terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Que horas ela volta? de Anna Muylaert (2015)


Serei econômico:

[introdução]
Desde que ganhou prêmios em Sundance, Que horas ela volta? passou a chamar a atenção do cinéfilo brasileiro. Que filme é esse que parece ter reabilitado a imagem de Regina Casé de apresentadora de tevê a grande atriz premiada internacionalmente? A atriz protagonista certamente chama bastante atenção neste filme, mas não mais que o aparente engajamento político do filme. As obras político-sociais na arte brasileira estão longe de ser uma novidade. Por sinal, novidade são as obras que não buscam mais que o simples contar uma história - raro mesmo nos filmes ditos comerciais. Difícil para esse cinema engajado socialmente em soltar a tradição brechtiana-glauberiana de distanciamento do espetáculo. Em certos casos, nem sendo proposital. Mas não é esta a proposta da diretora Anna Muylaert. Inserindo um drama familiar num contexto social, o filme não ganha o peso esperado de uma obra cinematográfica brasileira que aborda tema tão complexo. Em certo sentido pode até lembrar Cidade de deus, que aborda a violência de forma tão ágil ao invés de cair nos clichês da dramatização da pobreza. Mas são duas obras completamente diferentes.


[o social]
O que mais chama atenção da crítica em relação ao filme de Muylaert é a crítica social. Esta abordagem da acensão social de parte da sociedade durante o governo Lula. Uma leitura política imediatista pode ser prejudicial, tanto para o filme quanto para a crítica. Ainda não temos o devido distanciamento dos fatos para poder falar alguma coisa sobre eles. Estamos embebidos pelas emoções do desenrolar de tudo isso. É por isso que a grande sacada de Muylaert é simplesmente contar uma história como se estivesse a narrar fatos. Não concedendo ao seu filme o caráter documental, mas também não concedendo a ele o aspecto de ensaio sociológico. Temos nele uma história de onde podemos retirar seu caráter político-social.

E são nas emoções deste desenrolar de mudanças sociais em que se baseia Que horas ela volta?. A confusão das personagens inseridas num contexto de comodismo e conservadorismo frente à realidade que, exatamente pelo comodismo, lhes parecia inevitável e deveria permanecer como está. Numa construção clássica de narrativa, Muylaert insere o (ou, neste caso, a) estranho que surge para mudar as perspectivas das personagens. Como o homem que em O país dos cegos, conto de H. G. Wells, surge em uma comunidade de cegos para dizer que o mundo vai muito além do vale em que eles vivem, Jéssica aparece para mostrar que os marginais (as pessoas que vivem à margem da sociedade) têm tanta capacidade de crescer na vida quanto os mais bem providos, basta ter oportunidade - e ela teve.

Este novo olhar é o que passa a modificar a rotina daquela casa. A mexer nos espaços - a recém-chegada quer ser arquiteta. A mostrar que "o bom gosto" não é exclusividade das classes dominantes.


[o familiar]
Mas antes de ser um filme de conquistas sociais, Que horas ela volta? é um filme sobre relações familiares, assim como mostra a primeira cena, intercalada com os créditos: Val, a doméstica, observa o filho dos patrões brincando na piscina. Ele sai da água e vai até ela. Pergunta que horas a mãe chegará. Este menino somente aparecerá no filme nesta primeira cena. Depois notaremos que ele é o jovem que, assim como a filha de Val, está tentando uma vaga no vestibular da USP. A relação entre o garoto e Val é mais próxima que a dele com sua mãe. Mas é na pergunta título do filme, realizada pelo garoto, que reside uma das principais questões do filme: a maternidade interrompida, ou o afeto distante.

São três mães que sofrem pelo carinho de seus filhos. A principal delas é Val, que por dez anos ficou sem visitar a filha deixada no sertão aos cuidados do pai. É nestas relações que as personagens de Muylaert se humanizam. Ganham vida. E não demora para que uma figura como Regina Casé - aliada a sua competência própria - deixe de lado a sua imagem de apresentadora de tevê para se tornar Val. Tudo isso graças a esta relação que é presente na vida de todos, seja pela proximidade ou pela distância com as mães. E mais ainda pelos filhos. Se Fabinho pergunta para Val que horas ela volta, Jessica dirá a sua mãe que sempre fazia a mesma pergunta quando criança. O sofrimento dos filhos separados de suas mães existe em qualquer criança que passe por situação semelhante.


[o filme]
Seguindo uma mise-en-scène tradicional, o filme de Muylaert tem como trunfo algo costumeiramente dito como sendo o fraco do cinema nacional: o roteiro. Com bons personagens, buscando a leveza da relação entre as personagens - a chegada de Jessica na casa dos patrões de Val e sua relação com os patrões da mãe poderia ter sido muito mais dramática, o que seria um erro - e até mesmo alcançando tons de comicidade, Que horas ela volta? mostra-se como um filme que deveria ser feito mais por este ultimo ponto (e foi). Possui as duas características essenciais para um bom filme: provocar reflexão e entreter. Consegue isso ao aliar uma problemática social a uma relação familiar. Uma formulação clássica, como podemos notar em filmes como A felicidade não se compra.

Não precisa ser inovador para ser bom. Dizer que o filme busca uma perspectiva nova ao se inserir na cozinha, tomando da perspectiva da doméstica ao invés dos patrões é um equívoco. Mas, novamente, o filme não precisa vender uma novidade para ser bom. Para cair nas graças de público e crítica, ainda que estes últimos fiquem em caça de novidades, e escorreguem mais do que encontrem. Afinal, a arte não se faz somente de vanguarda.

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