Tornou-se muito comum nos últimos tempos fazer a afirmação de que o cineasta Henri-Georges Clouzot é uma versão francesa de Alfred Hitchcock. Ambos os cineastas apresentam uma qualidade inegável em seus trabalhos, de assustar ou manter sob constante tensão quem assiste a seus filmes. Mas estes dois cineastas possuem características radicalmente diferentes. São tão diferentes que os críticos da Cahiers du Cinema (entre eles François Truffaut e Eric Rohmer) negavam Clouzot e louvavam Hitchcock. Esta diferença se apresenta na forma como seus filmes são feitos.
Hitchcock é um artesão. Seus filmes são sempre feitos visando um fim: a imagem. O cineastas inglês não poupava recursos, nem se preocupava com o que pensariam seus atores, quando se punha na jornada de contar uma história por meio das imagens - essência do cinema, como ele mesmo afirmou em entrevista dada ao já citado fã-crítico-cineasta François Truffaut. Hitchcock começou a fazer cinema quando Murnau o elevava (ele, o cinema) ao seu maior grau artístico. Murnau, autor de Fausto e Aurora, alcançara o nível poético do dispositivo cinematográfico como poucos; e Hitchcock, como fiel seguidor deste modelo, não se furtou de tentar o mesmo. Mas ao invés de encontrar uma poesia romantizada, como Murnau, Hitchcock tenta encontrá-la no suspense: o lado poético do medo.
Clouzot, por outro lado, é um cineasta que não preza tanto pelas imagens - e talvez por isso nunca tenha se tornado um cineasta tão aclamado quanto Hitchcock. Seu suspense é mais contido que o produzido pelo inglês. Em As diabólicas, o terror do espectador surge junto com o da protagonista. Seus olhos esbugalhados e sua fuga do desconhecido são apresentados para um espectador que desconhece o que está a acometer a personagem. Em Clouzot a tensão é criada tanto pela nossa ignorância quanto pela ignorância da personagem. Em Hitchcock é porque sabemos o que se abate sobre o personagem que sentimos medo. Em Psicose, quando Antony Perkins entra em sua mansão, ele desconhece o posicionamento de Vera Miles - sua presa - no interior da casa. Mas nós sabemos que ela está debaixo da escada. É por sabermos que o perigo está próximo que tememos pela segurança de nosso herói.
Hitchcock desenvolve uma base teórica para os seus filmes e o reproduz na maior parte deles como se estivesse a seguir uma cartilha escrita por ele mesmo. Já Clouzot não possui uma visão de seu cinema tão bem determinada quanto a de Hitchcock, preferindo adequar-se ao formato que acreditasse ser o melhor para seu filme - Hitchcock adequa a história ao seu olhar. A afirmação feita no título deste texto diz respeito a desmistificar a generalização do suspense hitchcockiano em todo e qualquer suspense, ou em todo e qualquer autor que filme suspense. Grande parte daquilo que Clouzot faz em As diabólicas e O salário do medo não seriam considerados como suspense pelo mestre inglês do gênero. Mas por não coadunar com Hitchcock não quer dizer que Clouzot não fizesse filmes de suspense. Eles simplesmente não são filmes hitchcockianos. Porque Clouzot não é o Hitchcock francês!
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