direção: Nuri Bilge Ceylan;
roteiro: Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan, Ercan Kesal;
fotografia: Gökhan Tiryaki;
Assisti
Era uma vez na Anatólia há alguns
dias. O filme permanece em minha mente. Como costuma acontecer quando
assistimos a bons filmes. Algumas cenas muito me impressionaram. Deixam
marcadas suas presenças na tela. Inscrevem-se em nossa memória para que
possamos lembrar-nos dela em algum momento. Passam a ser referencial para obras
futuras. No meu caso, o nome deste filme permaneceu em meio as minhas lembranças
desde seu lançamento. Não tive oportunidade de assisti-lo antes. Agora que
pude, vejo que não me fiz um desfavor em guardar por tanto tempo o nome de tal
filme. E como ele soa bem em meus pensamentos: Era uma vez na Anatólia. Apesar de ser um título que possa evocar ao
cinema de Sergio Leone, o estilo cinematográfico de seu autor lembra muito mais
outro cineasta: Andrei Tarkovski. Comentei sobre esta relação no texto que escrevi
aqui no blog sobre outro filme de Ceylan, Distante.
Quanto
ao filme, trata-se de um percurso. Um grupo de policiais, junto a um médico
legista e um promotor, acompanham dois presos na busca pelo corpo de um homem
que eles mataram e enterraram. Grande parte do filme se passa em uma única
noite, durante esta viagem por entre a paisagem turca. Os três carros são a
única fonte de luz que nos permite enxergar os movimentos dos personagens. E
que bela luz estes carros fornecem! Enquanto os automóveis cortam as estradas, a
câmera de Nuri Bilge Ceylan os filma de longe. Mesmo estando tão distante de
seus personagens, somos capazes de escutar o que eles dizem. Escutamos suas
conversas banais, sobre o cotidiano.
O
carro para diversas vezes. Os presos não conseguem lembrar-se onde enterraram o
corpo. Um dos policiais fica cada vez mais irritado. Acredita que os presos o
fazem de bobo. De que tudo aquilo não passaria de uma brincadeira para eles.
Mas não é isso que Ceylan nos mostra. Há algo mais profundo naquela relação
entre os presos e o assassinato do que poderemos descobrir. Porque o passado
está enterrado, e não podemos acessá-lo a não ser com a colaboração da memória
de quem o viveu. E se quem o viveu não tem interesse em conta-lo, não poderemos
conhecê-lo. Ou poderemos?
Em
uma destas paradas, uma cena estranha. E ainda assim, belíssima. Uma macieira
ao lado da estrada, cheia de maçãs torna-se uma tentação para um dos policiais [imagem acima].
Ele pula e agarra um dos galhos. Neste ato agressivo, muitas maçãs
despencam da árvore em direção ao chão. O policial se contenta em pegar apenas
uma. As outras rolam morro abaixo. Enquanto ouvimos a conversa dos policiais, a
câmera de Ceylan segue uma das maçãs em seu percurso que ninguém ali presente
acompanha. A maçã passa por entre o mato até cair num córrego. A água a
empurra, forçando-a a permanecer em movimento. Neste percurso vemos outras
maçãs que também caíram no córrego e que tiveram seu movimento interrompido por
alguma coisa. Mas a maçã que seguimos não é parada por nada. Esta cena é
cortada sem que possamos ver o destino da maçã. Voltamos para o grupo
conversando.
Nesta
mesma cena, um dos policiais conversa com o médico. Enquanto ele fala, a
câmera passeia mostrando-nos os rostos das pessoas. Até mesmo do policial que
fala. Mas sua boca não se move. Ainda assim, o ouvimos.
A
caravana para num vilarejo. O grupo se alimenta na casa de um conhecido dos
motoristas. A ventania os faz ficar sem eletricidade. A cena fica escura, mas
ainda assim vemos os personagens sentados na sala da casa simples do homem. Em
determinado momento sua filha adolescente aparece com uma bandeja com um
lampião. Na bandeja, além da fonte de luz, ela trás chá. Oferece para cada um
dos homens. Esta visão os impressiona. A jovem é de uma beleza estonteante. A
luz que ela carrega realça sua presença naquele lugar. Todos os homens ficam
impressionados. Um dos presos, ao vê-la, chora.
Era uma vez na Anatólia
causa certos arrepios. As cenas descritas são exemplo disso. Há um crime, que
não nos é explicado. Não sabemos o desenrolar da história. Vemos apenas os
carros que cortam a Anatólia. As estradas vazias de Anatólia. Os carros que descem os
morros. Tal como a maçã. E tal como o movimento da maçã, não vemos o final.
Acompanhamos a autópsia do corpo, que enfim, encontram. Mas nada mais. E ainda
assim, não fica a sensação de que faltou algo. Fica a sensação de mistério.
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