Sendo, um dia, entrevistado por um jornalista,
respondo a muitas questões destinadas, creio, ao espírito deste jornalista,
para elucidar o mistério da identidade do cinema. E a primeira destas
questões era: “Seria, para você, o cinema, sobretudo documentário?”. E eu
respondo: “Não. O documentário não é mais que um lado acessório do cinema”.
A segunda questão do jornalista foi:
“Seria para você a grande direção um lado essencial do cinema?”, e respondi a
esta segunda resposta do jornalista: “Não, a direção não é mais que um lado
acessório do cinema, ao qual credito pouca importância”. O jornalista continua
suas questões, porque um jornalista nunca deixa de ter questões, ele pergunta
então o seguinte [p. 119]: “Seriam os filmes estilizados ao gosto cubista ou
expressionista a essência do cinema para você?”.
Nesta ocasião, minha resposta foi
ainda mais categórica: “Não. Estes não são mais que acessórios do cinema e
quase que uma doença deste acessório”. Creio que podemos considerar esta
estilização extrema da decoração como capaz de destruir o equilíbrio de um
filme para o lucro de um só elemento, de todo modo secundário de um filme: a
decoração, para a qual toda atenção é atirada a despesa do cinema propriamente
dito. Lembre-se desta palavra que fez parte do programa do teatro de arte
livre, em seu princípio: “A palavra cria a decoração, como o resto”. Bem, creio
que o cinema de arte, que está nascendo, possui o dever de inserir, em seu
programa, esta fórmula: “O gesto cinematográfico cria a decoração como o
resto”.
O jornalista me pergunta ainda:
“Seriam os filmes realistas a essência do cinema, para você?”. Nesta ocasião,
nada respondi ao jornalista, porque não sei o que seja o realismo em matéria de
arte. Me parece que se uma arte não é simbólica, não é uma arte...
Disse, então, que nem o
documentário, nem a grande direção, nem o expressionismo, nem o realismo são
a essência do cinema. Não quero dizer com isso que certos filmes, classificados
nestes diversos gêneros, não sejam realmente belos filmes. Quero dizer
simplesmente que este lado documental, expressionista, realista não é mais que
um lado acessório na estrutura cinematográfica destes filmes. Este lado, ainda
que acessório, é, para os olhos pouco exercitados, mais aparente que a própria
substância cinematográfica e pode enganar, assim, acerca de sua importância
real. Quando um prato está muito apimentado, é a pimenta que você mais sente,
mas não é a pimenta que o alimenta.
Passamos em revista alguns
condimentos cinematográficos, alguns condimentos da fotogenia. Voltamos ainda e
sempre à questão: “quais são os aspectos das coisas, dos seres e das almas, que
são fotogênicas, aspectos estes que a arte cinematográfica possui o dever de se
limitar?”.
O aspecto da fotogenia é um composto
variante do espaço-tempo. Esta é uma fórmula importante. Se vocês querem uma
tradição mais concreta, ei-la: um aspecto
é fotogênico se ele se desloca e varia simultaneamente no espaço e no tempo.
[p. 120]
1923.
(fragmento de conferência dada em 1923. Publicado em Écrits sur le cinéma, tomo I, p. 119-120.)