direção: Stanley Kubrick;
roteiro: Stanley Kubrick;
fotografia: Stanley Kubrick;
estrelando: Jamie Smith, Irene Kane, Frank Silvera.
Stanley Kubrick é tido como um dos maiores nomes do cinema mundial. Seu clássico 2001: uma odisseia no espaço figura nas listas de melhores filmes do cinema de muitos cinéfilos, críticos de cinema e cineastas. E não surpreende quando eles aparecem nestas listas. O cineasta é uma das poucas figuras que com o passar do tempo teve o culto em torno de sua figura, uma onda de crescente entusiasmo. Exemplo disso são os diversos sites, blogs e filmes que encontramos na internet que se dedicam a análise da obra do cineasta; é o caso do filme Room 237, documentário que se propõe a analisar o filme O iluminado, por exemplo.
A fama de Kubrick é bem conhecida dos cinéfilos que gostam de seu trabalho. Era um cineasta perfeccionista, que aproveitou a fama em torno de seu nome para fazer filmes com orçamentos cada vez maiores, aguçando cada vez mais este seu lado detalhista. Depois de Dr. Fantástico, o diretor passou a fazer seus filmes com intervalos longos entre uma produção e outra, em grande parte devido ao tempo que tomava para que pudesse desenvolvê-los e filmá-los. São míticas as histórias das mais de cinquenta tomadas que Kubrick fazia de uma única cena, fazendo com que seus atores repetissem uma ação à exaustão.
Mas nem sempre foi assim que Stanley Kubrick trabalhou. Ainda adolescente, descobriu a fotografia, tornando-se fotógrafo profissional. Foi esta experiência como fotógrafo profissional que lhe deu a base de seu trabalho como diretor de cinema: como fazer a composição de um quadro, como iluminar uma cena... Só que Kubrick queria mais, queria fazer cinema. Foi juntando dinheiro seu e pegando dinheiro emprestado com familiares, até que conseguiu viabilizar seus primeiros filmes, dos quais pouco gostava. Foi novamente pegando emprestado dinheiro com seu tio, dono de uma drogaria, que ele pode financiar este, A morte passou por perto.
Trata-se de uma obra muito interessante feita em um período em que o cinema independente não se prestava a busca de uma qualidade artística tal como temos hoje. Não é diferente neste filme. Kubrick nos apresenta com esta película um noir típico. Reúne elenco e equipe (embora ele mesmo seja o fotógrafo e câmera do filme) e parte para a gravação. A história de um boxeador que se apaixona por sua vizinha nos é narrada diretamente das ruas. O diretor aproveita sua habilidade de fotógrafo para poder pegar sua câmera e sair às ruas de Nova York filmando as ações de seus personagens com habilidade.
O enredo nos apresenta Davie (Jamie Smith) boxeador que está apaixonado pela sua vizinha, Gloria (Irene Kane). Gloria é dançarina na boate de Rappalo (Frank Silvera) que possui um interesse romântico pela garota e não enxerga com bons olhos a relação que começa a surgir entre sua dançarina e o boxeador. A relação primeiro posta entre os dois personagens que são-nos apresentados como o casal da trama é posta por meio de um jogo muito interessante. Eles vivem em apartamentos que ficam de frente um para o outro. Da janela de um é possível ver o apartamento do outro, e é assim que primeiro Kubrick mostra os dois: enxergando-se por meio da janela, embora em momento algum troquem olhares por meio dela. O modo como a mise-en-scène desta cena é construída é impressionante. A fotografia anula por meio da iluminação o lado de fora dos prédios, ou seja, o espaço que separa os dois apartamentos. Quando Gloria ou Davie está a olhar o apartamento de seu vizinho a câmera nos apresenta a relação entre o sujeito-desejado e sujeito-que-deseja (imagem acima). Em determinado momento, até mesmo com o auxílio de um espelho vemos a janela de Gloria do apartamento de Davie - é como se ela já estivesse dentro da vida dele.
Não é uma grande obra, apenas reafirma a tese de muitos de que Stanley Kubrick é um diretor de filmes de grande orçamento, para que ele possa ter em mãos o controle de seu filme. Os defeitos de A morte passou por perto se apresentam em sua maioria devido ao orçamento reduzido, o que atrapalha e muito quando o diretor não consegue fazer um filme nestas condições. Somente alguns anos mais tarde é que surgirá a nouvelle vague para dizer que é possível fazer grandes filmes com pouco dinheiro, mas até lá Kubrick já estará produzindo filmes com grandes orçamentos e colocando em prática a sua busca pela perfeição. E é ainda neste tópico do baixo orçamento deste filme em que surge um grande trunfo: na ausência da possibilidade de contratar uma equipe para trabalhar consigo, Kubrick assume seu filme por inteiro, produzindo, dirigindo, escrevendo, editando e fotografando a película, transformando-a em um filme de autor. É a visão de um autor em desenvolvimento se apresenta em A morte passou por perto, autor este que viria a ser um dos grandes nomes do cinema.