sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A estranha comédia de Jacques Tati

Por Barthélemy Amengual


            Tati renovou a comédia ou a ressuscitou? E que comédia? Diríamos que ele aporta um burlesco superior. Não mais aquele burlesco de Max Linder, por exemplo – mensurando uma quantidade não mudaremos de categoria cômica –, mas diferente. E por que qualificar este outro burlesco de superior? Nós diremos.
            Havia em Carrossel da esperança (Jour de fête) duas belas gags nas quais já se operavam esta transmutação cômica conquistada em As férias do Sr. Hulot (Les vacances de M. Hulot). Todos os dois possuem esta característica notável que lhes conserva a característica da gag burlesca tendo rejeitado o conteúdo irracional. O riso nasce, como no verdadeiro burlesco, desta espécie de rangido de inteligência, desta vertigem fugaz onde a absurdidade empurra o espírito. Contudo, nada é absurdo, exceto as aparências. O que faz, no espaço de um segundo, alternar nossa consciência na contradição cômica, um fato bem natural, e pouco risível, de uma grande verdade, um fato de observação.
            Dois feirantes conversam ao seio de uma multidão, em algum lugar. Uma feirante vem de seu trailer na caravana e grita: “Roger, e os cães?”. Roger, sem se deixar distrair, coloca os dedos na boca, assoviando. Cinco ou seis cães, de todos tamanhos, saem da caravana e se jogam nas pernas da mulher. “Ah, lá estão eles”, diz o feirante, absolutamente indiferente. O filme, sem demora, passa para outra cena.
            Os espectadores não falham em estimar esta gag como fina, perfeitamente idiota. É portanto de uma admiração profunda. A feirante viu os cães na caravana. Ela cuida tanto dos cães quanto do terceiro ou do quarto. É Roger que a interessa, “seu” Roger que, por hora, se ocupa um pouco mais de Jeannette, a sua janela. Inquirir pelos cães é chamar Roger de voltar à ordem, o incomodar, o fazer lembrar que ela existe e não se deixará facilmente esquecer.
            Esta gag – que para uma, fazendo outra – se verifica cotidianamente nos bairros populares. “Marie! Grita a mãe, cuida de teu irmãozinho? Que faz a irmãzinha?”. A irmãzinha, sabiamente, senta diante da porta e sua mãe a vê bem. Mas é a grande que a preocupa. Quando Marie não está acorrentada à sua irmãzinha, Deus sabe quais culpáveis usos ela faria de sua liberdade.
            O outro exemplo concerne à cafeteira de Sainte-Sévère e as cadeiras intocáveis. Como Tati nos apresenta este homem? Como um excêntrico que, à véspera das festas, não imaginou nada de melhor que pintar as cadeiras. De repente, eis a personagem que decola do mundo concreto para entrar no universo fabular dos heróis burlescos; nosso cafeteiro torna-se um irmão da chapeleira de L’affaire est dans le sac. Que fez ele para chegar a estado tão ordinário? Nada. É normal para ele que tome a ocasião das festas na vila para refrescar seu material. É plausível que seja feito um tanto tarde. Ele está infeliz por sua pintura ser de má qualidade ou pobre em secar. É verdade que nosso homem espera ver secar a tempo seu mobiliário, pois em breve não espera mais.
            A casca é burlesca, fabular, irracional. O núcleo é banal, concreto, verídico. Vê-se aqui não mais que o princípio conquistado da fusão do cômico burlesco ao cômico de observação. Mas esta dupla natureza da gag importa menos que este tipo de ultrapassagem que Tati nos propõe, esta significação escondida, esta cauda que floresce a gag e a prolonga a caminho de um comenta.
            Em Carrossel da esperança esta ultrapassagem permanece ainda a cargo do espectador. Em revanche, em As férias dos Sr. Hulot, cada cauda segue seu cometa, se posso dizer; cada gag ressoa nos comparsas e parceiros do Sr. Hulot. Estes que se veem desafiados pela gag e revelam – apesar deles – algumas implicações. Ninguém, no filme, nem os feirantes, levam em conta o incidente da chegada dos cães. Ninguém, em Carrossel da esperança, acha absurdo que se deva sentar em caixas de cerveja. O absurdo é por nós, na sala, observado. A primeira lei do burlesco é que sua falta de lógica seja lógica, que sua irracionalidade seja, estranhamente, racional, que sua absurdidade obedeça a uma misteriosa significação da qual todos os protagonistas parecem deter a chave. O universo burlesco é coerente, sem hiatos ou falhas, como nosso mundo real. Ele não sabe ser absurdo. Os seres que o habitam são harmoniosos. Feitos para ele como os peixes para a água. É quase certo, às vezes, ligeiramente aturdidos com aquele que chega. Mas nós, em nosso mundo normal, o normal inesperado não nos surpreende jamais? De todo modo, eles não se questionam.[1]
            Para dizer como os filmólogos, o absurdo não está no universo fílmico, eles está na consciência do espectador. Tati inventa de introduzir seu burlesco no filme. Sr. Hulot executa qualquer ação, diz qualquer frase, e seus comensais se veem implicados, forçados a tomar posição, a se engajar, a informar sua definição entre eles. Claramente, ou com a maior ambiguidade, eles compreenderam a estranheza do Sr. Hulot, adicionando também seu próprio embaraço, e mergulham em um mal-estar curioso, provocado pelo clima bizarro que, espectadores, apreendemos pela nossa vez, e que aproveitamos para rir.
            Assim, a gag se concretiza em nós após uma dupla refração através da consciência das personagens, através de nossa consciência, como são o trágico e o dramático nos filmes destes gêneros. Antes de ser, apreendido pelo espectador como trágico, um gesto ou evento são antes vividos como tais pelos heróis da tragédia.
            Isto que precede prova que Tati trata seu cômico seriamente. Como um dramaturgo expande, aprofunda, agrava o trágico ao nos fazer meditar sobre a tragédia, Tati agrava, enriquece, mascara sua comédia dobrando cada gag de sua ressonância, de seu eco, ou de uma interrogação.
            De outra maneira, poderíamos dizer que a série burlesca (da qual Carrossel da esperança é ainda um exemplo), Tati substituiu o romance. Assim como num romance tudo que intriga perde em ação bruta, o autor ganha em vida interior, em verdade. Tati rarefaz suas gags, as retarda, faz montar em torno deles uma espuma intelectual, tecendo seus personagens com ambiguidade e dota os melhores com uma via inquietante. E isto sem entrar na comédia. Com As férias do Sr. Hulot o burlesco encontra sua terceira dimensão: a profundidade psicológica, fora da comédia.
            Estamos tão, cremos, armados para bem compreender aquelas declarações um pouco misteriosas de nosso autor: “espero que o público me acompanhe como me seguiram em Carrossel da esperança. Porque é uma tentativa absolutamente diferente, outro gênero cômico. Ao inverso do fator, o personagem do Sr. Hulot não é engraçado em si. Ele não faz nada de extraordinário – ou bastante, talvez: ele se contenta em ser ele mesmo. Ele é cômico para o grupo, em razão das reações que ele suscita nas outras personagens.” Negligenciando sua proposta moral, e os méritos de permanecer ele mesmo. Deixemos de lado as questões que trabalha a filosofia: ninguém é engraçado em si, porque ninguém está só no mundo; e o cômico não é uma essência que basta de liberar. Inicialmente a relação do diálogo cômico é sempre uma vontade de rir que se encontra com uma vontade de fazer rir. Mantenhamos a eficácia prática da distinção.
            O fator, François, pode fazer rir só, adicionado de qualquer acessório como sua bicicleta e também de homens, reduzidos à condição de objeto. Este riso, Sr. Hulot nos trás igualmente, mas não é bom. O bom, o verdadeiro rir ou sorrir, o essencial, vem justamente depois, tão breve entra em jogo a reação dos outros personagens. Hulot se torna cômico, então, como diz Tati, pelo grupo? Ou os outros se revelam cômicos? É o seu conjunto – Hulot mais os outros – de onde nasce o cômico, e mais frequentemente a ambiguidade, em compor uma situação inédita.
            Nem o cão louco no boliche, nem o catalisador ou o fermento que, introduzidos num meio estável, desencadeia a reação físico-química do riso, – estes mecanismos são comuns no cinema burlesco. Sr. Hulot está louco pelo escândalo que chega, o bobo que obriga os “sábios” a se interrogar a respeito de sua sabedoria, ou a se sentir bruscamente tomados como por uma vertigem em frente a ela.
                Vejamos de perto uma gag pela qual a declaração de Tati parece ter sido feita.
            Sr. Hulot, nas cabines de banho, percebe o óleo do corpo da loura tímida. Ele esfrega os olhos, sem querer tocá-la. A mãe, numa cadeira, monta guarda, se equivoca quanto ao interesse e a satisfação que expressa o olhar de Hulot. Ela então aluga este pedaço da praia, onde, como disse o prospecto do Sindicato de Iniciativa, o passeante não tem uma bela vista.
            Nada disto é cômico, nem Sr. Hulot, salvo o desprezo da mulher. Mas onde está a novidade? A bem dizer, não há nenhuma. Esta descrição sempre nos fornece a mola com a qual as gags mais originais são elencadas. Um caminho cruel e perigoso que dispara os mecanismos que retém os calços da embarcação. E aí está o mar. A proprietária tenta adivinhar o autor do golpe. O infeliz vê que Sr. Hulot, distraído pelo espetáculo do barco em fuga, precisamente se seca sem estar molhado e mais, faz correr sua toalha de alto a baixo. A anomalia deste comportamento excita a suspeita da azia do pescador. Mais tarde, à mesa, ele continuará a oprimir com insinuações o infeliz e inocente Hulot.
            É inútil provar que, pela arte de Tati, este duelo ambíguo, meio mudo, mas realista, importa a vantagem da gag fabular da toalha. O skecht da partida de tênis funciona da mesma maneira, rigorosamente, assim como do baile, do casal solitário e noturno, da bola de pingue-pongue extraviada, do Amilcar rebocado, do fim do enterro, e ainda dos surpreendentes genes que se infligem mutuamente os dois garotos da pensão. Alguns, não dobrarão sobre o patrão todas as gags do filme. Mais se revelam do burlesco primitivo, fantasma mais ainda fantástico, fantástico mais que irracional.
            Tudo isto não é construído de acordo com esta obra abundante. E algumas escórias atrapalham, chega também frequentemente às “caudas” que são desligadas de seus cometas, que a ordem de sucessão dos momentos cômicos sejam desorganizados e que mais gags brutas acorrentadas a mais ondas de eco, de ressonância, de vertigens burlescas, sem saber para conectar de modo preciso a uma gag o pretexto gerador. De resto, a favor desta indecisão, Tati confunde burlesco e pintura, irreal e realidade.
*
“Hulot não é divertido em si”. O que isto quer dizer? Sr. Hulot executando à vista do hoteleiro uma reviravolta fulgurante, mas enganosa, que desenha um surpreendente laço na areia, não é para fazer rir? Deveríamos atender, para diversão, a reação do hoteleiro, que continua sem pensionato e que crê distinguir entre as vestimentas da maleta? E Hulot auxiliando a subida dos ocupantes no Almicar, que difere ele do fator divertido em si? Não difere. Contudo, Tati, apressado em fazer o essencial, passa por sua comédia. Não é a gag cômica em si que importa, é sua exploração. E não sua exploração dinâmica e cômica, esta que manteremos na tradição burlesca, mas esta sutil vibração realista, o contorno de um resultado, a promessa de um abismo. O rangido do intelecto sobre o qual se funda o burlesco do absurdo, Tati se encontra como o equivalente desta interrupção, esta curta vertigem, esta grosseira suspenção do implícito, esta parada brusca, um pé no ar.
André Bazin bem disse que a gag burlesca esgota uma situação, atualizando todas as virtuosidades, eis então que Tati jamais atira a si próprio da extremidade. Hulot, ele mesmo, é inacabado. Este inacabamento é precisamente a reticência, a atenuação, a preterição. Mas o rangido provém de um golpe a ser investigado; o jogo do espírito problemático nestes mecanismos, faz uma apreensão aguda do real.
Este descolamento do valor do gesto ou do evento burlesco em seu florescimento satírico, que faz Tati dizer que Hulot não é cômico, se verifica ainda na curiosa maneira com que as gags propriamente ditas são tratadas. Que seja a gag do cavaleiro arrojado, perturbando as mesas, quebrando uma vela, levando o calcanhar à boca do tapete-leão, que seja da hérnia de disco ou do lunático, a mala que adiciona um degrau na escada, a muleta que, com um pontapé, fecha o cabriolet da aranha, parecendo que Tati se dá por tarefa primeira de realização desmontar, de remontar como mecânico rudimentar, de colocar no lugar nossa presença (é certo que não vemos Hulot pendurar em suas costas o chicote dos quadros), de regrar em frente a nós e de nos explicitar o funcionamento. Pequeno tratado do burlesco.
Esta redução da gag a seu princípio mecânico, generaliza uma tentativa pouco esboçada em Carrossel da esperança porque ela se limita ao jogo da bicicleta que roda só. Sabe-se que Tati mesmo se interroga para suprimir. Muitos espectadores o julgam incongruente. E é verdade que entre a pintura e o burlesco, Carrossel da esperança não encontra seu equilíbrio. Bem que ele exprime perfeitamente, começando a excursão com a bicicleta sem um fator, a absurda tentação da velocidade pela velocidade em que está preso François, quando observa a única retração da emergência, esta gag contraria o esforço de síntese, acusando a heterogeneidade dos elementos do filme.
Eis que, em Carrossel da esperança, a bicicleta é cômica em si, e também é improvável. Mas em As férias, cada gag é divertida – ou não tanto – pelos personagens. Tati percebe que a extrema nudez da gag serve a extrema complexidade de seu refluxo, e que o melhor galho para rebater as ondas é também o mais suave e o mais redondo. É também problemático constatar, analisando o sketch do baile de máscaras, que esta cena poética se transforma em gag, misteriosamente, ao momento preciso em que Hulot gira o botão do som e dá plena voz à música. Então todos os outros pensionistas se aproximam e o velho senhor flácido, corre os olhos pela janela. Pequenas causas, grandes efeitos; é também um caminho do burlesco.
*
O que leva então, Tati, a chegar a seus fins paradoxais que ele é o primeiro a dar: funde a comédia de costumes e a comédia burlesca, os casais apaixonados, não somente a união, mas mudar o um no outro para que façam apenas um quadro estético?
Aparentemente, estes dois protagonistas, Tati os envia ao encontro um do outro. O amor não exclui a razão. Ele demanda de cada um metade do caminho. Que o burlesco atenua sua irracionalidade: que a realidade dos costumes e dos caracteres docemente sejam irreais. Tati está, então, preso a banalizar seu burlesco, a fazê-lo tocar em terra, a fazer dotá-lo do máximo de verossimilhança e de credibilidade, ao mesmo tempo que altera insensivelmente a fisionomia de sua vila em férias, aquela que tranquilamente possui um tipo de sub-realidade.

Tradução de Yves São Paulo.
Publicado originalmente em: Cahiers du cinéma, n° 32, fevereiro de 1954.


[1] É reconhecido que Carrossel da esperança não é um perfeito burlesco. François, o fabricador, está colocado entre parênteses por seus concidadãos e por duas feirantes. Idiota da vila que bebe, que atira “para cima”, justifica mais facilmente a separação entre a observação e o burlesco, a vila e o boneco.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Os pivetes de François Truffaut (les mistons, 1957)


A cinefilia é característica presente nos trabalhos de quase todos os cineastas da nouvelle vague. Chabrol fazia sempre referências a Hitchcock, até pela escolha por constantemente filmar suspenses. Rohmer já preferia um caminho mais clássico que o aproximava de Murnau, aquele que parece ter sido seu cineasta preferido - difícil e controverso colocar Rohmer na nouvelle vague, mas façamos pelo bem do argumento. Godard fazia uma miscelânea de referências. Como Truffaut.

Já em seus primeiros filmes, antes mesmo de estourar para o mundo com Les quatre-cent coups, Truffaut já filmava reverenciando os mestres que o ensinaram a ver. Em Les mistons, talvez seu curta mais conhecido desta safra pré-reconhecimento, o cineasta já mostrava suas competências em conseguir reunir diferentes estilos num filme bem estruturado, e o que é mais importante, orgânico. Digo orgânico porque ao reunir influências que vão de cineastas extremamente diferentes como Hitchcock e Vigo é fácil que uma mente bem intencionada produza um monstro de Franskenstein cujas partes não se casam.

Em Les mistons, ou Os pivetes como o filme foi nomeado em terras brasileiras - título simpático - Truffaut consegue reunir todas suas influências de cinefilia num filme de quase vinte minutos com leveza, transformando-o num verdadeiro filme de Truffaut. Ao reunir diferentes estilos em seu filme, Truffaut aglutina todos, digere, e ganha a consciência de como filmar de modo próprio, de modo que lhe seja mais confortável. Insere no seu cinema algumas das características que seguiriam pelo resto de sua carreira.


Uma das características mais claras, e esta que todos os cinéfilos convictos da nouvelle vague seguiam em maior ou menor frequência, é o lado voyeur do espetáculo cinematográfico - coisa aprendida pelo cineasta que todos eles reverenciavam, Alfred Hitchcock. Tanto na construção de um filme quanto em seu visionamento estamos num jogo "voyeurístico". Truffaut compreendeu isso e o inseriu em boa parte de seus filmes. Doinel, para além de cinéfilo, estende seu lado observador para o cotidiano, enquanto segue os outros, observa os gestos alheios. Aqui em Les mistons, Truffaut encontra um grupo de crianças que pratica este ato observador. Passa uma garota bonita de bicicleta e eles, de longe, se contentam em simplesmente observá-la. Num ato que tende mais ao cinema de Cocteau, Truffaut filma uma das crianças se aproximando da bicicleta e beijando o acento vazio onde, uma vez, a desejada jovem esteve sentada.

Há mais em Les mistons, há Vigo. Esta influência é marcante no cinema de Truffaut a partir do ponto revolucionário em que as crianças são tratadas no cinema por Zéro de conduite. As crianças ainda não estão totalmente inseridas nas relações de conformação com as regras impostas pela sociedade e por isso podem se rebelar com maior facilidade. Os adultos, por estarem nelas inseridas, têm maiores dificuldades de enxergar como seria a vida fora delas, acreditando que sem elas haveria o caos completo. Vigo, enquanto anarquista, enxerga no caos infantil que toma conta da escola algo melhor que a ordem imposta. Truffaut, enquanto uma criança rebelde que foi, acredita nele. E assim, a certo ponto do curta, ao interromper um encontro de sua musa com o namorado, as crianças brincam de batalha. Que outro modo haveria de mostrar o caráter revolucionário das crianças numa linguagem que os adultos possam compreender? Crianças não precisam de armas de verdade para combater, diferente dos adultos desprovidos de imaginação. Ao mesmo tempo que parece fazer referência a Vigo, ela retoma à batalha de bolas de neve de Cocteau.

Já em seu curta-metragem de estreia, Truffaut demonstra maturidade na composição de uma peça cinematográfica. Maturidade que já demonstrava em seus artigos, afinal foi aos 22 anos que ele escreveu Uma certa tendência do cinema francês, artigo que balançaria as estruturas da crítica e que daria o pontapé inicial à nouvelle vague e às suas tentativas de exploração das capacidade de expressão com a linguagem cinematográfica. E a carreira de Truffaut já estava bem desenhada antes mesmo de seu sucesso em Cannes.

Assistir ao filme: Les mistons (sem legenda em português)