terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Silêncio do Mar de Jean-Pierre Melville (Le Silence de la Mer, 1949)



direção: Jean-Pierre Melville;
roteiro: Jean-Pierre Melville;
direção de fotografia: Henri Deace;
estrelando: Howard Vernon, Jean-Marie Robain, Nicole Stephane.

Com o advento do neorrealismo italiano, as plateias do mundo todo levaram um choque quando histórias ficcionais passaram a ser contadas nas ruas em que aconteciam as histórias nas quais elas eram inspiradas. Junto com esta nova possibilidade, da falta de necessidade de construir enormes cenários para contar histórias, nascia o cinema independente, o cinema que não necessitava de grandes orçamentos para que filmes pudessem ser feitos, apenas boas histórias. É partindo destes princípios que Jean-Pierre Melville faz Le Silence de La Mer, seu primeiro longa-metragem.

O filme em questão é uma adaptação de um livro (de mesmo nome) escrito quando tropas nazistas ocupavam a França em 1941. Dois soldados nazistas passeiam por uma pequena cidade do interior da França até chegarem a uma casa, a do tio-narrador (Jean-Marie Robain, o nome de seu personagem não é revelado em momento algum). Eles entram na casa, pedem para vê-la, dão uma volta, e partem. Pouco depois retornam com caixas que deixam na casa. Alguns dias mais tarde surge o oficial Werner von Ebrennac (Howard Vernon), que ficará alojado na residência.


Durante este período o tio e a sobrinha que vive com ele (Nicole Stephane) convivem sem maiores problemas com o oficial, mas negam a sua presença. O oficial não passa de um mero fantasma que assombra as noites dos moradores daquela casa do interior de uma França atormentada por terrores semelhantes. Eles ficam próximos ao fogo da lareira como se fosse o fogo que espantasse aquela figura. Uma figura que faz questão de anunciar sua presença, por mais que seja ignorado. Ebrennac surge em diversas noites e profere monólogos sobre os mais diversos temas (em grande parte sobre arte). Embora não transformem as falas do oficial em um diálogo, o tio e a sobrinha escutam todas as palavras que Ebrennac diz.

É o fantasma que assombra, que não pode ser visto, mas que é sentido. Ele não é material, e mesmo assim perturba quem está próximo. E como assombrados por um fantasma que não podem extirpar, o tio e a sobrinha permanecem sentados, obedientes à sua condição de "assombrados", enquanto o oficial permanece de pé, imponente, com o poder da fala (a fala, que mais tarde nos será revelada, é exclusividade dos alemães - que com sua vitória irão destruir a cultura francesa). A fala tão importante neste filme porque, como diria Merleu-Ponty em uma obra publicada uma década depois deste filme, é a partir da fala que conhecemos nossos pensamentos (nossas ideias), é somente quando podemos falar que possuímos o poder. Daí enxergarmos a importância da cena final deste filme, uma cena simples que esconde um discurso extraordinário.

Um belo filme sobre a cultura de um povo, o seu valor, e o que pode ela representar em tempos sombrios.

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