Laura Mulvey
Nada mais
claramente divide a história do cinema em pré e pós-digital quanto o mundo dos
efeitos especiais e em nenhum outro lugar esta divisão é mais clara do que no
desaparecimento das projeções de fundo (usando “transparências” ou “plates”).
Assistindo aos filmes de Hollywood feitos depois do advento do som, as
projeções de fundo parecem um emblema estético de tempos idos da era dos
estúdios. Como tão costumeiramente acontece com a passagem do tempo, seu
desaparecimento deu a esta tecnologia, certa vez detestada, um novo interesse.
A projeção de
fundo representava a tentativa de reconciliar as demandas conflituosas das
performances das estrelas com as sequências de ação: os close-ups das
estrelas podiam não ser necessariamente gravados durante as cenas envolvendo
ação dramática (ou mesmo a ação de dirigir um carro). Assim, imagens
pré-gravadas de paisagens de campo e da cidade, frequentemente gravadas por uma
segunda equipe ou tiradas dos arquivos de gravações do próprio estúdio, seriam
projetadas numa tela em um estúdio especial; então, enquanto as estrelas
atuavam (com o mínimo de movimento extra possível), a tela e o estúdio seriam
gravados juntos. No filme de Preminger, River of no return (1954), por
exemplo, Marilyn Monroe, Robert Mitchum, e Tommy Rettig lutam para se manter em
cima de um bote, num momento em locação, noutro num tanque de estúdio com o rio
e a paisagem passando numa projeção de fundo. Estas mudanças inevitavelmente
enfatizam a incompatibilidade entre frente e fundo, entre a artificialidade e
flagrante implausibilidade das sequências com projeções de fundo.
Em seu belo
artigo, “The Wandering Gaze: Hitchcock’s Use of Transparencies”, Dominique Paini
diz: “Transparencies are all about time”. Nas sequências de projeções de fundo,
os diferentes níveis de tempo fílmico são ambas visíveis e confusas. Essencialmente
um filme é feito em três níveis: o tempo de visão, o tempo de registro, e o
tempo da ficção que emerge da construção editada da narração. Contudo, a
relação entre o registro do tempo e o tempo da ficção é incerto. Recentemente argumentei
que o processo de pausar e reiniciar um filme, assim concentrando num plano ao
invés de numa sequência editada, pode fazer o tempo da ficção pode cair,
transformando uma imagem em um documento de momento ao qual o celuloide foi
exposto. Esta dualidade temporal, é claro, tem que ser construída na mente do espectador,
e o retorno do diálogo e edição irá facilmente reafirmar o tempo da ficção.
A projeção de
fundo introduz um tipo diferente de dualismo temporal: dois registros divergentes
de tempo são “montados” numa única imagem. Enquanto isto é verdade para
qualquer superposição fotográfica, o contraste dramático entre a aparência
documental das imagens projetadas e a artificialidade das cenas de estúdio
aumenta o sentido do deslocamento temporal. Ainda que, em princípio, o elemento
do estúdio deva encapsular ficção em oposição ao documentário das paisagens de
cidade ou de campo, as tentativas em estúdio frequentemente têm o efeito
inverso. As estrelas têm de permanecer num ponto preciso, com seu espaço restrito
– frequentemente embalados por vento ou água artificial, ou alturas vertiginosas,
– fazendo gestos semelhantes aqueles dos mímicos. As performances, mesmo nos
cenários mais simples de carro e trem, tendem a se tornar autoconscientes, vulneráveis,
transparentes. Os atores podem parecer quase imobilizados, como se estivessem num
tableau vivant, paradoxalmente no mesmo momento do filme em que a ficção
alcança alto grau de velocidade, mobilidade, ou incidente dramático.
Quando Marnie
foi lançado em 1963, os críticos condenaram estes planos “processados”, mais
particularmente aqueles com Tippi Hedren parecendo exultante ao andar em seu cavalo
pela primeira vez. A intensidade do movimento é reduzida à estática dos gestos
de estúdio. Enquanto a estrela aparece neste espaço estranho, desorientador,
suas emoções parodiam seus movimentos. De fato, Marnie perde todo sentido de tempo
e lugar quando o desacordo entre tempo e lugar característica da projeção de
fundo é mais evidente. Este espaço paradoxal, impossível, separado tanto de uma
aproximação da realidade ou da verossimilhança da ficção, permite a audiência a
ver o espaço dos sonhos do cinema. Mas a projeção de fundo faz o sonho incerto:
a imagem de um sublime cinemático depende de um mecanismo que seja fascinante
por causa de, não apesar de, sua visibilidade desajeitada.
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