direção: Henri-Georges Clouzot;
escrito por: Georges Arnaud (baseado em seu livro), Henri-Georges Clouzot, Jérôme Géronimi;
direção de fotografia: Armand Thirard;
estrelando: Yves Montand, Charles Vanel, Folco Lulli, Peter van Eyck, Vera Clouzot.
Henri-Georges Clouzot, cineasta de mão cheia, que sabe criar atmosfera de suspense como poucos, fazia parte de uma geração condenada ao esquecimento devido ao surgimento da nouvelle vague, movimento cinematográfico que nasceu com requerimento pronto e assinado para que todos os holofotes fossem direcionados para eles, e consequentemente fazendo-se esquecer de quem não fazia parte daquele grupo ou de quem não os havia influenciado. Clouzot antes mesmo disso já era um condenado. Tendo filmado dois filmes durante o período em que a França se encontrava sob ocupação nazista, ele foi visto por olhos tortos durante muito tempo. A condenação dura até os dias atuais. Seus filmes permanecem obscuros atrás das sombras dos filmes da nouvelle vague. Mas não só de nouvelle vague é feito o cinema francês.
Este que é um dos grandes sucessos do diretor, angariando críticas favoráveis, prêmios, e uma boa quantidade de público nos cinemas e é este sucesso reflete o poder da obra criada por Clouzot. O salário do medo se passa em uma cidade perdida no meio do nada na América do Sul onde uma grande empresa petrolífera estadunidense explora a população pobre e os estrangeiros que lá chegam em busca de oportunidades de trabalho. É um retrato cruel, mas o filme não possui a pretensão de fazer uma crítica social propriamente dita - ela está lá, mas não é o ponto principal a ser abordado.
O grupo de estrangeiros que está preso naquela cidade, cada um de um país diferente - existem os estadunidenses, um holandês, um italiano, franceses... -, não consegue sair dali, e estão sempre a desejar fazê-lo porque nada têm a fazer a não ser sentar no bar e olhar a vida passar. Por isso quando surge uma proposta arriscada feita pela empresa petrolífera de carregar por estradas irregulares centenas de litros de nitroglicerina (ou seja, o perigo de explosão é constante) todos se arriscam. Além do dinheiro, veem uma oportunidade de fugir daquele marasmo. Quatro destes estrangeiros são escolhidos: um italiano, um holandês e dois franceses.
E assim começa a jornada que será, tanto para os personagens quanto para nós espectadores, extremamente tensa. A construção dos personagens é muito bem feita. Coloco isso tendo em mente o personagem de Jo (Charles Vanel) que começa impondo sua figura de valentão, fazendo outras pessoas o temerem, mas tão logo começada a jornada e os perigos que ela acompanhavam, seu comportamento frente ao que surge já não é mais o de coragem, mas de temor - e Jo demonstra ser, na verdade, um grande covarde. Já Mario (Yves Montand) que não sabe muito bem o que é - a exemplo da cena em que dividido entre passar o dia com seu amigo Jo e sua amante Linda (Vera Clouzot) - se define durante a viajem como sendo um personagem de personalidade forte, mandando em Jo, dizendo-lhe o que ele deve ou não fazer.
Mas vamos para o caráter cinematográfico do filme. O controle do tempo é feito com maestria por Clouzot. A cena em que melhor se nota este controle do tempo por parte do cineasta é a cena em que Bimba (Peter van Eyck) acende um pavio para explodir uma pedra que está no meio da estrada e que bloqueia o caminho dos caminhões. Bimba acende o pavio, fica tempo suficiente ao lado deste para ter certeza de que não irá apagar e começa a correr. Em um primeiro momento a montagem mostra Bimba correndo para se proteger, onde estão os outros e logo em seguida o pavio queimando. Em seguida nos é mostrado o grupo se protegendo atrás das pedras da montanha e Jo ficando dentro de um dos caminhões. A tensão que é criada vai além da cena da explosão, algumas das pedras que foram arremessadas pela explosão ameaçam os caminhões, e ficamos na expectativa de que um deles exploda.
A expectativa pelo que pode vir, por aquele perigo que está sempre à espreita, é uma constante nos filmes de suspense, mas que pobremente elaborados. Daí o motivo de ter afirmado no início deste texto que Clouzot é um dos poucos cineastas que sabem filmar suspense. Este é um gênero em que o filme se faz, em grande parte, por um pensamento do tempo, a noção da temporalidade dos planos, para que vá imprimir no espectador esta sensação de perigo constante de que, ou os personagens estão vivendo, ou acham que estão vivendo. É por meio do controle do tempo do filme que diferencia a percepção do espectador entre o saber que o personagem está em perigo (como os personagens de Clouzot estão) e o sentir o perigo a que eles correm (como Clouzot nos faz sentir). Com a dose errada poderíamos estar no cinema imaginando que este é um filme de comédia, e riríamos com as conversas dos motoristas e de seus caronas - é o tempo que nos define este filme enquanto um filme de suspense.
Pode ser contestada esta minha tese pela mesma cena da explosão uma vez que, ao fim da explosão uma pedra ameaça um galão de nitroglicerina que fora utilizada para explodir a pedra e que se encontra em frente de Jo. A pedra rola morro abaixo em direção ao galão ameaçando explodi-lo. Por ter optado mostrar esta pedra que rola morro abaixo, Clouzot teria feito uma cena que se baseia em uma representação espacial para criar o suspense e não temporal. Mas quando ele prefere mostrar esta cena intercalando a pedra caindo e o rosto de Jo encarando-a ele faz uma cena de suspense baseada em um "molde temporal". Ele alonga, assim, o deslizar da pedra, e o espectador fica mais nervoso - desta vez até porque tem um personagem que corre o risco de morrer devido à ela.
Obra belíssima, constantemente vista como sendo inferior à sua obra seguinte As diabólicas, mas que pode ser vista em um mesmo patamar. Clouzot é um grande cineasta e sua obra deve ser visualizada por quem gosta de bom cinema.
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