O casamento de Carlitos não é um filme de Chaplin, diferente do que o título pode evocar. É verdade que Chaplin é um dos atores principais da película, mas não é ele o autor deste filme, sendo mais um dos astros da Keystone postos neste primeiro longa-metragem de comédia baseado em uma peça teatral de sucesso na época. Mas a confusão é muito bem compreensível por dois motivos:
Primeiro, a direção fica a cargo de Mack Sennett, o primeiro mestre cinematográfico de Charles Chaplin. Foi por meio de Sennett que o mestre da comédia chegou ao cinema, com um belíssimo contrato. Com a possibilidade de fazer um curta por semana, Chaplin tentou de tudo um pouco, até começar a entender como funciona este dispositivo. As entradas em tela, os posicionamento em frente à câmera, os truques de montagem - a descoberta do movimento. Mas o caminho de Sennett pela comédia era muito limitado, o que faz desta uma obra frágil frente às outras que Chaplin viria a fazer - e isto trataremos mais a frente.
O segundo aspecto é um ponto posto por André Bazin em alguns artigos escritos sobre o cineasta inglês e organizados em livro chamado Charlie Chaplin que conta com prefácio de François Truffaut e posfácio de Eric Rohmer. De acordo com o crítico, Carlitos desenvolve e aperfeiçoa sua psicologia com o passar dos anos. Se conhecemos um Carlitos terno, bondoso, é porque os anos o fizeram ser mais paciente, menos afoito. Em seus primeiros tempos de cinema, Carlitos aparecia como o bêbado, o sujeito desagradável. O homem que flertava com todas as mulheres, tropeçava nas próprias pernas, brigava com todos. Alguns destes aspectos não ficaram para trás, mas amaciaram em seu trato.
Assim, este Carlitos que aparece em 1914 em muito é diferente daquele que conquistaria os corações de espectadores de todas as partes do mundo sete anos mais tarde em O garoto (The kid). Mesmo no bigode que faria sua semelhança com o terrível Hynkel, Carlitos não é o mesmo. Seu chapéu coco não se faz presente. Aqui, a persona cinematográfica de Chaplin é tão somente um trapaceiro, um aproveitador, vestido de acordo com a moda, mas com uma calça consideravelmente mais larga do que deveria ser.
Por ser adaptado de uma peça de teatro, Sennett primeiro apresenta sua protagonista, aquela que nomeia o filme, Tillie (Marie Dressler). Surgida de detrás de uma cortina que cobre toda a tela ela saúda a plateia e, aos poucos, por meio de sobreposições, passa a entrar no personagem, até que somos transpostos para o primeiro cenário do filme: a casa rural onde vive Tillie com seu pai. Como típico dos filmes de Sennett da época, Tillie brica de atirar um tijolo para seu cachorro pegar. Carlitos, que aqui é "o estranho", surge em cena de costas, com fumaça saindo de sua cabeça. Ele vira para se apresentar ao público, fumando, em posição de quem é pouco confiável. Caminhando por uma estrada de terra, o estranho é acertado por um tijolo vindo de fora do quadro, um cachorro aparece correndo para pegá-lo. Corta. Tillie leva as mãos ao rosto: ela acertou o tijolo num homem. Bem no nariz, indica ela.
Pegando o estranho e levando para casa, Tillie e o estranho iniciam um flerte embaraçoso. Ela, consideravelmente maior que ele, acerta-lhe com muita violência na tentativa de ser graciosa. Seu pai não gosta da presença daquele sujeito em sua casa, e manda a filha de volta ao trabalho, do lado de fora da casa. Tillie vai, revoltada. Nesse meio tempo surge um conhecido da família. Cheio de intimidade, ele chuta o traseiro de Tillie, que retribui a ação, de maneira inesperada pelo homem - e deve ter doído, porque ela é muito forte! O recém-chegado e o pai de Tillie realizam uma negociata juntos, na presença do estranho na sala. Ao ver a imensa quantia de dinheiro que o pai guarda na casa, o estranho inicia seus planos. Mas antes, precisa ver onde aquele dinheiro é guardado.
Uma das melhores cenas do filme é a que se segue. Necessitando de apenas um plano, Sennett filma Tillie e o estranho flertando sobre uma cerca de madeira. Ela tenta fazer uma pose graciosa, encostada numa árvore, com os braços levantados sobre a cabeça. Ele chega por trás e a cutuca no sovaco, recebendo um tapa que o leva ao chão - um reflexo desastrado da moça. O que se segue é um exemplo da genialidade dos envolvidos. Por alguns minutos fica a tentativa de manterem-se sobre aquela cerca sem caírem. Ela se desequilibra e se segura nele, ele cai, ela permanece em seu lugar de origem.
Conseguindo conquistar a moça, o estranho a convence a pegar o dinheiro do pai e fugirem para a cidade. Na primeira esquina, o estranho encontra uma mulher de seu passado: Mabel (Mabel Normand). Os dois se juntam naquele golpe, e conseguem ficar com o dinheiro da caipira ingênua. Muito mais acontece, numa sucessão impressionante de gags. Em sua autobiografia, Chaplin comenta este período em que trabalhou na Keystone: todo filme tinha que terminar com os personagens caindo na água. Com seu final previsível, Sennett leva seus personagens para o litoral, para um cais, para que sejam derrubados na água sua protagonista Tillie, os policiais que vão atrás do trio protagonista (que inclui o estranho e Mabel), e até mesmo um carro.
É verdade que se há algo em Sennett que não podemos negar é sua contribuição ao cinema: a permissão cômica do palhaço de fazer sua mímica. Os quadros são sempre abertos - como a descrita cena da cerca - permitindo aos atores trabalharem todo seu gestual. Sem dúvida, é uma contribuição que se mostrou valiosa em todos os filmes posteriores de Chaplin: o artista que tem seu espaço em tela para poder se movimentar. O cinema é aquilo que está dentro do quadro, não somente o dispositivo físico ao fundo da sala de projeção. O movimento surge por meio dos movimentos do mundo e não da trucagem. Mas Sennett possui este problema de enxergar as obras como possuidoras de uma forma que deveria ser seguida para alcançar o riso fácil. O problema delas é que o riso se esgota e envelhecem mal. Algumas cenas são muito engraçadas, mas o desfecho dos personagens caindo no mar parece forçado porque, de fato, o foi. A necessidade de terminar seus filmes com os personagens todos molhados, para que fossem todos ridicularizados, como se durante a trama já não houvesse momentos suficientes para tanto.
[nota: a cena em que o estranho e Mabel vão ao cinema é um sopro de inspiração muito agradável. Assistindo a um filme, que aparece para nós, a dupla se sente culpada por ter roubado o dinheiro de Tillie. E para coroar, há um policial ao seu lado, enquanto eles sussurram o que acabaram de fazer. Talvez um dos primeiros tributos ao cinema já feitos pelo próprio cinema]
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