terça-feira, 17 de junho de 2014

Lírio Partido de D. W. Griffith (broken blossoms or the yellow man and the girl, 1919)


direção: D. W. Griffith;
roteiro: D. W. Griffith, Thomas Burke (baseado em sua obra);
fotografia: G. W. Bitzer;
estrelando: Lilian Gish, Richard Barthelmess, Donald Crisp.

Em sua série sobre a história do cinema, Mark Cousins coloca o cineasta D. W. Griffith em seu devido lugar no mundo do cinema. O cineasta estadunidense normalmente é tido como o criador da linguagem cinematográfica, quando na verdade ele foi quem conseguiu, em seus épicos mudos, juntar a terminologia do cinema (diferentes planos em uma cena, a forma da montagem...) em um mesmo filme. Isto foi feito em Nascimento de uma nação e Intolerância, dois filmes que contam com algo em torno de três horas de duração nas quais o cineasta consegue estruturar todas as formulações da linguagem cinematográfica e sua montagem que possibilitava uma continuidade da narrativa apresentada não necessitando permanecer em um mesmo plano ou em um mesmo ambiente.

Mas não é nenhum destes dois filmes clássicos que é considerado por grande parte da crítica como sendo o melhor filme do cineasta, mas sim Lírio partido, um filme sentimental em que o melhor de Griffith se apresenta de maneira poética, casando com uma apresentação magnífica de sua colaboradora corrente: Lilian Gish. É neste filme em que todo o poder da câmera pode ser demonstrado já que, por saber até onde era capaz de ir seguindo a gramática cinematográfica, Griffith sabia como conseguir o resultado esperado. E a escolha por filmar um melodrama é mais do que simbólica, porque é no melodrama em que reside a linha mais tênue de todos os gêneros a serem trabalhados no cinema. O risco que um cineasta corre ao filmar um melodrama é enorme, de ter como produto final um filme enfadonho e cansativo com pessoas chorosas. O risco de o público não conseguir se identificar com as personagens apresentadas e de, até mesmo, repudiá-las é maior do que em qualquer outro gênero. Passar pelo desafio de filmar um melodrama é um risco que Griffith aceita e do qual obtém êxito.


Um dos trunfos de Griffith ao saber utilizar a linguagem cinematográfica (sendo melhor termo para defini-lo não de criador, mas o sistematizador da linguagem cinematográfica) é a sua capacidade de contar história se valendo de caracteres fílmicos para poder contar o seu drama e criar toda a atmosfera emocional exigida pala história contada. Saber pontuar os momentos em que seria inseridos os close-ups em um filme é a sua marca registrada. É conhecida a história de que o filme era inicialmente montado e, depois de assistir a esta primeira versão do filme o diretor pontuava em quais momentos necessitaria incluir os close-ups. Os close-ups no cinema de Griffith servem, assim, como sinais de pontuação que exclamam um determinado sentimento que o protagonista da história está a sentir e, por conseguinte, o espectador.

Quando Lucy (Lilian Gish) está encurralada no armário para se proteger de seu pai abusivo, o diretor se vale de um close-up não apenas para mostrar mais nitidamente para o espectador como está o personagem, mas para que este possa sentir como está aquele personagem que ele vem acompanhando há pouco mais de uma hora. O close-up serve como uma ponte entre o emocional do espectador e do personagem, e aquele sentimento que é representado arrebata a quem assiste ao filme tal como se estivesse a viver a história. É o momento em que sentimos pena de Lucy, queremos salvar, queremos gritar para alguém salvá-la, mas somos impotentes. O close-up nos aproxima de uma realidade que não existe, nos mergulha nela. 


Interessante nesta aspecto podermos fazer a comparação entre dois cineastas contemporâneo (na verdade até mesmo sócios de um mesmo estúdio): D. W. Griffith e Charles Chaplin. Enquanto Griffith se vale de close-ups para criar esta pontuação do sentimento que a cena apresentada expressa, Chaplin não se utiliza desta técnica em seus filmes, mesmo em um filme tão sentimental como O garoto. Talvez o único close-up da obra chapliniana seja o close final no rosto de Carlitos quando ele reencontra a garota cega e ela o reconhece. Mas para Chaplin a movimentação do ator em cena poderia dizer muito mais do que a proximidade da câmera de seu rosto poderia mostrar. Chaplin por possuir uma formação do teatro passou grande parte de sua obra em construções como esta, ao passo que Griffith exercitou seu fazer cinematográfico apenas por trás da câmera. 

E o que seria de Lírio partido sem Lilian Gish? A atriz, quando da filmagem tinha 22 anos, mas interpretava uma adolescente de 14 ou 15 anos, consegue arrebatar a atenção do espectador se destacando frente a todos os demais atores que com ela contracenam. É belíssima as imagens que Griffith faz dela, seu rosto sofrido, seu caminhar penoso, seu olhar sem esperanças e sempre guardando algumas lágrimas no canto. Não é a toa que o cineasta sempre esteja pronto para fazer um close-up dela. De um rosto frágil como o de Gish, Griffith conseguiu extrair o significado do que foi, é e será o cinema de melodrama, e a beleza que pode ser extraída da tragédia humana.

Um comentário:

Amplexos do Jeosafá disse...

Gostei do que li. Obrigado.