sábado, 21 de junho de 2014

Hiroshima, Meu Amor de Alain Resnais (Hiroshima, mon amour - 1959)


direção: Alain Resnais;
roteiro: Marguerite Duras;
fotografia: Michio Takahashi, Sasha Vierny;
edição: Jasmine Chasney, Henri Colpi, Anne Sarraute;
estrelando: Emmanuelle Riva, Eiji Okada.

Hiroshima, meu amor foi lançado no Festival de Cannes de 1959 em um momento que pode ser considerado o ápice da chamada nouvelle vague. O longa-metragem de estreia de Alain Resnais criou em torno de si um burburinho que se tornou, muito rapidamente, um estrondo demorado. Tão logo de seu aparecimento na sala de cinema do festival ele fora comentado e analisado por muitos críticos que ficaram boquiabertos com uma obra peculiar. De fato, Resnais se apresenta com este filme como um dos cineastas mais criativos da nouvelle vague. Junto a Jean-Luc Godard, ele procurou desenvolver uma estética diferenciada para um cinema particular que visava desenvolver. É muito interessante neste sentido nos depararmos com alguns textos escritos na época, quando o cineasta era ainda uma novidade e ninguém sabia que aquela obra ainda ganharia algumas parceiras para acompanhá-la pelo percurso da história do cinema. A tentativa dos críticos e estudiosos de desvendar o mistério que é Hiroshima, meu amor é prazerosa para todos aqueles que também ficaram atormentados com o filme. Digo o mistério que é Hiroshima, meu amor porque mesmo hoje, depois de diversos filmes feitos pelo cineasta - desde os mais palatáveis como Ervas daninhas até os mais complexos como O ano passado em Marienbad - este filme continua um filme belíssimo para os olhos, mas dificílimo para se escrever alguma coisa sobre. 


Alain Resnais é um cineasta que muito admiro. Gostaria de que houvessem mais diretores como ele mundo afora, mas não existem. Talvez este seja o lado positivo da coisa, é o que o faz único e tão impressionante. Nesta sua estréia o filme é difícil de ser analisado, mas muito fácil de ser sentido. É o resultado da parceria de Resnais com a escritora Marguerite Duras. Resnais parece neste ponto ter noção de seu cinema cerebral e para poder combater o tédio que poderia causar uma obra somente racional ele chama para acompanhar-lhe nesta empreitada uma escritora, para adicionar a este trabalho uma história. É o que faz deste filme tão espetacular e o mais famoso da carreira de Resnais. Ele consegue aquilo que muitos diretores de vanguarda não conseguem entender: o cinema é antes de qualquer coisa um entretenimento, logo deve contar uma história. Aliar uma história a uma forma cuidadosamente pensada e milimetricamente executada confere à obra o caráter de obra de arte.

Mais ainda do que seu filme seguinte, devo dizer. O ano passado em Marienbad, apesar de ser um filme espetacular que mesmo hoje, em 2014, não envelheceu, é somente uma obra para apaixonados por um cinema provocativo. Hiroshima, meu amor, é um filme que também não envelheceu porque não procura ser datado. É algo que muito facilmente acontece com outros filmes que procuram fazer de sua representação uma denúncia social. São filmes que ficam marcados com o espírito de um tempo, não causando o mesmo impacto décadas depois. É um filme sobre pessoas de qualquer período. Mais do que ser um filme sobre pessoas é um filme que procura quase uma resposta filosófica a um tema que Alain Resnais viria a buscar em outros filmes de sua carreira (como o já citado O ano passado em Marienbad): a memória.


Partindo de um tema tão diferente para a construção de um filme é que Alain Resnais consegue encontrar o trunfo que faz dele um mestre. A memória é um tema muito pouco trabalhado no cinema e quando trabalhado os diretores se valem de lugares-comuns que fazem de suas obras muito parecidas com todas as outras que trabalham com o tema. É no cinema de Resnais que encontramos toda a complexidade do tema que podemos encontrar em estudos filosóficos. E, neste século do cinema, não existira veículo melhor para poder apresentar uma reflexão sobre tema tão importante. Importante porque a memória se apresenta por meio de representações imagéticas que nos remetem a um passado vivido. É por meio destas representações imagéticas que também trabalha um cineasta, e é por meio delas que Resnais procura desvendar os mistérios por trás da memória.

Hiroshima, meu amor nos apresenta uma atriz francesa que se encontra em Hiroshima para fazer um filme sobre a paz. Lá ela encontra um jovem morador da cidade que não sofreu com o tormento da bomba atômica atirada sobre a cidade, porque estava a lutar pelo exército nipônico durante a guerra. Eles se encontram na cidade e iniciam um romance. O conflito das memórias dos personagens, em especial dela, se encontram desde os primeiros momentos do filme. É neste primeiro momento, em que ela diz ter lembranças de Hiroshima enquanto ele nega que fica a pergunta no ar: poderíamos criar lembranças de coisas que não vivemos? A memória pode trabalhar com aquilo que é apresentada àquele que irá reter a lembrança. Por isso é possível que a atriz francesa, quando confrontada com as imagens das vítimas da bomba no museu criado na cidade para manter viva esta lembrança (porque é para isto que os museus servem), tenha visto as imagens de arquivo do museu e transformado-as em suas próprias memórias. Ela as viu, e é como se tivesse vivido-as. 


Transforma-se neste caso um embate com o próprio cinema (e esta provocação pode ser notada quando, em meio a cenas reais dos feridos pela bomba, Resnais insere um filme de reprodução, com atores reproduzindo as pessoas feridas no momento logo após a explosão da bomba). Se assisto a um filme, a lembrança do que nele se passou é de fato minha? Não vivi o filme, apenas estive em frente a ele. As imagens que nele aparecem são impressas em minha mente, mas não são vividas por mim, mas pelos personagens na tela. Seriam as lembranças de um filme que assisti memórias minhas, de algo que vivi (o filme que assisti) ou seria uma memória criada a partir de algo com que me deparei (uma obra de ficção)? Ah!, Hiroshima, meu amor, um filme que nos deixa com mais perguntas do que respostas...

[leia também: Você não viu nada em Hiroshima e O esquecimento começa pelo olho]

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