sábado, 17 de maio de 2014

Um Condenado À Morte Escapou de Robert Bresson (un condamné à mort s'est échappé ou Le vent souffle où il veut, 1956)


direção: Robert Bresson;
roteiro: Robert Bresson, André Devgny (memórias);
fotografia: Léonce-Henri Burel;
edição: Raymond Lamy;
estrelando: François Leterrier, Charles Le Chainche, Roland Monod.

O cinema de arte sempre nos apresenta algo de extraordinário. São artistas nos apresentando novas formas de ver o mundo ou de enxergar o espetáculo cinematográfico. Os chamados filmes de arte não costumam atrair atenção do grande público nem de encher as salas de cinema quando são lançados. Passam despercebidos pela maioria que não sabe creditar o real valor de tais obras. Mas mesmo assim são grandes obras, sendo elas as responsáveis por podermos utilizar um termo como "espetáculo cinematográfico" como já utilizado neste mesmo parágrafo. São filmes conscientes de ser filmes, mas que possuem uma ambição maior: a de ser cinema. Ou neste caso de ser cinematógrafo.

Robert Bresson é um grande nome do cinema mundial porque fez filmes conscientes de sua condição de filmes, mas que tinham a vontade de ser obras cinematográficas (e que alcançavam seu objetivo). Os grandes nomes não surgem sem motivo. Como diria Jacques Aumont: "todo cineasta francês um pouco interessante deve algo a Bresson". E não só os cineastas franceses possuem este débito, também Michael Haneke já algumas vezes, ao enumerar seus filmes preferidos, coloca uma obra de Bresson. O cineasta francês nem sempre pode se orgulhar desta visão favorável de seu cinema - muitos eram os críticos que não enxergavam com bons olhos os filmes que ele fazia. Mas isto estava prestes a chegar ao fim. François Truffaut foi um dos principais membros daquilo que poderíamos intitular "partido pró-Bresson" e que enxergava e provava em suas análises a arte do cinema de Bresson.


Como constantemente acontece ao cinema de arte, os primeiros filmes de Bresson não foram bem sucedidos. Os distribuidores não acreditam nos filmes de arte, nem o público - que em grande parte enxerga no espetáculo cinematográfico somente um meio de entretenimento (e a arte nem sempre é para ser divertida). A distribuição de seus filmes não são bem feitas o que interfere no sucesso das mesmas. Logo após o lançamento de Diário de um pároco de aldeia, Bresson desenvolve alguns projetos, mas nenhum deles é financiado. Passa, assim, cinco anos sem lançar nenhum filme nos cinemas. Neste meio tempo, o Centro Nacional de Cinematografia (CNC) desenvolve algumas formas de financiamento, além de prêmios para obras de pretensões mais artísticas e empresas em nascimento. É graças a um destes prêmios que Bresson consegue viabilizar a produção de seu próximo filme: Um condenado à morte escapou

O filme é produzido e distribuído graças a um prêmio que recebe da CNC. O prêmio lhe permite um lançamento digno o que lhe possibilita alcançar o sucesso de público. Foi um grande choque para o cinema francês o sucesso do filme de Bresson. O público poderia se interessar por um filme que não visasse somente a agradá-lo, que tivesse algo a dizer, e que rompesse com a estrutura tradicional da forma do filme. O que realmente é necessário é uma distribuição que apresentasse (e não o mantivesse nas trevas como costuma ser feito até hoje) o filme, que possibilitasse a sua exibição em diversas salas. Esta será uma lição importantíssima para a geração nouvelle vague que acompanhava o desdobramento do cenário cinematográfico francês com olhos atentos.


Quanto ao filme: Bresson parte de um ponto que já era trabalhado com sucesso pelo cinema italiano, a exemplo de Umberto D., que era o uso de atores não-profissionais nos filmes (incluindo protagonistas). Os atores costumam criar uma realidade própria, que se assemelha à realidade que vivemos, mas que não é ela. A proposta de Bresson ao utilizar estes não-atores era o de fugir deste mundo de "realidade ficcional" tão comum de ser encontrada no cinema. Ele forçava seus atores a perderem qualquer maneirismo e que agissem com maior simplicidade possível, sem caretas ou alteração exagerada no tom de voz. É assim que Bresson guia seu elenco liderado por François Leterrier, que aqui é Fontaine, o preso que escapou e agora nos conta sua história.

Outra característica da teoria de Bresson que se apresenta neste filme é a separação entre som e imagem. O cineasta, um dos poucos a teorizar o som no cinema, propõe que a trilha de sons e imagens não devem nada uma à outra, sendo que a construção de cada uma deve ser feita à parte. Assim, Um condenado à morte escapou surge como um filme narrado por inteiro pelo protagonista que nos conta a história de sua fuga enquanto as imagens nos mostram o que suas palavras expressam. Mas em determinados momentos a palavra não é o suficiente para dizer o que o personagem está a fazer, e as imagens dominam o filme. Em outros momentos a palavra já apresenta o que as imagens já dizem, dando muito mais informações ao espectador. 


Devido ao processo de desdramatização utilizado por Bresson, suas imagens tornam-se incapazes de mostrar o subjetivo de seus personagens de maneira tão simples como acontece para a maioria dos cineastas - que por vezes abusam do close-up para desnudar as emoções de seus personagens - e por isso a trilha sonora com a narração do protagonista vem tão bem a calhar, dizendo-nos o que sentia ele em determinados momentos durante o processo de planejamento e execução de fuga. 

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