sábado, 26 de abril de 2014

O Eclipse de Michelangelo Antonioni (l'eclisse, 1962)


direção: Michelangelo Antonioni;
roteiro: Michelangelo Antonioni, Tonino Guerra, Elio Bartolini, Ottiero Ottieri;
fotografia: Gianni di Venanzo;
edição: Eraldo da Roma;
estrelando: Monica Vitti, Alain Delon, Francisco Rabal, Lilla Brignone.

Michelangelo Antonioni possui um modo único de enxergar o mundo. Sua análise das pessoas une-se a sua análise do cinema, mais especificamente do enquadramento. Em O eclipse temos um caso muito interessante de um filme em que as relações entre os personagens é acentuadamente posta da forma como eles (os personagens) são enquadrados. Os personagens de Antonioni batalham contra o resto do mundo para poder aparecer no quadro, para o espectador. Esta batalha que travam seus personagens reflete o mal-estar que sentem perante o mundo; e já que o mundo de um personagem de cinema se apresenta frente ao (ou dentro do) enquadramento, eles batalham por um lugar "ao sol".

Esta batalha dos personagens para aparecerem, serem vistos, surge num primeiro momento quando Vittoria (Monica Vitti) decide romper com seu marido. Durante a separação, o homem permanece sentado a uma poltrona, ela anda em sua direção e o olhar de seu esposo se volta para ela. Mas quando ela caminha para o lado percebe que ele está a olhar para o nada, sem notá-la (ela havia passado em frente ao seu olhar e tido a impressão de que ele estava a olhá-la). Vittoria necessita que esta atenção seja direcionada para ela, e por isso durante boa parte do filme ela batalhará para ganhar a atenção da câmera. Ela terá que "fazer valer" esta participação no quadro.


Esta participação de Vittoria no quadro não é tão fácil. A afeição de Antonioni pelos espaços em que a moça vive parece atrair mais a atenção do diretor do que a própria história de sua protagonista. São muitos os momentos em que o cineasta prefere procurar realizar um estudo da plasticidade dos quadros ao invés de seguir sua "heroína". Temos, em seguida, à separação de Vittoria de seu marido, uma cena na bolsa de valores em que se anuncia a morte de um dos especuladores e pede-se um minuto de silêncio. Vittoria se perde no meio da multidão silenciosa e paralisada por este momento incomum (que para a bolsa de valores é perder bilhões, diz o personagem de Alain Delon) enquanto Antonioni procura mostrar a relação entre as pessoas e o espaço em que vivem: a escala, a diferença entre o tamanho das pessoas e a paisagem, mostrando que somos insignificantes frente a este mundo.

Ainda neste sentido da perspectiva temos a cena em que Vittoria ajuda a procurar os cães de sua vizinha que fugiram de casa. Em determinado ponto de sua busca, ela se depara com um conjunto de mastros onde seriam hasteadas bandeiras, e novamente a insignificância do tamanho do homem frente ao mundo em que vive é posto. É constante este embate entre o homem e o mundo gigantesco que o cerca, e isso não se reflete somente no tamanho dos monumentos que envolvem os personagens retratados no filme, mas também frente à produção humana, os números sempre altíssimos com os quais os especuladores de bolsa de valores trabalham.


Assim este eclipse sugerido no filme poderia muito bem ser o eclipse do homem frente a este mundo moderno. O mal-estar de Vittoria, a única personagem do filme que parece não demonstrar ganância em ficar rica e que também não tem qualquer outra aptidão, reflete este eclipse pelo qual passa a humanidade. Neste eclipse, o mal-estar da modernidade esconde as capacidades humanas de criação, que são gigantescas. Mas esta capacidade fica perdida uma vez que não se consegue encontrar um objetivo, como Vittoria não consegue. A personagem de Monica Vitti passa o filme inteiro perdida, sem ter um caminho para seguir, nem sabe por que mantém relações com as pessoas. Ela não sabe o que fazer e a todo o momento se depara a amplidão do mundo que a cerca (a bolsa de valores e os bilhões ridiculamente desperdiçados, a viajem de avião, as histórias sobre a África - o mundo vai além da vizinhança de Vittoria), mas isto não causa qualquer efeito sobre ela.

O mal-estar se apresenta de maneira mais latente a partir do momento em que ela não consegue se comunicar com as outras pessoas sobre o que ela sente. Inicia um romance com Piero (Delon), mas não sabe porque o fez. E frente esta inquietação silenciosa, Antonioni nos guia dentro deste mundo estético em que há muito para ser visto, embora não consigamos enxergá-lo sem o auxílio do cinema.

Um comentário:

António disse...

Penso que se torna nítido no filme que a relação entre Monica Vitti e Alain Delon também irá fracassar, tão distantes são as formas de ser um do outro, ela (aparentemente) sendo feliz com coisas banais e simples, ele extremamente "mexido" e materialista. É um filme com a marca Antonioni, sem dúvida, estão lá todos os elementos que caracterizam os filmes deste excelente realizador, mas penso que fica ligeiramente abaixo de outros filmes do mesmo como "la notte", "il deserto rosso", "blowup" ou "zabriskie point".