terça-feira, 21 de outubro de 2014

O estado das coisas de Wim Wenders (der stand der dinge, 1982)


direção: Wim Wenders;
roteiro: Wim Wenders, Robert Kramer, Josh Wallace;
fotografia: Henri Alekan, Fred Murphy, Martin, Schafer;
estrelando: Patrick Bauchau, Paul Getty Jr, Samuel Fuller, Roger Corman.

Este é um filme de Wim Wenders que sempre chamou minha atenção, mas que nunca havia tido a oportunidade de assistir. Finalmente pude fazê-lo. Encontrei uma obra interessante. De um cineasta maduro e ciente das escolhas que faz. Escrevo isto porque em diversos momentos da obra são feitas ligações e citações de outras obras que podem soar como meros maneirismos, como citação de cinéfilo para atrair o mesmo de sua espécie, mas que na verdade guardam dentro de si certas metáforas e jogos imagéticos com o próprio filme, com a própria trama, que se desenrola.

Num primeiro momento a equipe filma uma história de ficção científica. O diretor Friedrich Munro volta-se para o câmera indicando a filmagem que farão em seguida. Mas não tem mais película para que seja continuada a gravação do filme. A equipe resolve aguardar no hotel a volta do produtor Gordon que voltara para Los Angeles sob a promessa de conseguir o dinheiro para continuar o filme. Enquanto esperam, Wenders filma a relação dos membros da equipe em cenas curtas, quase como se estivesse a fazer crônicas da vida daquelas pessoas. 


O mais interessante deste primeiro momento são as cenas quando toda a equipe se encontra no restaurante do hotel. Todos falam, mas parece que quase ninguém consegue se entender. A câmera de Wenders, tal como a da garotinha filha de um dos membros da equipe, que filma com uma câmera super-8 o cotidiano daquelas pessoas naquele hotel abandonado. Ela passeia lentamente num travelling lateral para que possa enxergar a todos de cada vez. 

Uma destas cenas breves apresenta um dos poucos casais que nos aparecem em cena. Ele, com uma máquina fotográfica num morro, pede para que seu companheira permaneça parada para que ele possa fotografá-la do alto do morro. Ela, assim que ele dá as costas, caminha e sai do lugar que seu companheiro lhe havia pedido. Este eco do pessimismo do cinema europeu surge de modo explícito neste conjunto de cenas que formam a parte do filme correspondente às filmagens em Portugal.

Quando finalmente o diretor Friedrich Munro encontra o seu produtor desaparecido na segunda parte do filme, Gordon (o produtor agora encontrado) conversa com um amigo seu que o ajuda a manter-se escondido enquanto Munro apenas o observa. Tentam lembrar-se de filmes e dos atores que deles participaram. A estética empregada por Wenders neste momento remete a tais filmes. A cena é filmada dentro do trailer em movimento. Gordon foge de alguém a quem deve dinheiro e por isso não pode ficar parado em um local. É curiosa a câmera de Wenders nesta cena. Não são feitos muitos cortes, tal como é comum ao cinema hollywoodiano, mas ainda assim está ali impressa a característica essencial deste cinema: contar histórias. Se na primeira parte do filme temos uma equipe a espera de seu produtor, agora temos uma história de perseguição com cheiro de morte.


Tal como quando estava em Portugal, a trama desenvolvida em Los Angeles segue um mesmo caminho, apesar de ser contada de forma tão diferente. Se num primeiro momento há a negação de filme de gênero, agora, na terra do cinema de gênero  (Hollywood) é necessário que ele se faça presente. Mas o pessimismo encontrado por Wneders em terras portuguesas encontra-se nos EUA. A grande maioria das histórias são sobre morte e amor, fala Gordon em determinado momento. Este tom pessimista é encontrado por Wenders tanto na cinematografia europeia quanto na cinematografia norte-americana.

Em O estado das coisas a mudança de ambientação provoca a mudança de filme. Se antes tínhamos um filme europeu sobre uma equipe de cinema que espera a volta de seu produtor e, por conseguinte, de dinheiro para continuar as filmagens, quando o personagem do diretor chega aos EUA a película de Wenders torna-se um filme policial em que gangsters estão em busca do produtor desaparecido. Se no hotel abandonado de Portugal uma das atrizes lia o texto que inspirou Rastros de ódio de John Ford é porque, tal como o personagem encarnado por John Wayne no cinema, o diretor necessitará se embrenhar pelas terras dos bárbaros para poder encontrar a pessoa perdida.

Mas estes filmes que se diferem em forma, se assemelham em conteúdo. A diferença se dá no tratamento deste conteúdo. Enquanto o cinema europeu enxerga este mal-estar com seriedade excessiva, o cinema hollywoodiano faz dele um espetáculo. No primeiro caso o tema é questionado e faz o espectador questionar. No segundo caso ele é apresentado, mas não deve ser levado tão a sério assim: é só cinema. O que Wenders nos propõe com esta visão é mostrar que um não é inferior ao outro: trata-se de formas diferentes de se abordarem uma mesma temática porque se tratam de culturas diferentes.

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