"Os entrevistadores me perguntaram sempre como é que me vinham as ideias dos meus filmes e até hoje não lhes dei uma resposta satisfatória. Depois de tantos anos de trabalho e experiência, descobri que as ideias surgem em consequência do intenso desejo de concebê-las. Provocada por esse desejo, a mente se torna uma espécie de torre de observação à espreita de incidentes que possam excitar a imaginação - música, crepúsculos, qualquer coisa, enfim, pode ser a imagem capaz de inspirar uma ideia. Quando descobrimos um assunto capaz de estimulá-la, elaboramos os pormenores e desenvolvemos tal ideia ou, se isso não é possível, descartamo-nos dela e procuramos outra. Acumulação e eliminação representam o processo pelo qual acabamos chegando ao que desejamos."
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
O Salário do Medo de Henri-Georges Clouzot (le salaire de la peur, 1953)
direção: Henri-Georges Clouzot;
escrito por: Georges Arnaud (baseado em seu livro), Henri-Georges Clouzot, Jérôme Géronimi;
direção de fotografia: Armand Thirard;
estrelando: Yves Montand, Charles Vanel, Folco Lulli, Peter van Eyck, Vera Clouzot.
Henri-Georges Clouzot, cineasta de mão cheia, que sabe criar atmosfera de suspense como poucos, fazia parte de uma geração condenada ao esquecimento devido ao surgimento da nouvelle vague, movimento cinematográfico que nasceu com requerimento pronto e assinado para que todos os holofotes fossem direcionados para eles, e consequentemente fazendo-se esquecer de quem não fazia parte daquele grupo ou de quem não os havia influenciado. Clouzot antes mesmo disso já era um condenado. Tendo filmado dois filmes durante o período em que a França se encontrava sob ocupação nazista, ele foi visto por olhos tortos durante muito tempo. A condenação dura até os dias atuais. Seus filmes permanecem obscuros atrás das sombras dos filmes da nouvelle vague. Mas não só de nouvelle vague é feito o cinema francês.
Este que é um dos grandes sucessos do diretor, angariando críticas favoráveis, prêmios, e uma boa quantidade de público nos cinemas e é este sucesso reflete o poder da obra criada por Clouzot. O salário do medo se passa em uma cidade perdida no meio do nada na América do Sul onde uma grande empresa petrolífera estadunidense explora a população pobre e os estrangeiros que lá chegam em busca de oportunidades de trabalho. É um retrato cruel, mas o filme não possui a pretensão de fazer uma crítica social propriamente dita - ela está lá, mas não é o ponto principal a ser abordado.
O grupo de estrangeiros que está preso naquela cidade, cada um de um país diferente - existem os estadunidenses, um holandês, um italiano, franceses... -, não consegue sair dali, e estão sempre a desejar fazê-lo porque nada têm a fazer a não ser sentar no bar e olhar a vida passar. Por isso quando surge uma proposta arriscada feita pela empresa petrolífera de carregar por estradas irregulares centenas de litros de nitroglicerina (ou seja, o perigo de explosão é constante) todos se arriscam. Além do dinheiro, veem uma oportunidade de fugir daquele marasmo. Quatro destes estrangeiros são escolhidos: um italiano, um holandês e dois franceses.
E assim começa a jornada que será, tanto para os personagens quanto para nós espectadores, extremamente tensa. A construção dos personagens é muito bem feita. Coloco isso tendo em mente o personagem de Jo (Charles Vanel) que começa impondo sua figura de valentão, fazendo outras pessoas o temerem, mas tão logo começada a jornada e os perigos que ela acompanhavam, seu comportamento frente ao que surge já não é mais o de coragem, mas de temor - e Jo demonstra ser, na verdade, um grande covarde. Já Mario (Yves Montand) que não sabe muito bem o que é - a exemplo da cena em que dividido entre passar o dia com seu amigo Jo e sua amante Linda (Vera Clouzot) - se define durante a viajem como sendo um personagem de personalidade forte, mandando em Jo, dizendo-lhe o que ele deve ou não fazer.
Mas vamos para o caráter cinematográfico do filme. O controle do tempo é feito com maestria por Clouzot. A cena em que melhor se nota este controle do tempo por parte do cineasta é a cena em que Bimba (Peter van Eyck) acende um pavio para explodir uma pedra que está no meio da estrada e que bloqueia o caminho dos caminhões. Bimba acende o pavio, fica tempo suficiente ao lado deste para ter certeza de que não irá apagar e começa a correr. Em um primeiro momento a montagem mostra Bimba correndo para se proteger, onde estão os outros e logo em seguida o pavio queimando. Em seguida nos é mostrado o grupo se protegendo atrás das pedras da montanha e Jo ficando dentro de um dos caminhões. A tensão que é criada vai além da cena da explosão, algumas das pedras que foram arremessadas pela explosão ameaçam os caminhões, e ficamos na expectativa de que um deles exploda.
A expectativa pelo que pode vir, por aquele perigo que está sempre à espreita, é uma constante nos filmes de suspense, mas que pobremente elaborados. Daí o motivo de ter afirmado no início deste texto que Clouzot é um dos poucos cineastas que sabem filmar suspense. Este é um gênero em que o filme se faz, em grande parte, por um pensamento do tempo, a noção da temporalidade dos planos, para que vá imprimir no espectador esta sensação de perigo constante de que, ou os personagens estão vivendo, ou acham que estão vivendo. É por meio do controle do tempo do filme que diferencia a percepção do espectador entre o saber que o personagem está em perigo (como os personagens de Clouzot estão) e o sentir o perigo a que eles correm (como Clouzot nos faz sentir). Com a dose errada poderíamos estar no cinema imaginando que este é um filme de comédia, e riríamos com as conversas dos motoristas e de seus caronas - é o tempo que nos define este filme enquanto um filme de suspense.
Pode ser contestada esta minha tese pela mesma cena da explosão uma vez que, ao fim da explosão uma pedra ameaça um galão de nitroglicerina que fora utilizada para explodir a pedra e que se encontra em frente de Jo. A pedra rola morro abaixo em direção ao galão ameaçando explodi-lo. Por ter optado mostrar esta pedra que rola morro abaixo, Clouzot teria feito uma cena que se baseia em uma representação espacial para criar o suspense e não temporal. Mas quando ele prefere mostrar esta cena intercalando a pedra caindo e o rosto de Jo encarando-a ele faz uma cena de suspense baseada em um "molde temporal". Ele alonga, assim, o deslizar da pedra, e o espectador fica mais nervoso - desta vez até porque tem um personagem que corre o risco de morrer devido à ela.
Obra belíssima, constantemente vista como sendo inferior à sua obra seguinte As diabólicas, mas que pode ser vista em um mesmo patamar. Clouzot é um grande cineasta e sua obra deve ser visualizada por quem gosta de bom cinema.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Bastidores - Fausto de F. W. Murnau
Abaixo uma imagem da cena, tal como ela aparece no filme, e uma fotografia dos bastidores do filme, mostrando como ela fora feita.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Fausto de F. W. Murnau (Faust - eine deutsche volkssage, 1926)
direção: F. W. Murnau;
direção de fotografia: Carl Hoffmann;
estrelando: Gösta Ekman, Emil Jannings, Camilla Horn.
O cinema alemão da década de 1920 é um dos mais avançados da história desta expressão artística. Seus autores pensavam o que cabia ao cinema, o que fazia dele uma arte em especial, e partiam deste princípio para poder contar uma história. Foi neste momento em que ocorreu um grande crescimento intelectual do cinema alemão que influenciou cineastas de outros países (exemplo disso é Hitchcock, que em entrevista dada à Truffaut não se furta de falar do cinema alemão como influência para o seu trabalho e sua ideia do que seja a sétima arte). É também neste momento em que surge uma nova forma estética dentro do cinema, que é chamada e conhecida por muitos como sendo o expressionismo alemão. Na escola expressionista (que tem como marco inicial "O gabinete do doutor Caligari" em 1919) as imagens do filme devem apresentar aspectos da subjetividade dos personagens que estão sendo retratados, cujas histórias estão sendo contadas.
Ligar o cinema à um movimento proveniente da pintura é muito caro ao cinema alemão deste momento. Tal como uma pintura não (idealmente) necessita de texto para mostrar o que está sendo representado ali, também o cinema não necessitaria de textos contando o que estariam acontecendo na tela, e daí até mesmo mostrar, por meio exclusivamente das imagens. os sonhos e desejos de tais personagens por meio das imagens. A câmera consegue provocar este desnudar, mostrar aquilo que permanecia escondido, aquilo que somente à olhos nus não conseguiríamos ver - tal como uma pintura expressionista.
Neste filme Murnau se ultrapassa. Ele não mantém a ideia de fazer um filme somente com as imagens, parte para os letreiros que mostram as falas dos personagens, ao contrário do que já havia feito anteriormente em "A última gargalhada" (1924) filme que não possui nenhum letreiro com fala de personagem. Mas aqui, Murnau consegue desenvolver sua poesia fílmica, tendo à mão os efeitos visuais mais ousados que poderia existir. Com relação aos efeitos, é interessante pontuar que devido à eles o filme ficou com orçamento elevado que não retornou quando exibidos nos cinemas.
O filme trata da famosa história de Fausto (Gösta Ekman), um alquimista, que atormentado com as mortes causadas pela peste em sua terra, e por não conseguir fazer uma cura para a doença, faz um pacto com o diabo com o intuito de salvar a população de sua cidade. Mas tão logo que uma das doentes se apresenta para Fausto com um crucifixo em mãos ele não consegue tocá-la, a população percebe que ele fizera um pacto com o diabo. Fausto foge, mas ainda possui os poderes do diabo à sua disposição. Para contar esta história, Murnau se inspira em diversas pinturas, em diversas representações feitas desde a publicação da história escrita por Goethe.
O filme começa com os cavaleiros do apocalipse se dirigindo à terra. É uma imagem belíssima. São esqueletos montados em bestas, todos assustadores, sem vida, formados somente de ossos cabelos e algumas roupas (além de armas). Uma fumaça se faz presente, como se eles estivessem atravessando as nuvens para chegar em direção à terra. Na primeira vez em que o diabo chega à cidade, a construção é magnífica. Emil Jannnigs, no papel do diabo, de pé, fantasiado, com suas enormes asas escurecendo boa parte do quadro, enquanto a cidade de Fausto se apresenta como uma miniatura aos seus pés. Ele, o diabo, está a observar a vida na cidade, e nela joga a peste.
Quando Fausto finalmente decide fazer o pacto com o diabo, a cena, cheia de efeitos (que ao contrário dos filmes atuais, não se fazem desnecessários - eles são de extrema importância para o que está acontecendo) nos prende na cadeira. O circulo que Fausto havia desenhado ao seu redor no chão pega fogo, em seguida círculos de fogo começam a subir, envolvendo-o nos poderes do diabo que não o deixará em paz pelo resto de sua vida. Fausto chama o diabo mais uma vez e, ao longe, surge um cavalo com seu esqueleto à mostra, cavalgando pelos céus, e Mefisto surge - do fogo - sentado em uma pedra ao lado do alquimista. São as imagens que demonstram o poder do personagem de Jannings, mais nada. É o exemplo de um cinema puro.
Os efeitos especiais ousados servem para que a história seja contada com as imagens, mostrando as aflições de Fausto, seus desejos, e aquilo que Mefisto trama para manter o alquimista ao seu lado e poder conquistar a terra. Estes efeitos especiais auxiliam Murnau a criar para o filme imagens muito semelhantes às ilustrações feitas por pintores. Mas nem somente de efeitos é feito esta película. Quando Fausto, com a juventude que lhe fora dada pelo diabo, retorna para a sua cidade durante a páscoa, encontra Gretchen (Camilla Horn), e por ela se apaixona. Aqui Murnau necessita somente de uma troca de olhares, sem nada além de um plano em que ambos apareçam e o olhar de descontentamento de Mefisto ao fundo. Fausto está claramente encantado, apaixonado, pela jovem, que assutada com a figura de Mefisto corre para assistir a missa de páscoa.
Murnau neste filme se reafirma como cineasta-poeta.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Charles Chaplin (sobre as mudanças psicológicas do vagabundo)
"Nos tempos da Keystone, o vagabundo tinha maior liberdade e não estava adstrito ao enredo. Seu cérebro raramente funcionava nesses dias - apenas funcionavam os seus instintos, que se voltavam para as necessidades essenciais: comida, aquecimento, abrigo. À medida que as comédias se sucediam, o vagabundo ia se tornando mais complexo. O sentimento começava a se infiltrar em seu caráter. Isso se tornou um problema, porque limitava seus movimentos e iniciativas no terreno da farsa grossa. Pode essa observação parecer pretensiosa, mas a farsa exige a maior exatidão psicológica.
A solução veio quando comecei a pensar no vagabundo como uma espécie de Pierrô. Com essa concepção, eu tinha liberdade de expressão e o direito de embelezar as comédias com um toque de sentimento. Mas, logicamente, seria muito difícil fazer uma moça linda interessar-se por um vagabundo. Isso sempre foi um problema nos meus filmes. Em Em busca do ouro, o interesse da moça pelo vagabundo começa quando ela resolve se divertir à custa dele e, depois de iniciado o gracejo, fica arrependida e cheia de piedade por ele, que confunde esse sentimento com amor. A moça de Luzes da cidade é cega. Em suas relações, ele é romântico e maravilhoso, até que a visão dela é recuperada."
sábado, 1 de fevereiro de 2014
Brinquedo Proibido de René Clément (jeux interdits, 1952)
direção: René Clément;
roteiro: Jean Aurenche, Pierre Bost, François Boyer (baseado em seu livro, e roteirista), René Clément;
edição: Roger Dwyre;
estrelando: Brigitte Fossey, Georges Poujouly.
Durante a década de 1950 o cinema francês vivia um momento de sucesso. Seus filmes eram tão bem sucedidos frente ao público (e também à crítica) que conseguiam competir com grandes produções vindas de Hollywood. E deste momento de grande êxito da produção cinematográfica francesa que surgiram grandes nomes, tais como René Clemente, Henri-Georges Clouzot, Marcel Carné, Robert Bresson, cada um deles com filmes que se destacavam nas salas de cinema a ponto de obter lucro. Mas boa parte destes nomes não era bem vista pela nova escola da crítica de cinema que se formava nos cineclubes que surgiam no país. Este grupo de críticos tomou a frente do mundo cinematográfico francês, delimitando o que era ou não bom, o que deveria ser ou não visto. Essa nova escola também invadiu o mundo da produção cinematográfica, transformando o padrão de qualidade dos filmes e dando ao mundo do cinema uma nova forma de encarar os filmes que eram feitos. Esta nova escola nunca conseguiu atingir os mesmo êxitos que a antiga escola que era chamada depreciativamente por eles de "padrão francês de qualidade".
Devido a esta mudança da forma com que o cinema francês era encarado, boa parte desta geração diminuiu o número de filmes que fazia, e muitos de seus membros foi gradualmente caindo no esquecimento. Exemplo disto é o diretor do filme a ser comentado aqui, René Clement. Clement era o grande nome do cinema francês pré-nouvelle vague, seus filmes eram nomeados ao Oscar, tinham maior apelo frente ao público (constantemente aparecendo nas listas de maior bilheteria), e também era aquele que recebia mais críticas negativas dos jovens críticos. "Brinquedo Proibido" foi indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado em 1953. É um filme que poderia ser pensado como possuindo um caráter enormemente literário, mas que não o apresenta.
Uma bela cena é construída, talvez a melhor do filme. Clement se vale somente da montagem para mostrar a bomba explodindo, as pessoas morrendo e as que estão vivas com temor da morte que lhes ronda. Temos a imagem de um avião sobrevoando a estrada, todos se desesperam, começam a correr, o avião solta as bombas, o close-up de uma mulher gritando, a explosão, outra explosão ao lado da ponte, as pessoas se abaixando. Passado este momento, todos retornam para a estrada correndo para passar pela ponte. Com a montagem Clement mostra ao espectador do que aquelas pessoas estão fugindo, do que elas tem medo, e logo em seguida o motivo - elas não fogem de um avião simplesmente porque é um avião, mas porque ele pode matar (e assim ele faz um filme para que aqueles que não tem conhecimento acerca da II guerra mundial também possam compreender - crianças, por exemplo).
Quando retornam para a estrada, a família de Paulette (Brigitte Fossey) se depara com o carro deles sem ligar. Numa fuga, em que o perigo está rondando eles não se podem dar ao luxo de ficarem parados. É novamente por meio da montagem que Clement nos mostra o problema que representa aquele carro quebrado no meio da estrada. Todos os carros que estão atrás dele não podem passar, são mais pessoas servindo de alvo fácil, mais pessoas que não podem fugir do perigo que ronda. É um filme muito bonito e muito bem construído. Ainda nesta primeira sequência os pais de Paulette são mortos por um destes aviões e a menina fica orfã. Mas vive em um mundo a parte, não compreendendo muito bem o que seja a guerra, mesmo tendo estado no meio dela. Ela vai parar numa casa da zona rural protegida dos bombardeios e faz amizade com o garoto que mora numa fazenda, Michel (Georges Poujouly). A partir desta amizade os dois vão passar a pensar na morte em tempos em que ela está sempre a rodar, mas sem a mesma preocupação dos adultos.
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