Em um pequeno povoado da França, moradores começam a ser atormentados com o envio de cartas anônimas que relatam alguns segredos de cidadãos locais. O burburinho surge e cresce com o passar do tempo e com o aparecimento de novas cartas. A população, antes de se perguntar quem estaria escrevendo aqueles bilhetes, prefere acreditar na suposta verdade neles contida. E assim, pessoas que podem não ser culpadas passam a ser vistas com olhos julgadores por grande parte da população. O principal alvo das cartas é Germain, o médico local conhecido por todos. Mas ele parece ser a pessoa que menos se preocupa com as cartas. Trata de ignorar aquela situação e seguir em frente. Isso não dura muito tempo, uma vez que as cartas começam a afetar o andamento da vida do povoado. A situação chega a um ápice quando um paciente com câncer terminal lhe é avisado de tal condição por uma das cartas, e se mata. Em seu funeral, que comove toda a população da cidadela, surge mais uma carta e nela uma acusação: o homem não se matou, fora morto. Daí o problema deixa de ser se é verdade o que as cartas dizem, mas quem as escreve.
O filme começa com alguns planos do alto que mostram a cidade por completo. Localizando os espectadores, Henri-Georges Clouzot busca seu protagonista, e o encontra em uma casa em que realiza um parto mal-sucedido. Esta primeira cena será uma das chaves para o entendimento das cartas. O médico surge de dentro de uma porta escura e caminha em direção a um balde com água, onde lava as mãos com sangue. Ele responde a uma das senhoras que esperavam do lado de fora da casa que pôde salvar a mulher, mas não a criança. Esta cena que poderia passar despercebido do espectador ganha nova conotação quando surgem as cartas anônimas que acusam Germain de ser médico aborteiro.
De início as cartas não demonstram a dimensão que ganharão. O médico recebe uma, lê, e a esquece no jaleco como se não tivesse importância. Lembra dela quando se desfaz do jaleco, e encontra uma enfermeira mal humorada que a lê. Ele rasga a carta e a guarda para jogar fora. Aos poucos, Clouzot nos mostra a dimensão daquele "joguinho". Não somente o médico Germain estava recebendo as tais cartas, como também outras figuras importantes da cidade. E todas elas contendo segredos das vidas particulares das outras pessoas - seus casos amorosos e suas corrupções políticas. É neste momento que as cartas ganham novo significado e passam a ser o centro do filme.
No ponto alto da obra, em que a histeria gerada pelas informações das cartas se mostra em sua plenitude, os moradores do povoado buscam pela cidade a enfermeira mal humorada que lera a carta endereçada a Germain e que é acusada de ter enviado a carta ao paciente que se matou. Esta onda de revolta leva os moradores até o apartamento da enfermeira. Esgueirando-se pelas ruas ela chega em casa para encontrar tudo destruído. Mas isso não era o fim. Com ela lá dentro ainda seriam jogadas pedras nas janelas. Ao abrir a porta, alguns homens a pegam e a levam para a prisão. Para inocentar a enfermeira - que no fim das contas era somente mal humorada - as cartas não deixam de ser enviadas.
A cena do funeral é das mais interessantes. Uma multidão se forma atrás da carruagem que leva o caixão. De cima dela cai uma carta, mais precisamente, da coroa de flores deixada pela enfermeira que será perseguida. Uma vez a carta no chão, toda a população a vê e fazem a volta para não passar por cima dela. Ninguém tem a coragem de pegá-la para ler. Até que as crianças que acompanham o cortejo a pegam e leem. E na ingenuidade infantil, passam para frente. Ela vai circulando. Torna-se a carta, neste momento, a principal figura da sequência. É ela que dita quem deve aparecer em cena.
Trata-se de um bom filme, mas não dos melhores de Clouzot. Porque o suspense não consegue crescer num filme que se baseia em diálogos. O suspense cinematográfico melhor se apresenta naquelas cenas bem construídas, tal como quando os caminhões têm que fazer a volta a beira de um precipício para subir um morro, carregando nitroglicerina em O salário do medo. Assim, Sombra do pavor torna-se um filme mais próximo às obras sobre histeria coletiva - tal como Fúria de Fritz Lang, apesar de não possuir a genialidade deste que faz da temática que faz menção ao momento passado na Alemanha abandonada pelo diretor - do que uma obra de suspense.
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