sinais chineses”, diz um dos fardados ali presente.

Durante o julgamento mostram-se muito fortes os arquétipos criados por Olney para suas personagens, em especial para o casal protagonista. O militar que os prende, e mais tarde participa de seu julgamento, é um aparente defensor da racionalidade, ao mesmo tempo em que diz que “o povo nunca soube pensar”, assim se pondo contra o projeto de alfabetização das massas levantado pela garota. O rapaz líder estudantil é o intelectual, aparece lendo o parágrafo final de A peste, de Camus, em voz alta, e é ele quem discursa nas manifestações. Mas carrega um profundo sentimento de descontentamento, de que sua luta não vingará. Na reunião da sala de aula, ele diz que “todos traíram a si mesmos”. Visto como cérebro das operações, ele sofre a tortura mais severa antes do julgamento, e durante todo seu decorrer permanece prostrado, olhos fechados, sem conseguir permanecer sentado em sua cadeira.

Por outro lado, há a garota que dança. É ela quem conclama para ação. “É preciso fazer alguma coisa”, ela diz para seu parceiro. Durante o julgamento, ela senta provocativamente, colocando uma perna mais alta na cadeira, com cara de desdém contra seus julgadores, respondendo às suas colocações. Ela dança numa tentativa de atiçar os seus companheiros a permanecer de pé. Quando posta contra o paredão para ser fuzilada, novamente ela dança, atordoando seus executores. Morta, o filme volta a vê-la dançar, porque ela será encontrada de pé. Mesmo morta, ela continua de pé.

 

Olney após Manhã cinzenta

Durante o processo judicial de Manhã cinzenta, Olney foi aposentado por invalidez de seu trabalho no Banco do Brasil. O que inicialmente foi recebido como mais um golpe e mais uma vergonha, mais tarde se mostrou como a possibilidade de dedicar seu tempo integral ao cinema. É desse período que nasce a sua fase mais prolífica que inclui a filmagem do longa-metragem O forte, baseado em obra de Adonias Filho, e alguns de seus curtas mais marcantes, dentre eles o belíssimo Sob ditame de rude almajesto: sinais de chuva.

Assim como a garota que dança de Manhã cinzenta, a tentativa da ditadura de impor silêncio a Olney não funcionou. Filmou até mesmo o retorno do político Francisco Pinto, que teve mandato cassado em 1964 quando era prefeito de Feira de Santana. Tinha projetos mais ousados que nunca chegaram a ser gravados, como a revolta dos alfaiates e uma cinebiografia do dissidente Lucas da Feira, uma figura cercada de controvérsias na região de Feira de Santana.

Faleceu no Rio de Janeiro, aos 41 anos, ainda planejando filmes com cada um de seus amigos que iam visitá-lo.

Texto originalmente publicado no site A Terra é Redonda.



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segunda-feira, 19 de abril de 2021

Sol sobre a lama, um filme de Alex Viany e João Palma Neto (1963)


 Sol sobre a lama é uma peça interessante de ser encontrada na cinematografia brasileira. Para além daquilo que encontramos no filmes, existem algumas interpretações que podem ser feitas do próprio cenário político brasileiro - o filme se apresenta como rico documento para um estudo sociológico da formação do pensamento político de esquerda. Isto porque o filme antecede dois golpes, um de impacto nacional e outro de impacto local. O primeiro deles foi a instituição do poder militar dando fim à democracia no ano seguinte à gravação do filme. O segundo deles compreende à personagem principal do filme, a feira de Água de Meninos, em Salvador, incendiada após o golpe de 64 e, portanto, obrigada a mudar de sítio, dando espaço às venturas dos grandes capitalistas da capital baiana que há alguns anos (o filme retrata) tentavam construir no local da feira um porto.

    Com estas informações em mãos é fácil enxergar o romantismo do relato de Sol sobre a lama, que toma como ponto de partida um argumento escrito por João Palma Neto, assinando a produção de um filme bancado com dinheiro do próprio bolso. Palma Neto era um dos comerciantes de Água de Meninos, levando alguns críticos a enxergar no filme a personagem de Valente (Geraldo del Rey) como inspirada nele próprio. Uma das falas que melhor caracterizam esta personagem é o "depois venha me dizer que eu tinha razão", dito a um bicheiro. A narrativa apresenta dois caminhos de ação política para preservação da feira, e o curso dos eventos eventualmente dará a Valente a razão.

    Num destes dois lados temos um açougueiro (!) que propõe a ação violenta. Desde a apresentação da personagem de Vadu sabe-se que seu destino não será bem sucedido. Tosse bastante (costumeiramente um mal sinal dentro de narrativas deterministas) a ponto de ver paralisado em meio de uma ação. Quando dizem para procurar tratamento ele responde dizendo que tomará umas e outras que passa. Vadu é uma personagem eficaz dentro da comunidade de feirantes, sendo capaz de silenciar Valente nas reuniões do sindicato. Valente é a favor do diálogo, quer colocar matérias nos jornais e ir a Brasília conversar com o presidente (!). Para Vadu o tempo de conversa acabou quando colocaram uma draga aterrando o mar e fechando o porto onde atracavam os saveiros.

    Uma das figuras míticas da cinematografia baiana é Lídio Silva, seja em sua personificação do santo em Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, ou em sua personificação do professor em Grito da terra, de Olney São Paulo. Aqui, Lídio Silva é um dos saveiristas, uma figura filmada de baixo para cima acentuando o grau de importância e sabedoria (dada pelo mar) de uma personagem a quem a feira deixa fazer justiça com as próprias mãos, erguendo-se tão alto e belo quanto os mastros dos saveiros por ele capitaneados.

    O filme abre com uma mulher aos gritos correndo de um homem com uma faca na mão. O tom de toda esta sequência é estranhamente cômico (como a abertura animada do filme), com a perseguida atuando com trejeitos dignos do Auto da compadecida. Muitos na feira testemunham a perseguição, mas ninguém impede o subsequente assassínio de acontecer. Apesar de aos primeiros minutos, devido à adição desta sequência, parecer que o filme será um relato policial para buscar o assassino misterioso (nunca vemos sua face), esta sequência de abertura apenas serve para justificar a presença da polícia nos arredores da feira e suas batidas ocasionais. Toda esta trama é esquecida no resto do filme.

    Aos cinéfilos de plantão não será difícil traçar paralelos entre esta crônica da feira da Água de Meninos e a obra do primeiro ciclo de Eisenstein. Não somente em decorrência do uso da montagem, tanto de atrações (na corrida dos feirantes para assaltar a draga), quanto da montagem dialética/ideológica (o corte do estupro de Jurami para o menino ladrão se refugiando na Igreja de São Francisco em sua exuberância ourives). Eisenstein também se encontra na descentralização da trama, permitindo o reconhecimento de várias personagens e suas importâncias individuais para a feira, mas sem fazer nenhuma figura protagonista de uma história sobre a feira, que em último e mais alto lugar é uma história sobre a força construtora do povo. Como o bicheiro diz, deus fez o mundo em seis dias, mas a feira fomos nós que fizemos, palmo a palmo.

    Os ensinamentos de Eisenstein guiam a câmera de Alex Viany por dentro da feira, numa montagem rápida e dinâmica onde cada qual diz para que lado vai, se fica com Valente e o diálogo, ou se com Vadu e a ação direta. O assalto da draga pelos feirantes é uma sequência belíssima, quando eles saem detrás dos barracos, tomando paus no chão e subindo nos saveiros. Próximos da draga, a revelação: foram traídos. A polícia já estava na embarcação aguardando a chegada do povo em revolta, e com a aproximação se posicionam apontando seus fuzis contra homens e mulheres armados com pedaços de pau. O traveling da câmera pelos rostos decepcionados e ainda revoltados, não acreditando que depois de chegado tão perto terão de dar meia volta derrotados, é uma grande imagem. Maior ainda é a imagem da praia acolhendo os paus de uma batalha nunca ocorrida - influência do cinema japonês que embebia Viany à época dessa gravação, a imagem da ausência, do que poderia ser sido. O sufocamento da ação violenta na realização de que o adversário possui o poder vem na imagem de um Vadu sentado aos destroços de uma batalha que se perdeu no devir, procurando por ar.

    Mesmo depois deste confronto, o romantismo de Sol sobre a lama aponta para Valente. Suas ideias de buscar diálogo e iluminação do público da capital sobre a situação da feira culminam no encerramento das atividades da draga aterrando a praia. Curioso para um espectador de 2021 enxergar a ingenuidade do relato. Quem impediu o ataque à draga foram as forças do estado. Quando pressionadas pela opinião pública, as forças do estado e do capital privado dão um passo atrás. A vitória de Valente e dos feirantes da Água de Meninos não poderia ser menos curta. Não se apresenta em filme - assim como a culminação do levante grevista em Odessa, em 1905, não culmina no final de Encouraçado Potemkin. Por isso iniciamos esta crítica mostrando a riqueza deste filme para a compreensão da intelectualidade de esquerda do Brasil.


CLIQUE AQUI PARA ASSISTIR AO FILME



quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Olney, um cineasta fora da festa

 [transcrição de entrevista dada para o jornal Folha de São Paulo, publicado em 17/05/1977]

texto de Tamar de Castro


"No momento em que a Embrafilme e o Ministério de Educação e Cultura iniciam as comemorações dos 80 anos do Cinema Brasileiro, é necessário lembrar que, se por um lado, o governo estimula a produção de filmes através da Embrafilme, por outra entrega o mercado exibidor praticamente inteiro ao filme estrangeiro."

A reclamação - que se junta a de todos os cineastas brasileiros - desta vêz é de Olney São Paulo. Seu filme "O Forte", baseado no romance do escritor Adonias Filho, estreou na última quinta-feira em São Paulo. Nos cines Metro I e Gemini II sem qualquer preparação publicitária por parte da Embrafilme - que é a co-produtora - "sem qualquer aviso ao diretor para que este, se quisesse ou pudesse, acionasse um mínimo de publicidade para a fita".

"Com uma produção anual entre 70 a 100 filmes, o cinema brasileiro vê apenas 10 por cento desse total chegar às casas exibidoras com uma certa dignidade. O restante da produção é acumulação para tapar buracos em relação à lei de exibição obrigatória.".

Apenas uns poucos produtores fortes ou associados a exibidores conseguem furar este verdadeiro bloqueio ao filme nacional. Mas todos os filmes de produção "independente" - 80 por cento da produção brasileira - caem neste esquema, segundo Olney.

"O exibidor, quando vê aproximar-se o prazo final para pagamento da lei dos 112 dias obrigatórios, pede à distribuidora ou à própria Embrafilme uma fita brasileira qualquer para exibição. Desta forma, abruptamente, sem publicidade, o filme brasileiro vai para as salas exibidoras. Depois, o exibidor alega que o filme não deu lucro e o tira rapidamente de cartaz".

O lançamento nas diversas praças de exibição também é realizado de maneira totalmente aleatória. "Um filme leva às vezes dois anos para ir de um Estado a outro".

"O Forte, por exemplo, foi lançado comercialmente em primeiro lugar na Bahia, em 1975, dando excelente renda. Mas isso de nada valeu e só depois de algum tempo na prateira, "O Forte" foi jogado em Brasília e Vitória (durante o carnaval". Agora chegou a São Paulo, devendo alcançar o Rio em agosto ou setembro".

"O mercado é o ponto vital da questão cinematográfica brasileira. Com um mercado potencial dos maiores do mundo, pouco adiantam incentivos governamentais ao nível de produção se os filmes não forem bem exibidos. E a recíproca não é verdadeira: se o mercado para filme brasileiro for bom, não são tão necessários os financiamentos da Embrafilmes. Uma vez que as fitas nacionais comprovadamente podem dar quatro vezes seu custo de produção, sempre terá gente investindo no cinema brasileiro", afirma Olney.

O primeiro longa-metragem de Olney foi "O Grito da Terra", lançado em São Paulo em 1965. O segundo, "Manhã Cinzenta", baseado nos conflitos estudantis de 1968, com cenas tomadas nas ruas do Rio, premiado na Alemanha Ocidental em 1970, na Semana Internacional de Mannheim, e interditado pela censura no Brasil.

Baiano, 40 anos, Olney formou-se como muitos outros cineastas de sua geração, na escola prática de documentários de curta-metragem. Segundo depoimento de Adonias Filho, o cineasta conseguiu transpor com felicidade a atmosfera carregada de "baianidade" de seu livro para o cinema.

"O Forte" - diz Olney - é uma história de amor, que aconteceu em um dos mais belos cenários do Brasil, a cidade de Salvador, com seus casarões coloniais, sua luz, seu mar, e o clima humano tão peculiar à terra".



terça-feira, 8 de outubro de 2019

Filmografia de Olney São Paulo


[1955] Um Crime na rua
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[1964] Grito da terra
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[1969] Manhã cinzenta
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[1970] O profeta de Feira de Santana

[1973] Cachoeira: documento da história

[1973] Como nasce uma cidade
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[1974] O forte
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[1975] Teatro brasileiro I: origem e mudanças

[1975] Teatro brasileiro II: novas tendências

[1976] Pinto vem aí
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[1976] Sob ditame de rude almajesto: sinais de chuva
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[1976] Última feira livre

[1976] Ciganos do nordeste
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[1978] Dia de erê

quinta-feira, 11 de julho de 2019

About the girl that dances - Manhã cinzenta, Gray Morning, Olney São Paulo, 1969



The feet of a girl; a mini skirt; she dances, lifts the feet without letting the toes abandoned the ground; it’s very important to stay in touch with the ground, gives perspective; and, in some cases, helps with a jump start. Everything that’s implicit in her figure, in her smart posture, everything that we don’t know about her yet.

She dances in front of a group of people, but they seem distracted. What distract them from the beauty of that young girl that dances so freely in front of them? Don’t worry, it will soon be shown. But before that, let’s stay in company of the young girl dancing, shall we?

Yes, it is a classroom, but nobody in there seems to be the professor. In place of this authority figure, an authority of a very different nature of the ones they are concerned about, the girl dancing. A radio plays rock and roll, the music that bangs in all the walls of the classroom, in all of the ears; but the ears of those students are functioning just like the walls, and repelling the music.

No, no, they are not like the walls. Some feet are moving under the desks. Some hands are tumbling over the books about psychoanalysis. The music makes some effect upon those young people, not enough for them to join the young girl in action. Mini skirt, open blouse, long hair loose, letting the hair join the music, letting the hair come and go. Outside the classroom, order dictates that everything needs to be contained, including the hair; to be brushed, tied down. Why does she need to be so expansive?

Dance is a subtle thing. But sometimes can be the opposite. She dances opening herself for the action, not joining the standing still folk that surrounds her. The song enters her ears and make provocations into her stomach, down her legs, till the tip of her toes; don’t be prostrate, the songs tells her, get up and move!

Something needs to be done, there is nothing to be done, but we done have to stay quietly waiting. So, Grey Morning, the movie we’ve been talking about this week, the movie we’ve been visiting at this piece, opens with the image of a young girl dancing. Conservative people get so angry with the way young people dance! Doesn’t feel so good inside you to make the world shake and abandoned its preconceived ideas that hold us back?

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Olney São Paulo and music - Gray Morning (manhã cinzenta, 1969)



Gray Morning is an audacious movie. The first characteristic that comes to mind is its soundtrack. Many film movements of the time were seeking to stablish proximity with younger generations. At the French cinema, filmmakers found this connection through jazz. At Great Britain, rock and roll. Hollywood was still struggling of how to rejuvenate itself. At Brazil, the avant-garde stablished ground at more distant places, marching through the forgotten depths of an urbanizing country that turned away their faces from the hungry and poor people that build their richness’s. The ‘cinema novo’ movement reached for the never shown faces of the true Brazilian people, the ones that doesn’t show up at magazines and doesn’t have a say at radio shows. To show these people is also to show their culture in every aspect, including its music.

The first long length feature realized by Olney São Paulo, Grito da Terra, follows this pattern. The songs sung by Fernando Lona are very characteristically rural, like the theme of the movie. Are heartfelt, and somewhat painful, songs about the life of those struggling to comprehend the intrinsic ways of nature, but more than that the disgraceful free movements of human greed. In his second movie a turn of events: not a rural scene, not a rural culture, not a rural tradition. Yet, the movie opens with a mass; a black mass, with tambours, with acoustic guitars, many voices singing in a non-coir fashion. The minute the opening credits end, a radical cut: a rock and roll; a girl dancing; its youth, its rock and roll, it’s the city, we are not at the Sertão anymore. There are pal trees in the back of the girl, outside the window.

The Brazilian intellectual scene of 1968 wasn’t understanding of rock and roll, the sold out music, the music of the American imperealism, of big capitalism. Rock and roll was a symbol of what was coming from outside to defeat Brazilian culture. At the same time, immerges from the center of Brazil intellectual scene the Tropicalia movement. And Olney was very fond of it, as we can see by the recurring insurgence of Caetano Veloso’s music in his movies, including Gray Morning. A movie that mixes a black mass with American rock and roll, with Tropicalia, that is in its own sense this mixture. A mix that was in the ears of that generation; a generation that had to dance rock and roll to keep standing, and had to pray to keep alive.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Gray Morning (Manhã Cinzenta, Olney São Paulo, 1969)



Gray morning (Manhã cinzenta) is a Brazilian movie by filmmaker Olney São Paulo. Born in 1936, Olney soon discovered his passion for the cinema, reuniting efforts and filming his first picture, Grito da Terra, before his 30th birthday. After this release, he moved to Rio de Janeiro, expecting to find a more prosperous scene for his filmmaking activities. The debut was Gray Morning, filmed during the riots of 1968.

Given the political nature of the picture, featuring images of student rallys, the 22 minute movie caught the attention of the dictatorial government installed in Brazil since 1964, which had strengthened its forces in order to impose a larger censorship on any oppositional movement.

The movie follows, in a non-chronological order, a group of students trying to stablish a fight against the dictatorial government. They are imprisoned, tortured and judged by a robot that follows each step they had taken. With the disorder of the narration line created by the author, the movie seeks to distance itself from the ready pre-conceived notions surrounding movie making. Cinema is an art, and a robot hasn’t the emotional abilities to make a work of art.

The unfortunate events that surround the movie’s characters went beyond the fictional world of robots to strike the author. Olney São Paulo was imprisoned by the Brazilian dictatorship in 1969, not before he was able to send his movie abroad – Gray Morning was exhibited in many film festivals around the world, such as Cannes, Viña del Mar and Oberhausen, while in his native country an illegal copy was privately projected for very close friends.

The filmmaker was tortured by military forces, under the allegation of conspiring with a guerrilla group that hijacked an air plane to Cuba. The allegations were cleared and the filmmaker liberated, not before the torture caused some serious damage to his health. Spite all that it is clear that the government was unwilling to let the filmmaker go without consequences for his outrageous sense of free-speech. The dictatorship burned all the Gray Morning copies they could find. Only one survived in Brazil, switched from its can with another one, at the Cinematheque of the MAM – the Modern Art Museum of Rio de Janeiro.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Peitos em lilás


(um comentário a Manhã Cinzenta e a liberdade de expressão cinematográfica)


Meu pai costuma contar a história de uma exibição do filme Manhã cinzenta realizada por ele tempos atrás. Finda a projeção, debate aberto. Uma das pessoas na plateia pede a palavra. Aponta para a imagem acima e diz que o filme é pornográfico. É um choque depois de assistir ao filme escutar tal referência. Pornográfico. Para quem proferiu tal dizer, pornografia é simplesmente apresentar uma mulher com peitos de fora. Eis que temos uma história da arte constituída de obras pornográficas.

Mas o caso aqui não é o de escrever sobre pornografia. Deixo este trabalho para Susan Sontag. O nu é visto com cautela e reserva por parte dos grupos mais conservadores da sociedade. Os artistas e suas obras são muito abertos para a representação do nu. Seja de forma direta como se apresenta na imagem acima, seja em suas formas abstratas como na pintura contemporânea. É um encontro com o natural por meio do corpo. A inteligência humana parece separar as pessoas do ambiente que as envolve. Humano e natureza parecem dois seres distintos. Certamente que em filosofia muito já se tratou desta separação. Em arte há a preferência pela união entre gente e natureza. Representação dos sentimentos, demonstração do animalesco humano.

O que há na cena de Manhã cinzenta? A mulher sem nome está em cárcere. Foi presa como subversiva pela ditadura fictícia da trama de ficção-científica do filme. Rasga a blusa com ferocidade enquanto diz que Aurelina tingiu a bandeira nacional de lilás. A cor da morte. O embate entre Abel e Caim. Blusa aberta, rompimento com a inteligência científica que separa humano da natureza. Peito aberto, a vulnerabilidade do animal humano. O seio que alimenta e dá vida à criança é o mesmo que se rompido, morte.

Lembro então outro filme que estive a assistir esta semana. Fahrenheit 451. Filme de François Truffaut. Um daqueles raros casos em que a adaptação cinematográfica em nada fica em débito com a obra original. E que ainda é capaz de trazer novas ideias para a obra original. A certo ponto do filme, o chefe de bombeiros se intromete na ilegal biblioteca que uma senhora guarda no sótão de sua casa. Devem queimar tudo. Porque os bombeiros agora queimam livros, ao invés de apagar incêndios. “Todos os livros devem ser queimados”, diz ele enquanto empunha Minha luta, de Adolf Hitler.

Manhã cinzenta foi proibido pela ditadura brasileira. Filme subversivo que trata da organização estudantil e da prisão de líderes estudantis durante a ditadura fictícia. São eles julgados por um cérebro eletrônico. O poder da ciência que nos separa dos animais que somos. Perante as máquinas surge a vergonha e os peitos devem ser guardados debaixo de panos para que não seja vista nossa inferioridade animal. Nosso perecer. Manhã cinzenta foi então destruído. Todas as cópias que chegaram às mãos do Estado. Chamas lançadas sobre o filme. Uma cópia permaneceu em território nacional, e é esta cópia que permite que hoje conheçamos o filme.

A quem fica o direito de abolir a existência de um filme? Ou de um livro? A moral aponta para os seios descobertos da mulher no cárcere e aponta: imoral. Ou melhor, pornográfico. A moral também aponta para Minha luta e diz: imoral. Em ambos os casos corre pelos braços a comichão de lançar fogo sobre ambas as obras. Que de forma alguma são iguais. De forma alguma partilham de mesma ideologia. Ambas encontram-se sob o mesmo fogo cruzado do germe do fascismo. O fascismo que nasce com Minha luta e que é denunciado por Manhã cinzenta. A primeira faz ode à destruição de livros. A segunda se opõe a ela firmemente.

A certo ponto do filme, o protagonista masculino senta a mesa de seu apartamento e lê uma passagem do livro A peste, de Albert Camus. Lemos:

“A multidão festiva ignorava o que se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece, fica dezenas de anos a dormir nos móveis e nas roupas, espera com paciência nos quartos, nos porões, nas malas, nos papéis, nos lenços – e chega talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acorda os ratos e os manda morrer numa cidade feliz”.

Hoje continuamos a ver o dedo em riste a apontar para as mais diversas obras artísticas e pronunciar: pornografia! O nu é criminoso! O sexo é uma corrupção dos seres! O nu e o pornográfico são lidos das mais diversas formas. É ode a crimes. Assim como acontece com Manhã cinzenta, a pornografia intentada não está realmente . É uma simplificação exagerada conceituar pornografia como a presença de um corpo nu. Mesmo que seja o corpo nu de um adulto. Por trás do dedo em riste está o julgamento moral que busca apontar para a diminuição da qualidade artística da obra. Pornografia é má, Manhã cinzenta é filme pornográfico, logo Manhã cinzenta é um mau filme. Que seja atirado ao fogo!

O bacilo da peste se alimenta do fogo. Ressurge em seu ápice quando as fogueiras são montadas. Invade a imaginação das pessoas causando um transe cego. Invoca-se demência e atira-se meninas adolescentes à fogueira. Invoca-se a demência judia dos artistas e atira-se seus livros à fogueira. Invoca-se a pornografia das más obras de arte dos ditos “intelectuais” e atira-as à fogueira. Na fumaça das fogueiras o bacilo da peste encontra transporte e quando caem as chuvas elas invadem as casas.

E assim, a peste se encontra habitando dentro de nossas casas por bastante tempo. Vive incrustada nos encanamentos e nos tempos de maior calor podemos sentir o odor da pestilência a subir pelos ralos. Inundam-nos os narizes, os olhos. A boca e os dedos. Guiam a voz alta e o dedo malicioso. Para a fogueira todos vocês! É preciso lavar o encanamento das casas, respirar o ar puro das paisagens. Não se deixar cair em transe. É preciso enxergar que com a letra A podemos escrever não somente ARMA, mas também AMOR.


Aqui jaz o endereço para assistir o filme e compreender que a pieguice do ultimo parágrafo é menção a passagem do filme em questão:
ou
o documentário realizado por Henrique Dantas sobre Manhã Cinzenta:

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A reversão da morte no cinema

entre Elena e Ser tão cinzento
"A morte é para ser o momento único por excelência. É em relação a ela que se define retroativamente o tempo qualitativo da vida. Ela demarca a fronteira entre a duração consciente e o tempo objetivo das coisas. A morte não é senão um instante depois do outro, mas o último. [...] Na tela, o toureiro morre todas as tardes." André Bazin, em Morte todas as tardes.
"aquele ou aquela que é fotografado é o alvo, o referente, espécie de pequeno simulacro, de eídolon emitido pelo objeto, que de bom grado eu chamaria de Spactrum da Fotografia, porque essa palavra mantém, através de sua raiz, uma relação com o 'espetáculo' e a ele acrescenta essa coisa um pouco terrível que há em toda fotografia: o retorno do morto." Roland Barthes, em A Câmara clara.

Essa é uma das características que mais arrepiam as pessoas que se deparam com a técnica de captação físico-química de imagens. Desde suas primeiras invenções mais populares, ainda no século XIX, a fotografia e por conseguinte o cinema, transtornam a mente das pessoas, seja de forma positiva ou negativa, com esta interação com o que antes não poderia ser mais que imaginado pela mente de um artista. Se desde o princípio das artes a representação das pessoas e de entidades é comum, agora temos a apresentação das pessoas em filme. Acompanhando a caminhada das ciências, as artes adentram neste campo do empirismo. A fotografia e o cinema são formas artísticas de se ter contato com o real (verdade, podem ser mais que isso, mas num primeiro momento são basicamente isso).

Em A câmara clara, citado no início desse texto, Barthes escreve sobre seu contato com uma fotografia. Um dos irmãos de Napoleão. Vendo a figura real daquela personagem histórica ele não pode deixar de dizer algo que escapa a muitos espectadores: estes foram os olhos que viram o imperador! As imagens fotográficas, sejam as estáticas ou as em movimento (cinema) são constantemente vistas como puramente aquilo que é dado tão somente ali. Aquele pequeno pedaço de papel ou aquela dança que se escorre num jogo de luzes. Mas o que apresentam é sempre mais. Há naquilo que foi retratado a possibilidade de imaginar a história anterior e posterior. Porque o retratado, coisa ou pessoa, possui uma história. Barthes, nascido no século XX se via incapaz de conhecer alguém que tivesse tido contato com o mítico Napoleão. Por meio da fotografia, esta barreira temporal foi quebrada. Ele não pode conversar com o sujeito fotografado, mas ao menos pode ter um contato ainda que breve. Quase como um show com Pete Townshend - o vejo, mas não posso falar com ele.


A fotografia desfez uma impossibilidade. E o cinema ampliou. Por meio da fotografia, posso ver quem aqui não mais está. Por meio do cinema, posso viver um momento com ele (graças ao aspecto temporal do dispositivo). Me encanto com o bailar de Chaplin em tela. Mesmo sabendo que aquilo não era tão natural quanto parece, que ele repetiu inúmeras vezes até chegar àquele momento, ainda assim posso compartilhar com este meu ídolo um momento de sua vida. E mesmo que aquele momento tenha durado pouco em sua vida, posso repeti-lo inúmeras vezes. É a morte do toureiro, referida por Bazin. A qualidade distingue cada um dos momentos, e a minha apreciação das cenas de Chaplin nem sempre se dará do mesmo jeito. Ainda assim, sou capaz de assistir e re-assistir a seus filmes diversas vezes e captar os momentos da vida deste maravilhoso Artista. E assim, aquele tempo passa a constituir o meu tempo subjetivo, a minha duração, de modos diversos, porque a minha apreciação é sempre diferente.

A minha apreciação de Chaplin, e a apreciação de Barthes da fotografia do irmão de Napoleão tem algo de comum. São duas figuras que não estão mais vivas e que nos é possível ter contato graças ao processo técnico de gravação de imagem(ns). Imagino o tempo em que não era possível fazer isso. Ter que ouvir as maravilhas de artistas performáticos somente pela memória escrita ou falada de quem viu. Deixar-me levar pelas impressões subjetivas que uma obra de arte impôs sobre alguém.


Com o desenvolvimento destas tecnologias, cada vez mais pessoas passaram a poder registrar fatos ou pessoas que lhes são importantes. E por meio desse registro fazer com que alguém viva para sempre. Há uma lenda muito comum no Brasil de tribo indígenas que tinham medo de ser fotografados, acreditando que por meio da fotografia sua alma seria roubada. Rendeu até mesmo um livro por Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel - não necessariamente sobre os índios. Isso é fruto de escárnio por parte de uns, mas por ser muito bem compreendido. Porque, quando me deparo com um filme como o de Chaplin, sou inundado por emoções diversas como se ele estivesse vivo para provocar-me todas elas - e, de certa forma, está.

***

O que me moveu a escreve esse texto foi o filme Elena. Apesar do burburinho gerado quando de seu lançamento, tempos atrás, somente pude vê-lo agora, em 2015 (apesar desse texto ser publicado em 2016). Filme-ensaio, a diretora Petra Costa se põe a falar de sua irmã mais velha, também artista. Queria fazer cinema, ela. E que outro modo melhor teria a diretora para poder contar a história de sua irmã senão por este meio?


Uma coisa me deixou muito incomodado logo de início. São muitas as imagens soltas preenchidas pela narração oculta da diretora. O cinema parece perder seu sentido. Sendo a arte das imagens em movimento, porque contar uma história sem se valer das "imagens em movimento"? Esse questionamento me abandonou tão logo surgem as primeiras imagens caseiras de Elena. Foram feitas com uma câmera que a então menina ganhou de aniversário, nos confidencia a diretora-narradora. As imagens familiares não ocupam todo o filme, e nem deveriam. As imagens soltas, que podem nos provocar algumas sensações, que são unidas a imagens que ressaltam o caráter ensaístico do filme, não fazem mais do que ampliar nossas percepções históricas. Elena, a protagonista do filme, foi uma pessoa real. Ela possui uma história. E, se as imagens arquivadas pela família não podem compreender toda a sua vida, nos é dado tempo para que possamos imaginar estas elipses. Tal como os olhos do irmão de Napoleão.

Elena passou a viver de novo por meio de um processo de ressuscitamento por sua irmã. Ela renasce a cada sessão. A cada visionamento do filme. Ela deixa de viver somente na memória daqueles que com ela conviveram para tornar-se um ser real vivente. Como os personagens que habitam a ilha do romance de Bioy ou como os personagens cinematográficos de A rosa púrpura do Cairo. Ainda que sua morte seja documentada no processo do filme, na sessão seguinte ela renasce para dançar. É compreendendo isso que Petra Costa encerra seu filme não com o laudo médico que anuncia a causa da morte da irmã, mas com uma dança dela. Elena morreu, mas vive no cinema.


Não diferente é o que faz outro cineasta brasileiro, Henrique Dantas, com seus filmes dedicados à memória do cineasta Olney São Paulo. Desta vez, ao se referir a uma personagem que não aparece na frente, mas atrás das câmeras, o processo de ressuscitamento desta personalidade não pode ser feito por meio das imagens em movimento em que apareça o próprio Olney. Sendo ele cineasta, sua vida pode ser reconstruída por meio de sua obra. É um processo semelhante ao realizado por Alain Resnais em Van Gogh e Gauguin. Ainda que nestes curtas o cineasta francês tenha buscado narrar a vida de seus personagens tal como tenha acontecido, ele deixou uma brecha para um modo de realização cinematográfica: o artista está vivo em sua obra.

Olney, presente em fotografias, está vivo por meio de suas ideias na mesma medida em que os filósofos da Grécia antiga em diálogos. Seu pensamento persiste. Henrique Dantas projeta os filmes do cineasta sertanejo nos cenários de sua vida para poder preenchê-los com a presença deste que não mais pode estar ali. Olney morreu em pessoa, mas permanece presente enquanto ideia. Enquanto pensador. Enquanto influência. Qual a particularidade dos seres humanos senão a racionalidade? Se perco um braço, as duas pernas, não deixo de ser humano. Minha identidade enquanto humano está em minha racionalidade. E a racionalidade de um artista se expressa por meio de sua obra. A obra lançada ao mundo é eterna enquanto haja seres inteligentes para abraçá-la. Em Ser tão cinzento, Henrique leva Olney, ideia, aos espaços em que ele, um dia, viveu. Por meio dessa relação, o cineasta personifica seu personagem. Dá-lhe corpo. Presença.

Olney São Paulo
A morte deveria ser aquele momento único, ao qual seríamos incapazes de retornar ou mesmo de desfazer. "Imagino a suprema perversão cinematográfica", escreve Bazin, "como sendo a projeção ao inverso de uma execução". É verdade. O cinema corrompe a natureza ao desfazer a morte. Claro que tudo isso aparece somente naquele mundo paralelo ao nosso, o mundo interior à tela de cinema. Mas é sempre muito interessante poder ver esta corrupção tomando corpo.

Filmes como Elena e Ser tão cinzento são feitos a partir da memória. Seja dos criadores ou dos entrevistados. Mas eis que se constitui uma memória universal. Bogart, Chaplin, Lilian Gish não mais vivem, e ainda assim nos aparecem vivos. Não convivemos com eles, e ainda assim podemos partilhar com eles uma memória. A memória do olhar da florista. Do sorriso forçado com dois dedos. Porque este é o começo de uma bela amizade que re-começa a cada nova sessão.


Algumas referências:
Morte todas as tardes, de André Bazin, publicado em português em A experiência do cinema, organizado por Ismail Xavier.
A câmara clara, de Roland Barthes, publicado em português pela editora Nova Fronteira.
Assista ao filme Ser tão cinzento.