terça-feira, 13 de maio de 2014

Dr. Fantástico de Stanley Kubrick (dr. Strangelove or: how I learned to stpo worrying and love the bomb, 1964)



direção: Stanley Kubrick;
roteiro: Stanley Kubrick, Terry Southern, Peter George (roteirista e baseado em seu livro);
direção de fotografia: Gilbert Taylor;
estrelando: Peter Sellers, George C. Scott, Sterling Hayden, Slim Pickens.

É lugar-comum afirmar que Stanley Kubrick é um gênio. Mas a cada vez em que assisto a um filme seu, sinto a necessidade de fazer esta afirmação. Kubrick não tem qualquer formação cinematográfica (acadêmica). Na verdade sua formação vem da fotografia, já que quando jovem ele foi fotógrafo da revista Look, e andava por Nova York, Chicago e algumas outras cidades dos EUA fotografando para a revista. Esta sua formação como fotógrafo em muito influenciou a sua carreira como cineasta, a sua preocupação com o espaço, como ocupá-lo, como preencher a tela, como iluminar os locais. Esta preocupação já era latente em A morte passou por perto, segundo longa-metragem de Kubrick filmado de forma amadora, embora quem assista acredite que se trate de um filme profissional, feito por pessoas da área, (e no caso de ser uma película estadunidense) sindicalizadas.

Digo que a preocupação de Kubrick em preencher os espaços do quadro é nítida porque é por meio deste trabalho em que podemos, enquanto espectadores, sentir o que está a ser feito pela cabeça por trás do filme. No caso deste "Dr. Fantástico", filme satírico acerca do exército estadunidense e a política referente ao armamento, as imagens não poderiam senão caminhar junto com este tom de sátira dado por Kubrick à discussão de uma guerra nuclear. Quando filma o general Jack Ripper (Sterling Hayden), lhe é dada a ideia de um sujeito superior, já que, mesmo estando sentado na cadeira de seu escritório, a câmera o filma de baixo para cima, dando-lhe um ar poderoso, de superioridade (imagem abaixo). Ele é filmado como Hitler era filmado nos filmes de propaganda nazista naquele que foi um dos maiores (se não for o) legados deixados por tais filmes para o cinema: quando filmamos alguém de baixo para cima lhe damos mais poder, impomos a sua presença, o transformamos em alguém que é superior: alguém em quem devermos prestar atenção. No caso do filme de Kubrick, mesmo sendo o general Jack Ripper um louco com acesso à armas muito poderosas, ele não é filmado desta forma - da mesma forma que Hitler propunha uma guerra e uma limpeza social e também era filmado como um ser superior - e é aí em que está a ironia satírica da filmagem deste personagem: ele é filmado como um líder, quando na verdade ele é um maluco que está o tempo inteiro a falar sobre um ataque aos fluidos corporais.


Quando tropas do exército estadunidense invadem o quartel general de Jack Ripper inicia-se um confronto com os militares da base na qual estavam tentando entrar (Ripper anteriormente havia dito que os soviéticos poderiam tentar entrar na base, até mesmo vestidos de militares norte-americanos, e que seus soldados deveriam atirar em quem se aproximasse para defender a base). A forma como Kubrick filma esta cena a transforma em uma das cenas de guerra mais realistas da história do cinema (sendo mais realista do que qualquer cena de "Nascido para matar" do próprio Kubrick). A câmera é posta rente ao solo, como se um cinegrafista de guerra estivesse ali presente, tentando se proteger dos tiros, se escondendo por trás de barreiras para não ser alvejado. Em muitos momentos vemos o mato na frente da câmera, como se indicasse que o câmera está deitado no chão com sua máquina.

Quanto à reunião em que estão generais, o presidente e seus secretários de estado na sala de guerra é uma das filmagens mais clássicas do cinema. A primeira vez em que chegamos àquela sala estamos no teto, vendo a grande mesa redonda por cima da iluminação, em que temos uma lâmpada sobre cada um dos membros sentados. Um grande painel está ao fundo indicando o posicionamento dos aviões que promoverão o bombardeio contra a União Soviética. Estão todos sentados lado a lado, sem discriminação de superioridade de cargos (imagem abaixo). Mas nesta cena vale o destaque para a iluminação. Já que o filme foi fotografado em preto e branco, nada melhor para diferenciar as pessoas do que com a cor de suas roupas variando daquelas que são mais próximas do branco e aquelas que se aproximam do preto. Todos os estadunidenses vestem esta roupa mais próxima do branco, mas os dois estrangeiros (o cientista com tendência ao nazismo e o embaixador da URSS) são os únicos a vestirem preto, fazendo com que se camuflem naquela sala em que o chão também é escuro. Peter Sellers aqui interpreta dois personagens distintos, o presidente (calvo) dos EUA e o Dr. Fantástico, na versão brasileira, ou Dr. Strangelove, nome que ele adota quando se torna cidadão americano, já que o filme dá a entender que ele fora outrora um cientista a serviço do nazismo (mais uma brincadeira de Kubrick em referência à política armamentista).


Por fim temos um dos aviões que recebe as ordens para bombardear a URSS. Mais uma vez a filmagem de Kubrick impressiona. Dentro do avião não há muito espaço para locomoção, para movimentar a câmera. São muitos soldados e muitas máquinas. Estamos sempre perto deles sentindo este aperto pelo qual passam dentro do avião. E quando eles mexem no equipamento do avião, o diretor não tem medo de mostrar os detalhes para seu espectador, que vê os botões em que estão mexendo, vê as luzes se acenderem, lê os documentos que eles têm em mãos. A câmera passa a fazer uma investigação aqui para depois mostrar que todas as ações tomadas darão errado, os botões deixarão de funcionar, as luzes deixarão de acender, e alguns painéis irão derreter devido a uma tentativa de derrubar o avião.

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