Entre os filmes que eu nunca vi, não há somente Outubro, Trágico amanhecer e Bambi. Há também o obscuro Kapò. Filme sobre os campos de concentração, rodado em 1960 pelo cineasta italiano de esquerda Gillo Pontecorvo, Kapò não firmou seu nome da história do cinema. Serei eu o único, nunca o tendo visto, jamais tê-lo esquecido? Porque eu não vi Kapò mas, ao mesmo tempo, vi. Eu vi porque alguém - com palavras - me mostrou. Só conheço esse filme, cujo título, como uma senha, acompanhou minha vida através de um curto texto: a crítica que dele fez Jacques Rivette em junho de 1961 nos Cahiers du Cinéma. Era o número 120, e o seu artigo se chamava "Da abjeção". Rivette tinha trinta e três anos e eu tinha dezessete. Acho que nem tinha pronunciado a palavra "abjeção" em minha vida. Em seu artigo, Rivette não contava o filme. Ele se contentava, em uma frase, em descrever um plano. A frase, que ficou na minha memória, dizia assim: "Vejamos agora, em Kapò, o plano em que Riva se suicida, se jogando sobre o arame farpado eletrificado: o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscreve exatamente a mão levantada num ângulo do enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo desprezo." Dessa forma um simples movimento de câmera poderia ser um movimento a não se fazer. Aquele que era necessário - à evidência - ser abjeto para fazer. Bastava ler essas linhas para saber que seu autor tinha toda a razão.
Abrupto e luminoso, o texto de Rivette me permitiu colocar palavras sobre esse olhar da abjeção. Minha revolta tinha encontrado palavras para se manifestar. Mas tinha mais que isso. Tinha que a revolta estava acompanhada de um sentimento menos claro e sem dúvida menos puro: o reconhecimento consolador de ter adquirido a minha primeira certeza de futuro crítico. Ao passar dos anos, com efeito, o "travelling de Kapò" foi o meu dogma de carteirinha, o axioma que não se discutia, o ponto limite de todo debate. Com qualquer um que não sentisse imediatamente a abjeção do "travelling de Kapò", eu não teria, definitivamente, nada a ver, nada a partilhar.
Esse tipo de recusa estava, aliás, no ar da época. Pelo estilo irritado e excedido de Rivette, eu sentia que furiosos debates já haviam acontecido e me parecia lógico que o cinema fosse a caixa de ressonância privilegiada de toda polêmica. A guerra da Argélia, por não ter sido filmada, fazia suspeitar de toda representação da História. Qualquer um parecia compreender que pudesse haver - mesmo e sobretudo no cinema - figuras tabus, facilidades criminais e montagens proibidas. A fórmula célebre de Godard vendo nos travellings "uma questão de moral" era aos meus olhos um desses truísmos sobre os quais não se questionava. Não eu, ao menos.
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