quinta-feira, 3 de julho de 2014

Charles Chaplin (Bazin escreve sobre Chaplin)

(esta postagem faz parte do conjunto de postagens publicadas aqui no blog em comemoração do centenário de estréia de Charles Chaplin no cinema)


"O que faz Carlitos correr?
Mas a continuidade e a harmonia da existência estética de Carlitos só poderiam ser apreendidas através dos filmes por ele vividos. O público o reconhece pelo rosto, sobretudo pelo bigodinho em trapézio e o passa de ganso, que, mais que o hábito, tampouco faz o monge. Em Pastor de almas, Carlitos aparece apenas como detento e clérigo, e em numerosos esquetes veste o smoking ou o fraque elegante de milionário. Mas essas referências físicas teriam pequeníssima importância se não discerníssemos, em primeiro lugar, os constantes aspectos internos realmente construtivos do personagem. Estes são menos fáceis de definir ou escrever.
Podemos tentar fazê-lo segundo sua maneira de reagir a um tipo dado de acontecimento. Por exemplo, a ausência completa de obstinação quando o mundo lhe opõe uma resistência grande demais. Busca então contornar a dificuldade em lugar de resolvê-la; uma solução provisória lhe basta, como se o futuro não existisse para ele. Em Pastor de almas, por exemplo, apara um rolo de pastel sobre um móvel com uma garrafa de leite que irá se servir instantes mais tarde: o rolo naturalmente cairá sobre sua cabeça. Mas se o provisório sempre lhe basta, ele dá provas, no imediato, de uma engenhosidade prodigiosa. Nunca uma situação o deixa desamparado. Para ele, tudo tem solução, embora o mundo - e talvez o dos objetos ainda mais que o dos homens - não seja feito para ele."


(André Bazin em "Charlie Chaplin")

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