Continuando em sua saga de documentação de um processo político caótico, Patricio Guzman chega, enfim, no derradeiro momento. O golpe é efetuado. Mas em seu processo de construção didática de seu arquivo, é necessário que muito mais seja dito. E assim, a história se segue aos fatos em que havia terminada a primeira parte de A batalha do Chile. Se lá a burguesia se levantou contrária ao governo de esquerda de grande apoio e apelo popular, aqui será visto o imenso estrago que este levante é capaz de fazer.
A primeira parte termina com o assassinato de um câmera pelas forças militares golpistas. O que não fica explicado neste primeiro momento é que os diversos ataques efetuados por parte dos militares revoltosos não resultou de imediato no golpe. E que nem todos os setores do militarismo chileno deu apoio à derrubada da democracia. Os revoltosos, de cabeça baixa, entregam-se após muito terem feito no país - mortes, destruições. Mas dentro desta cabeça está a maquinação mais complexa de como o golpe deve ser efetuado para que tenha sucesso.
O sucesso do golpe, o narrador nos diz, vem de seu apoio externo, da Casa Branca. Temendo mais um governo comunista em seu quintal, os estadunidenses junto com seu serviço de inteligência, a CIA, passam a tramar a derrubada do presidente Salvador Allende frente à sua política de viés marxista e que cada vez mais vinha sendo vista com bons olhos pela população. Tão poucas vezes se viu uma população de um país abraçar seu governante assim, mesmo que o governo esteja passando por maus bocados, como era o caso. O boicote dos empresário é enxergado em seu cerne: um conflito de interesses políticos. A população não se cega.
Mas este lado - o da população - é deixada de lado, por enquanto, por Guzman que prefere narrar a sucessão dos fatos que levam ao golpe. Buscando uma aproximação com os militares, Allende cria uma secretaria de diálogo com os mesmos. Trás ao seu lado algumas das chefias do exército e da marinha que se puseram fortemente contrários ao golpe, seguindo a constituição. A atitude do presidente é má vista por muitos, especialmente em alguns setores da esquerda, que veem os militares como ganhando mais poder.
O que acontece em seguida é a demonstração de que não há acordo e de que para mais uma tentativa de instauração de um golpe é questão de tempo. Um dos militares constitucionalistas é assassinado num atentado. O militar em questão era uma das figuras chamadas por Allende para fazer parte de seu conselho. No funeral a imagem síntese do momento: Allende cercado por diversos militares. Os trajes militares, os quepes. Os rostos impassíveis. O que poderia estar passando por trás daqueles rostos todos? A câmera em zoom varre aquelas figuras partindo do rosto do presidente em meio a todos eles. O presidente cercado. O presidente sem ter para onde ir. Um prenúncio do ataque que viria a sofrer.
Neutralizando os militares constitucionalistas, os golpistas aproveitam para, num 11 de setembro, efetuar sua busca de tomada de poder. Tomam as forças de proteção do país e da população para atacá-los. Bombardeiam o prédio da presidência, de onde Salvador Allende só sairá morto.
Do alto das sacadas dos prédios, escondidos por trás de muros e corrimão de escadas, os câmeras documentam todo o processo de ataque dos militares. Os aviões que cortam o céu, as bombas que explodem no telhado de La Moneda. Mas a imagem que realmente mostra a queda do presidente não é esta, e sim aquela do funeral. Aqui, em meio ao bombardeio, não vemos o presidente. Lá sim. Um presidente encurralado. Um homem que conseguiu chegar ao governo do país graças ao povo, mas que não tinha o poder em mãos. E não teve o aval de possuí-lo.
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